quarta-feira, fevereiro 28, 2007

FRASES FEITAS

Devem provir da sabedoria popular, como espuma confeccionada ao longo de séculos. Não me conforta saber que viemos do nada, nem me tranquiliza saber que já não podemos ir de urgência para o além, via hospital tradicional. Mesmo Jesus teria pouco mais de dois mil anos, quando foi pregado na cruz. Não se salvou, nem nos salvou de outras violências posteriores. Ainda teve de assumir os excessos dos descobridores ou dos cruzados que, em seu nome, espasmavam sobre as negras atónitas e outras barbaridades sobre os seus (delas) machos infieis, se bem que a infidelidade, tal como a entendemos, não fosse para ali chamada! Tão pouco a civilização, que era o que era, como era, como sabia e, acima de tudo, como podia, quiçá fruto de vontade divina!O homem podia ser vivo como qualquer gato ou cachorrinho por mór da Natureza e não por direito. Muito antes dos matadouros serem municipalizados já se mandavam cristãos para o Coliseu para festim de leões e minorar o enfado das cortesãs. Os Césares imperavam, não eram fascistas porque o fascismo não tinha nascido ou então andava disfarçado. Terá sido a falta de espaço vital que os levou por esse mundo fora a exibir a natureza deles, que como se sabe não era cristã. Talvez por isso os chineses construiram a muralha, enquanto os portugueses pensaram que o Viriato chegava e era mais económico que fazer um muro. E Sertório ainda tentou improvisar um 25 de abril mas lixou-se. Que falta lhe fez o Otelo!Mas romanos leva-os o vento, se é que não foram embora por falta de urgências!Mas foi o Adolfo quem mudou o mundo ou o fez mudar. À custa da guerra e do terror que dela emana. Não ganhou, mas livrou-se de ser pregado. Um iraquiano recente não teve a mesma sorte. O que resta de iraquianos sofre.Desde que me lembro, e eu sou do tempo de Adolfo, nunca o mundo deixou de ter guerra e nos países onde não há guerra morre-se atropelado! Pior: mata-se o próximo, o mais chegado; abusa-se do menino ou da menina. Numa sociedade de direito matar é um direito. Tem preço, bem entendido. Por vezes sai caro. Se for com carro sai mais barato...

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

COMBOIOS DA MINHA VIDA

Não sou um furioso. Simplesmento carrego comigo o comboio que me viu nascer ou, melhor dizendo é do comboio de Sintra a minha primeira memória. Morava à beira da linha, em Queluz.
Do pátio avistava o comboio que passava a apitar. Corria para dentro de casa e do postigo das trazeiras via-o sumir-se. As vizinhas enchiam-me a cabeça de cegonhas. Nem sei se foi alguma delas que me trouxe o irmão, que vi de manhã, ao acordar. Acho que se chamava«Vila Moreira»,
o pequeno aglomerado de pequenas casinhotas, o que não se chamava, de certeza, era condomínio fechado. Tinha um dono, que vendia couves e hortaliças na praça e era muito murmurado porque tinha tido um filho da mãe da filha que vivia com ele e de quem, também já tinha descendente. E viviam em família, todos juntos.
Como não havia «apitos dourados» o tema era muito badalado com quem ia e vinha de visita às criaturas do conjunto habitacional. Nem a porcaria da +grande guerra+ ainda tinha começado quando da cegonha...
Giro é que não guardo memória de ter andado de comboio, enquanto miudo. Lembro-me, isso sim, de os ver e ouvir. Até que dei por mim em Lisboa. Numas águas-furtadas da Victor Cordon via-se o Tejo e as barcaças e uns dois ou três caricatos «vasos de guerra» presos a boias. Como os comboios, a guerra na Europa não me dizia nada. Ainda nem sequer lia o «Mosquito»! Mas no Verão ia-se de comboio para a Cruz-Quebrada, fazer praia! Quando explicaram ao meu pai que aquilo não era sítio para onde se fosse, passámos a ir para a Trafaria ou para Carcavelos. Um dia,
quando cheguei da escola, a minha mãe disse-me que íamos ao Porto ver um vago parente do meu pai e que, por obra provável do acaso, se chamava Benfica. Nós chamavamos-lhe Alfredo. Mas fui de comboio. Por essa altura, os comboios saiam quando calhava e chegavam sabe Deus quando. Era complicado ter lugar sentado ou mesmo de pé. Mas o meu pai evoluira e comprou bilhetes em segunda-classe. Era giro, juro que era, passear no comboio, sobretudo quando se atravessava de uma carruagem para outra. Perigoso era espreitar pela janela aberta. Faúlhas acesas não era brinquedo.
Para andar de comboio tinha de se comprar bilhete. Depois de comprar o dito, mostrava-se ao sujeito da porta, para ele deixar passar para dentro da gare. Depois mostrava-se, no comboio, ao senhor do alicate, que furava o bilhete. Tinhamos de guardá-lo porque, à saída um teimoso queria o bilhete furado. . Algumas das estações eram edifícos bem bonitos. Alguns perduraram até ao nossos dias. Outros perderam viço, perderam uso. Viraram ruinas. Ainda hoje quando passo de carro por Vilar Formoso, dou sempre desculpa de ter que comprar o jornal, para ir ao largo da estação. Nunca entrei no edifício. Por lá passei algumas vezes no comboio para Paris.
Tempos houve em que os comboios para (e de) Paris tinham história: as carruagens de cochettes eram as únicas que, saídas de Lisboa, prosseguiam de Hendaya até ao destino. A bitola estendia e encolhia conforme a conveniência, o que permitia despachar as velharias sem problema.
Lembro-me de algumas viagens soberbas, a começar por Angola, onde o comboio ia do Lobito
ou Benguela até onde se quisesse. Fui uma vez até ao Luso, mas habitualmente descia em Nova Lisboa. Lá estava: era um serviço e peras e o jantar uma delícia! As histórias que se contavam do Expresso do Oriente não me impressionam.
Divertido também era o comboio das minas, que saía de Moçâmedes e me deixava em Sá da Bandeira.
Foram, de algum modo, os comboios da História. Comboios que andavam como comboios. Os TGV e outros que tais são de outro filme. Não podem descer, como eu desci, de Berna para Milão não como eu tanto adoro, nas voltinhas do Marão, mas de outras tremendas encostas alpinas.
Os automóveis também se abatem; também se perdem e custam vidas. E não param. Os autocarros também se viram. E cada vez há mais. O comboio do Tua é (era?) uma relíquia. Fascina-me que tenha sido concebido em mil oitocentos e troca o passo. Os jornalistas televisivos
procuraram uma causa e recuperaram meia dúzia de acidentes com comboios.
Durante seis anos reparti-me entre Lisboa e Madrid, quase sempre de comboio. Ainda havia fronteiras, como havia pesetas e escudos. No início a peseta custava cinco tostões, depois seis, depois sete... Quando dei por ela custava um escudo e vinte!
Uma tarde fui surpreendido com as notícias de um acidente. Em linha única dois comboios não podem circular em sentidos opostos. Mas circularam. E bateram. Foi terrível. E foi erro humano. Impossível de remediar porque nesse tempo, esse tempo é tempo recente, já foi nos anos oitenta!, nesse tempo, dizia, não havia comunicações entre e com os comboios.
O comboio do Tua não tem, hoje em dia, sentido como meio de transporte. Já nem é comboio é uma trotinetezita. Não tem passageiros. Pior não tem estações operacionais. Quer dizer as estações estão lá, mas foram desactivadas e recentemente. É o revisor que revisa a estação fechada, quando a automotora estaciona. A CP, ou o que dela resta, faz como o governo: o que não dá fecha. Já se vira o que deu com as ambulâncias. Agora deu com o comboio. O alerta laranja devia obrigar a alguma prudência. Com estações operacionais poderia vigiar-se um pouco melhor a linha. Sem elas, a interrupção do serviço devia ser óbvia. Mas sejamos realistas: um acidente não faz a primavera. O trajecto é um mimo turístico, sobretudo se for usado, como tem sido de vez em quando, por comboio vetusto, o de antigamente. Nos meses favoráveis ao veraneio, no interesse das agências de viagens, dos turistas e do turismo. E no meu, que gosto. O Verão passado levei lá a minha filha e depois o meu filho e o meu irmão a ver a Régua e do quarto da pousada o Douro serpeteante.
Este Natal ofereci à neta e à mãe bilhete especial de comboio para Madrid. A minha vizinha horrorizou-se: «Oh! É muito mais caro que o avião para Barcelona»!...