Há uma palavra que me bate na cabeça de há muito tempo a esta parte. Um dia, num ano destes, em casa de um intelectual de renome no Brasil, que me mostrava os tesouros da família, guardados desde gerações, dos tempos da colonização, quando a Igreja congregava a Fé e a riqueza, tive a ousadia de dizer que o Brasil só teria solução quando tivesse coragem de assumir a necessidade de uma rotura. Respondeu-me o meu interlocutor: "você quer dizer, guerra!".
Não, nada disso, a guerra não é solução para coisa nenhuma, mas, no caso brasileiro, há que entender que a sucessão de elites que foi governando o país o deixou sem solução. Não há terra para mais ninguém. O imperador distribuiu, distribuiu, tudo, o que conhecia (pouco) e o que não conhecia (muito) e os vindouros ficaram agarrados à propriedade e à não propriedade.
No Brasil é necessária uma rotura que redefina a propriedade da terra, pelo usufruto, pelo aproveitamento, por qualquer critério que rompa a definição social que vem desde os tempos da colonização, passou pela época dos coroneis e se instalou na actual burguesia, que, tal como os seus antecessores continua a ter necessidade de âncoras financeiras no estrangeiro. A burguesia brasileira não investe no país porque não acredita e nem o presidente Lula da Silva conseguiu, até ao momento, liderar o Estado para uma rotura que signifique a igualdade entre cidadãos e o fim da verdadeira guerra civil que ali existe - uma guerra da pobreza contra a riqueza.
A palavra rotura dança-me na cabeça todos os dias, quando me angustio com arealidade que me rodeia, evidenciada nos jornais que leio, nas rádios que ouço, nas televisões que vejo e - mais do que isso - no comportamento das forças políticas, dos dirigentes que temos.
Ora, exactamente, a palavra rotura saltou-me aos olhos, quando, abrindo este blog, deparei com um comentário a um dos meus últimos posts, aquele em que verberava o conteúdo da mensagem de ano novo do Presidente da República - também ele incapaz de romper com o discurso estupidamentre economicista que se instalou entre nós.
É isso, meu caro "comentador": é nececessário romper! Romper com os conceitos políticos, desde logo. Romper com esta elite medíocre, seráfica, que não tem, sequer, capacidade, para vender um sonho. Este país foi grande - vanguarda europeia - quando teve uma elite capaz de sonhar.
Há quantos séculos isso aconteceu? Que é feito agora dos homens e das mulheres da nossa terra que não se conformam com a mediocridade que a sua condição de portugueses lhes oferece? Rumam outros lugares, outras nacionalidades, outras culturas, esquecem...esquecem que foram portugueses e fazem dos filhos gente de outras nacionalidades, de outros valores, de outras línguas. Já nem o conceito de Pátria defendio por Fernando Pessoa é válido!
Enquanto isso, assistimos diariamente ao desfilar da imensa mediocridade de quem nos governa, de quem escreve nos jornais e os dirige, de quem se opõe a quem nos governa, de toda esta gente que, entretanto, vai destilando boatos, acerca da sexualidade dos outros, acerca dos hábitos de honradez do próximo. Um mundo escabroso sem saída, sem solução, a não ser uma ROTURA inteligente.
Que rotura será essa ?
Rotura de conceitos, em primeiro lugar. O mais pindérico jornalista do mais pindérico jornal da praça já é capaz de escrever que é necessário reduzir as despesas de saúde, diminuir o número de trabalhadores da Administração Pública, acautelar os custos da Segurança Social, porque a sociedade está a envelhecer... Que o Estado existe para pagar o que não dá lucro e ( isso, eles não escrevem) para proteger os poderosos, que continuam, como há séculos, a viver dos subsídios estatais e do não pagamento de impostos.
São os conceitos da direita mais retrógrada a fazer escola, a determinar comportamentos, a definir atitudes.
E o que faz a esquerda?
O PCP lança para o ar um senil grito de "Viva o Marxismo-Leninismo", dando, claramente, a indicação de que, depois destes anos todos, não percebeu que o leninismo afogou o marxismo.
O PS fala em "esquerda moderna", mas joga o mesmo jogo de sempre, dentro dos mesmos grupos, sem entender que a modernidade da esquerda se cola ao mais moderno dos conceitos da política e da economia de hoje : a globalização.
A globalização que os portugueses abriram ao Mundo. Antes que americanos e japoneses falassem do fenómeno, já os portugueses o praticavam, levando e trazendo, mercadorias e ideias, gente e tecnologia. A diferença está em que a globalização dos portugueses não foi nunca um projecto de estado, mas antes mil e um projectos individuais de aventura, de fuga à mediocridade, à pobreza, à humilhação. O Estado - as várias formas de estado - nunca conseguiu entender esta dispersão de vontades, de inteligências que foram construindo outros mundos, sob outras bandeiras, servindo-se de outras línguas, de outras linguagens.
Os vários estados implantados aqui à beira-rio ( a beira-mar é outra coisa) nunca quis saber desses milhões de pedaços espalhados pelas sete partidas. E mesmo o poeta que cantou a primeira gesta desses homens lançados borda fora por esse Mundo além, foi marginalizado e ainda hoje - para glória da sua poesia, da sua generosidade e das suas ideias - continua a ser marginal.
A tal "esquerda moderna" ainda não percebeu que as sementes da rotura já foram lançadas há séculos. Há, agora, que buscar os frutos e lançar aos portugueses e seus descendentes por esse Mundo fora as flores de uma auto-estima que fará de Portugal e dos Portugueses, não apenas a vanguarda europeia, mas um exemplo para outra forma de encarar o Mundo, fazendo da globalização não uma forma de pilhagem alargada, mas um sistema de solidariedade.
O PS está longe de entender isto porque trata os portugueses residentes no estrangeiro e que ainda se interessam pelo que acontece no país (uma vez que votam) como gente de segunda, a quem faz o favor de sugerir dois representantes. Que diz Maria Carrilho e Aníbal Araújo a esses portugueses?
Que espécie de ligações é possível fazer com esta gente? Como é que esta gente será capaz de mobilizar uma ideia de Portugal espalhado pelo Mundo, de um povo presente em toda a parte onde, para construir alguma coisa, foi necessária força, espírito de sacrifício e respeito pelo próximo?
E O BE - que faz ele? Espera o barco do descontentamento generalizado para embarcar numa boleia que o leve ao poder e possa, como todas outras forças políticas, fazer os jogos da pequena política e do poder. Por que razão não se afirma com um programa alternativo a todos os disparates que andam no ar. Por que razão não se abalançam a construir um novo sonho para os portugueses, para todos os portugueses?
Onde está a capacidade de rotura das nossas elites políticas? Vamos continuar a fazer o discurso da desgraçadinha? " Afinal, Rosa enjeitada, quem és tu ? Uma mulher que sofreu!"
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