quinta-feira, outubro 26, 2006

Estou Cansado de Ser Português

Ontem à noite, finalmente, tive que admitir de mim para mim: estou cansado de ser português. Não estou a dizer que não gosto - só que estou cansado.
Nas várias fases da minha vida sempre tive que aturar a condição de português daqueles com quem tive, de algum modo, trabalhar, tentar fazer isto ou aquilo. E foi sempre muito didífil.
Sobretudo com as pessoas que, mais ou menos de repente, sem que se saiba porquê, assumem posições de poder, por pouco que seja. Ficam logo inacessíveis, com secretárias muito "in", muito "tias" a dizerem que o "o sr. engº ou o senhor dr. está numa reunião".
Em Portugal não se pode levar a cabo um projecto diferente, com mérito - toda a gente gosta muito, mas tudo fica a torcer para que acabe, tropece, se estatele... ou então avançam para a cópia de baixa qualidade, na esperança de recolher os méritos...
Os governos sucedem-se nas promessas e nas mentiras. Aproveitam pouco do que está para trás e refazem tudo - sempre com os mesmos argumentos e os mesmos objectivos: servir os amigos de modo a que, mais tarde, também possam ser servidos.
Gostava de, uma vez por outra, ouvir um primeiro-ministro com um tom de voz normal, a falar com os cidadãos, sem dar a impressão que está zangado e a ralhar com toda a gente.
Sei lá... gostava de viver numa comunidade de gente educada, que não está sempre em reunião, naquelas reuniões que nunca acabam, porque eles ou elas nunca devolvem os telefonemas.
Uma das minhas grandes ambições era saber que o ministro da ciência e tecnologia tinha capacidade para perceber que há coisas que ele tem que apoiar - a sociedade civil está à espera que o aumento de orçamento signifique essa compreensão.
Confesso-me cansado e sem jeito para esta condição. Gostava de pertencer a uma comunidade onde as pessoas, para além de se divertirem a beber uns copos e ir à praia, tivessem disponibilidade para apreciar o esforço dos outros, o mérito dos outros - mesmo que não sejam amigos.
Gostava de viver numa comunidade que ao falar de juventude não estivesse a pensar nos filhos dos amigos e nos seus próprios, mas em toda a Juventude, fazendos os possíves por enquadrar os seus projectos.
Estou cansado, mas irritado, porque gosto. Será uma manifestação de masoquismo?

segunda-feira, outubro 09, 2006

JUSTO E PECADOR

... e o polícia malfeitor que só
malvadez contém prendeu a pobre
velhinha que andava a roubar flores
para pôr no túmulo da mãe...

Foi lenga-lenga que me ensinava um tio ainda jovem, e que decorei, enquanto a minha mãe me catava a cabeça, como se fazia no meu tempo de miudo. Tornei-me paciente militante desde que um miudo, na minha aula, apanhou um bicharoco da gola de blusa de um colega e o foi levar ao professor. A minha avó é que levou a novidade do DDT lá a casa. Acabaram de vez os piolhos na cabeça e os percevejos na cama, foi remédio santo. «Podia ter-te morto!», disse-me um droguista algum tempo depois. Desde então fui aprendendo que estamos sempre sujeitos a tudo não obstante as polícias e a justiça subjacente serem uma exigência das sociedades evoluidas (ou quase) tal como a Medicina por exemplo, ou o Ensino (e etc). Sabe-se que nem todos os médicos são honestos ou competentes, que nem todos os profs. sabem o que devem ensinar ou pelo menos o suficiente para passar de classe. Com a Polícia sucede o mesmo. Os agentes procuram manter a ordem e garantir alguma tranquilidade. Não são robots, são gente comum. Exercem uma profissão de risco.Alguns ( e não poucos!) morreram no exercício dela.
Por inerência da profissão o agente da ordem anda armado. Na sua posse, a arma sublinha a autoridade que é devida a quantos zelam para ordem pública. Não é um brinquedo!
Fazer, como fez hoje, «oPúblico» uma acusação implícita à GNR de acção criminosa não é razoável mas vai na linha muito em voga nos últimos tempos: uma notícia não vale nem vende sem estar embebida em molho picante. Tem que ser o menino a morder no cão. Só interessa se for a menina a violentar o sacristão.
Talvez a intenção da notícia não fosse o direito de cada um roubar por aí as viaturas que quisesse e não se dar ao incómodo de travar à ordem policial de parar! Quando -- e já tem acontecido -- as viaturas policiais não conseguem alcançar os carros mais potentes em fuga, os jornalistas criticam, com desdém, a falta de meios ou a inabilidade das forças da ordem..
Quando dá para o azar, coitado do ladrão, levar um tiro por roubar a porcaria de um carro, onde é que já se viu! É o abuso do poder e a prepotência da autoridade a pagar as favas, pois claro.
E quando ocorre o contrário, como aconteceu, não há muito, um agente ser morto por um bando de honestos assaltantes de bancos e de caixas multibanco, a culpa foi do colete!
É evidente que qualquer instituição (como qualquer jornal!) pode e deve ser criticada, isso está fora de questão. Não é um agente da GNR que faz a primavera. Não é decerto a encolher os ombros que se assegura o respeito à autoridade. Mas prefere-se pôr a tónica no infeliz gatuno, que gozava como podia a liberdade condicional, pois que seja e viva o jornalismo redentor...

quinta-feira, outubro 05, 2006

QUE OS PARIU

Não, gaita! Não quero falar das origens de ninguém em especial, nem sequer vou botar futeboleiras arrebatadas, mas da surpresa pelo encerramento de maternidades e as deslocalizações de parturientes. Mandar para Espanha um parturiado de concepção portucalense faria por certo o Afonso vimaranense saltar da cova, se fora mais novo. As maternidades dos automóveis estão todas a mudar-se sabe Deus para onde e isso provoca crise e angústia a tal ponto que até os ministros fazem o favor de mostrar preocupação.
Sou de um outro tempo. Do tempo em que não sabia que esta palavra saudade infelizmente existia. Bolas! Lá caí eu no fado. Queria, na minha, lembrar que me recordo das vizinhas estarem em casa, à espera que a cegonha trouxesse o rebento. Pelo menos era assim que me explicavam. Depois apercebi-me melhor. Era em casa que acontecia. Com parteira ou sem ela, mas quase sempre com elas. Já havia Alfredo da Costa, sou de lá, mas quase tudo acontecia no aconchego do lar.
Primitivismo, estou em crer. Mas até um país salazarengo podia evoluir. Evoluiu e a par de aljubes, tarrafais e coisas que tais foram aparecendo maternidades e salas de parto pelos hospitais. As parteiras passaram a ter outra função. Era feio ir na parteira, mas fazê-lo na Suiça ou coisa assim não escandalizava.
Agora é o ministro ou o governo a empurar as parturientes para Espanha, porque em Elvas
não se pode. Em Mirandela não dá. Em não sei onde também. Só o senhor ministro é que sabe onde se pode arrancar às mães os frutos dos respectivos ventres. Ele é certo que as questão de Saúde são delicadas e com a Economia doente como anda não se espantem se surgir por aí um saudável surto de propaganda da interrupção voluntária da gravidez...