quinta-feira, setembro 29, 2005

SER OU NÃO ESTAR

É como estar e não ser. Convém sempre dar um toque pessoal para ficar melhor na fotografia. Eles já inventaram tudo e eu cada vez mais sei menos. Cada vez tenho mais dificuldade em entender os outros. Os «outros» sabem mais do que eu de bola; sabem mais do que eu de História. De política estão lixados porque eu não sei nada. Nem gosto, nem quero saber mais de quem sabe pouco. Não sei nem quero saber, o que me permite algum gozo. A idade ajuda a ignorância, dá-lhe cobertura.
Tudo quanto soube de economia já gastei. Quando era menino andava, às vezes, um pedaço a pé, até à paragem seguinte do eléctrico, para poupar três tostões; com eles podia comprar um pedaço de alfarrouba e meia dúzia de amendoins.
Conheci uma menina da minha idade, e nessa idade só eramos meninos, algures no Norte, onde fui de férias. Era longe porque andei uma noite inteira de comboio que tinha terceira classe, para quem quisesse poupar ou não tivesse massa para não poupar. A mãe da menina é que é personagem nesta crónica, não é a menina nem eu, que nem sabia o que fazer dela, além de brincar. A senhora trabalhava numa fábrica de camisas suecas de marca. A economia já funcionava. As senhoras que cosiam as camisas ou as cortavam antes de coser, alguém que tomava notas, as embalava, enfim: uma data de alguéns produzia para uma marca sueca. As camisas prontas saiam com destino à Suécia, que fazia delas o que melhor entendia.Em Portugal não se podiam vender, a não ser que fossem importadas e acho que não eram.
Naquela altura eu não compreendia e se fosse chinês se calhar também não. Mas era assim. Ainda não havia, à luz do Sol, partido comuna, que protestasse. Sempre era melhor que labutar no campo ou no comércio das mercearias. Terá sido assim que se inventou o Vale do Ave, que não era a mesma coisa, penso eu, que as fábricas de fazendas da Covilhã, onde se teciam tecidos de qualidade. Só muito depois, praticamente nos nossos dias, os automóveis vieram para cá ser montados. O princípio era o mesmo. E continua a funcionar com o mesmo impiedoso obectivo.
Não foram os chineses que inventaram isto. Não foram os chineses que desataram a fabricar ténis de marca. Foram empurrados através da exploração da mão de obra barata. As grandes marcas europeias e americanas foram andando, saindo aqui, indo para ali, até lá chegar.
Finalmente a Europa descobre que o que é barato sai caro...

A Criação

Estou a criar um deus.
Um deus simples
sem poder
um deus que me ame
me proteja
a mim
e aos outros
aos que eu amo.
Um deus.
A quem eu agradeça
o que me tem dado.
Um deus .
Que me ouça
e me fale.
Um deus sem mistérios
aberto e fraterno
de olhos limpos.
Estou a criar um deus.
Um deus.
Doce
Terno
Amante
Amoroso.
Um deus!
Eu vos direi
Eu vo-lo darei.

quarta-feira, setembro 28, 2005

MINISTRAR

Ouve-se e pasma-se. Por vezes resmungo uns palavrões entre dentes, que a neta é pequenita e não convém que oiça os desabafos do mais velho. Desta vez não havia criancinha próximo, que já é tempo de escola e desabafei à vontade e tanto que o cão fugiu espavorido!
Era um ministro que eu ouvia pela rádio. Era sobre o que um secretário de Estado, do seu gabinete, dissera a um jornal económico, a propósito de um novo aeroporto para pobretanas, nas redondezas de Lisboa. O que o ministro disse era que o assunto estava a ser estudado e sobre isso o que havia de momento era nada. O «pé de microfone» insistiu que o o secretário de Estado dissera que a escolha ia ser anunciada pelo governo até ao fim ano. O ministro não foi de modas: se ele disse isso, pergunte-lhe a ele!
Por mim acho que vou pôr a questão às avessas: os secretários de estado têm os ministros que merecem! Os aeroportos também. Também merecem os secretários de estado que lhes impingem. No fundo é como os distraídos: merecemos os comentadores da crista, como o que disse, no domingo que os juizes são membros de um orgão de soberania e que por isso não deviam ter sindicato nem fazer greve. Como os deputados e os membros do governo, sublinhou.
Só que, os deputados têm, olá se têm!, sindicato, o mesmo, de resto, que têm os membros do governo: o santo partido, um vero sindicato e dos mais pródigos a arranjar empregos. E os juizes
podem, se quiserem, resolver a questão mudando o nome do organismo que os defenda para Ordem terceira qualquer. Uma Ordem que permita meter na ordem as magistradas mais tolerantes.
Também ouvi um ministro tecer comentários ao sistema de cuidados de saúde dos funcionários da Justiça e à forma como é financiado, através das receitas judiciais e notariais pagas pelos utentes dos serviços, sem o saber, o que, a ser verdade, podia configurar um abuso de autoridade. Mas o que o governo pretende não é libertar o utente que recorre à Justiça desse
pagamento. O que o governo pretende é o taco a reverter para o Estado e o magistrado que vá para a bicha dos hospitais ou vá tratar-se a Cuba...
Vai faltando paciência. Ainda acabo por preferir ouvir o Peseiro, Ao menos este tem sempre razão...

terça-feira, setembro 27, 2005

Crónica Apressada Da Mulher Portuguesa "atípica""

Levanta-se às 07HOO;

sai de casa às 08H30;

tomou pequeno almoço, com requinte, à mesa;

espera pelas amigas na rua, com ar de dona do Mundo;

apanham o autocarro juntas;

dizem piadas umas para as outras;

jogam com os subentendidos;

sugerem que conhecem tudo e todos;

intimidam os restantes fregueses do autocarro;

ganham o gosto pela viagem matinal;

mudam de linha, uma, duas vezes;

combinam encontro de "gajas" para as compras nos shoppings da cidade;

têm madeixas semeadas de forma inteligente e falam mal das loiras;

anunciam os horários das depilações ;

tresandam a namorados;

publicitam asilos para velhinhos;

usam óculos escuros, tipo mosca;

roupa justa, espartilhadas;

mostram uma nesga do peito;

perturbam os utentes dos autocarros com aquele olhar: "vejam como sou boa!";

chegam ao emprego cansadas da viagem, do cheiro que as perseguiu;

sorriem para o patrão e para os colegas;

"vamos lá, que este é outro dia!"

Nunca mais chega o momento.

segunda-feira, setembro 26, 2005

O Duque de Viseu

D. Afonso Henriques chegava a Viseu e dizia ao Duque: "manda-me a tua mulher. Quero dormir com ela ". E o Duque mandava a mulher.

D. Diniz passava por Coimbra, deixava a Santa no Convento de Santa Clara, hoje " A Velha", e rumava os campos do Mondego onde lhe serviam uma moçoila entre sombras do choupal e fenos frescos.

D. João I passeava-se pelas ruas estreitas do Castelo de S. Jorge, enquanto D. Filipa ensinava os infantes.
Sempre assim. O Rei sempre mandou e quis mandar. Mesmo D. Sebastião, que não batia bem da bola, meteu na sua comitiva pessoal para Alcácer Quibir uns moços de boas famílias.

Depois que a República chegou e se acabou com a guerra dos cemitérios, os regedores começaram a pedir favores para os primos e para as primas casadoiras. "oh senhor ministro não se esqueça..."

E lá vamos nós andando.

Acabou o Estado Novo, chegou o governo dos militares e as vendedeiras de flores ( de cravos) não deixaram de aproveitar: "oh jeitoso, não se esqueça; olhe que ainda voto em si..."

E começou a dança das alternâncias. Sempre com esperanças vivas...esperanças mortas...promessas feitas e, logo a seguir, desfeitas.

Mas, o sistema continuou: agora, por exemplo, é o ministro do Trabalho e não sei mais de quê, tido como homem sério ( a verdade é que ri pouco) que, com medo não se sabe do quê, resolve reconduzir no cargo de Provedora da Casa Pia a drª. Catalina Pestana.

Toda a gente sabe que o ministro sabe que a senhora não consegue ter uma ideia para valorizar a Casa Pia e que só pensa na protecção das chamadas "testemunhas" do caso pedofilia e na concessão de privilégios inauditos aos seus adjuntos.

Toda a gente sabe que o ministro foi pressionado pelo presidente da República, Jorge Sampaio, a pedido de seu irmão, Daniel Sampaio, membro da chamada comissão científica para a Casa Pia e, por isso, particularmente interessado no esquema proposto de redução da intervenção pedagógica da Casa Pia, venda de patrimónios, etc., etc.

Digam lá se não continuamos no tempo de D. Afonso Henriques? Só não temos o Duque de Viseu.

domingo, setembro 25, 2005

Os Mensageiros

Hoje passou-me um pássaro à porta.

De plumagem exuberante, assobiava,

trauteava, ou, mesmo, cantava uma melodia encantatória.

Seria um pássaro encantado.

Os pássaros encantados valem outra vez.

E vamos entendê-los, sem nos enfeitiçar

Pelas plumagens extasiantes.

É preciso ouvir os pássaros.

Mesmo quando não são encantados.

sábado, setembro 24, 2005

O AUTOCARRO DO AMOR

Dantes para se vender melhor o copo de cerveja davam-se tremoços. Um pires deles. Em alguns balcões mais generosos juntava-se ao pires de tremoços outro de azeitonas. Nesse tempo nem era preciso fazer eleições para se ter um presidente de câmara à maneira. Poucos se preocupavam com isso. Tanto nos fazia que fosse fulano ou beltrano.
Hoje a cerveja está mais cara. Talvez seja pelas azeitonas, dada a carência de oliveiras ou a falta de quem trate delas. De vez em quando temos de escolher um presidente para a nossa câmara. Hoje tive notícia de mais um que já foi e vai ter que ir a tribunal. Eu não votei no presidente da minha câmara e ele mesmo assim já ganhou uma porção de vezes, o que me tranquiliza a consciência, se ele quiser algum a mais do que é legítimo e for incomodado pela Justiça ninguém me poderá responsabilizar.
Quando vou a Lisboa espanto-me. Tanta gente a querer o tacho. Tanta gente a prometer um caminho atapetado sob um manto cor de rosa. Um mais do que os outros. Ama a família. Para que não restem dúvidos adianto já que é o marido. Promete taxis à borla para idosos. É giro. Se os idosos andarem todos de táxi, sobra lugar nos autocarros para os trabalhadores. E assim os desempregados já podem andar a pé à vontade.
Devo reconhecer que a sociedade cada mais se preocupa connosco, os velhadas. Um taxi para ir jantar ao Lumiar, antes do jogo, dá jeito. Mas não é tudo. Um candidato mais realista devia ser capaz de garantir aos idosos uma prostituta por semana e alguma literatura a condizer. Um que
talvez fosse homem para isso já não é candidato, rebentou pelas costuras. Em Bragança podia ser sítio, mas não dá, as mães correram com as meninas. Amarante? Quem sabe... O homem de lá é homem capaz de tudo...
Vá, meus senhores, se querem votos prometam!Sempre é melhor prometer gozo do que gozar com a gente...

sexta-feira, setembro 23, 2005

MENSALINO

Saiu pela calada; regressa como furacão. Estilhaça a moral convencional e despe-se de preconceitos. Dito de outra forma, menos suave mas mais concisa: chegou, coçou-se e mandou-nos à merda. Não sei se uns certos magistrados foram. Eu, que remédio, enchi-me de papel higiénico e fui. Já estou habituado a pagar a crise. Vou largar mais nas farmácias; pago mais IVA. Para evitar perder peso, janto mais vezes em casa dos amigos. Nos quiosques noto que o primeiro ministro tem uma namorada. O meu vizinho também tem, mas não se vê no quiosque e é por isso que a mulher dele não sabe.O primeiro ministro não fala de autárquicas. O senhor Presidente da República, também não. Deviam falar. O mais alto magistrado bem podia mandar uns recados aos outros magistrados mais baixinhos...
Paira uma mancha enevoado sobre a brasileira Fátima, intocável. A autarca fugidia não podia ser extraditada. Com tempo para reflectir sobre o que se passa por lá deve ter-se sentido moralizada. E sabendo o que se passa por cá, nem cabe nela de serenidade. Um amigo dela revelou-me que ela veio mais cedo por medo que Vale e Azevedo avançasse sobre Felgueiras! A mesma razão invocou um dos candidatos a Oeiras!
E quando perguntaram a um eventual candidato a Belém porque motivo ele não se pronunciava sobre as autárquicas ele respondeu que só fala de assuntos sérios!
Um dia destes os agentes da ordem vão-se manifestar, sem precisar de levar com eles as esposas amantissimas. Acho que vão perguntar porque é que se anda a prender tanta gente para nada...

terça-feira, setembro 20, 2005

BATER NO CEGUINHO

Li algures qualquer coisa sobre um antigo ministro de Salazar que anunciou uma baixa de preço do pão, na véspera deste aumentar o custo. Se bem me recordo o ardil consistiu na criação de um novo tipo de pão, mais leve e com fase de farinha de menor qualidade, de preço inferior meio tostão ao do pão comum (até então) melhor e mais pesado. Ninguém sabia, provavelmente nem o ministro salazarengo, que acabava de ser inventado o genérico. O esquema foi utilizado em outros artigos de consumo, mas não por muito tempo. Ministro e artifício foram depressa postos de lado e, como o pão genérico, rapidamente esquecidos. Mas devia ser útil avivá-lo ao dr. Almeida Santos para ele ter mais cuidado no futuro com as comparações!
Peço desculpa pela insistência, mas foi o ilustre socialista quem despertou a bela adormecida. Não é que me atormente o remoque a Cavaco Silva, a propósito das presidenciais, só que me pareceu despropositado.
Ao anunciar, em tempo de eleições, uma baixa nos preços dos medicamentos, para adoçar a diminuição das comparticipações do Estado, o governo, este sim, abriu a gaveta de tristes recordações de políticas de um passado pouco recomendável. Mas, pior que isso, desperta a pior das curiosidades sobre o Orçamento, que só será mostrado depois das autárquica!
Juntando a isto as nomeações, obrigadas a mote, para cargos bem remunerados, está a gerar-se visível incómodo nas listas socialistas que se expõem ao humor do eleitorado...
É natural, também, que Mário Soares e seus mais próximos apoiantes sintam alguma preocupação, não tanto na estratégia quase silenciosa de Cavaco Silva, mas pelo excesso de ventania que que sopra de S. Bento e do Largo do Rato.
Como tudo seria diferente se Sócrates pudesse perdoar a Pinto da Costa sem ter de o fazer de a Valentim Loureiro!

segunda-feira, setembro 19, 2005

Piroseira

Hoje estive a ver o jogo de futebol entre o FCP e o SCB (Futebol Clube do Porto/ Sporting de Braga). Empataram; o jogo pareceu-me mais um encontro de "boxing". Em Portugal já não se joga futebol.
No "zaping" que se seguiu, porque a Sport TV também é uma desgraça nos comentários e nas entrevistas e tudo o resto, parei na RTP 1, que estava com um programa que se chama para aí "música No Ar, Anos 50". Mais um programa com aquele rapaz sem talento nenhum , sem graça nenhuma, sem carisma nenhum, chamado para aí qualquer coisa Gabriel e uma outra pirosa de que desconheço completamente o nome.
No meio de uma conversa idiota apareceu um tipo tentando imitar o Tony de Matos, tendo, em fundo, imagens deste. Desliguei o televisor e vim escrever umas coisas. Está cada vez mais difícil... a mediocridade assaltou-nos definitivamente. Só nos falta ter que ver o Bush todos os dias.

SALAZAREIROS...

...São eles todos ou ainda menos, como lhes diria Cezariny, se os ouvisse, aos políticos da terceira idade, agora muito na moda. O venerando dr. Almeida Santos apareceu ao lado do dr. Mário Soares e não foi de modas, citou Cavaco Silva para salientar que o economista e provável candidato a Belém não ligava muito aos partidos, tal como o prof. Salazar...
Com o passar dos anos, o dr. Almeida Santos foi-se esquecendo dos deveres de um democrata. O dr. Cunhal não gostava do dr. Soares e isso não fez dele prosélito do Estado Novo. O poeta Alegre já deve gostar menos do candidato socialista do que terá gostado em tempos idos, mas nem por isso deixa de ser uma referência da liberdade e ninguém crê que se vá mudar para o Campo 28 de Maio.
E levanta ainda uma questão, o homem que foi presidente da Assembleia da República: será razoável gostar dos partidos, especialmente daqueles dois que o dr. Fernando Rosas gosta menos? Haverá razões que expliquem alguma devoção pelos partidos, nos dias que correm?
Aceitando que os partidos são hoje a versão maquiavélica do que foram as tribus do passado ou algumas que subsistem no Terceiro Mundo, acaba por se aceitar tudo quanto de fraudulento e anti-democrático os partidos promovem ou exercem. E quando se diz os partidos, deve ler-se os militantes dos partidos. São eles que exorbitam, no que toca aos financiamentos; que assaltam quer os empregos, quer os «tachos».
É evidente que se podia ressalvar um ou outro dos partidos, não por questão de princípios, mas por incapacidade, por falta de estatura. O Bloco sublinhou, e não por acaso, que PS e PSD somam os dois terços indispensáveis para algumas reformas, no caso o novo organismo de regulação da Comunicação Social. Não estou a tomar partido de qualquer um dos partidos, apenas constato que são os partidos que desconfiam uns dos outros e eu, por mim, só desconfio de todos.
Pobre de mim, sem crença nos partidos com assento parlamentar e sem a União Nacional para me acolher, onde é que eu vou parar?

domingo, setembro 18, 2005

IDA E VOLTA

Lembro-me da estreia, em Lisboa, de «E Tudo o Vento Levou». Já foi depois de 40, de contrário não teria memória. Ouvi a minha mãe contar à filha da vizinha bocados do filme. Lembro-me da filha da vizinha porque tinha mamas grandes. Quando se sentava viam-se-lhe os joelhos todos. Uma vez sentei-me debaixo da mesa, a brincar, para espreitar. Não vi nada. A minha mãe é que me viu e deu-me duas bofetadas.
O filme ia no S.Luís, perto da minha casa, na Victor Cordon. Eu morava por cima do pintor Eduardo Malta, que era director do museu de Arte Moderna, que ficava paredes meias com o Ginásio Clube Português. O S.Luís era na António Maria Cardoso. «E Tudo o Vento Levou» ia lá, mas eu não. Eu costumava ir, aos sábados, às matinées do Chiado Terrasse (acho que era assim). O S. Luís era cinema de estreias e o Chiado T. de reprises. Era mais barato e passava dois filmes.
Quando era mais pequeno, os meus pais levavam-me ao cinema, à noite, porque o meu pai trabalhava e a minha mãe era dona de casa. Eu ficava ao colo e dormia. Quando já era mais crescido para ficar ao colo e ainda não pagava bilhete, sentava-me numa cadeira vaga, se a houvesse, ou sentava-me nos degraus do segundo balcão do Eden, que era o que eu gostava mais.
Quando saía do Eden passavamos pelo Chave d'Ouro, no Rossio. Comia um bolo e engorgitava um galão. Depois trepava-se o Chiado a pé, passava-se diante do Governo Civil, virava-se na Serpa Pinto e chegava-se a casa, subindo paulatinamente, a pé, seis andares. O pintor Malta morava no primeiro. No quarto (andar) morava um diplomata, que às vezes diplomatava no estrangeiro. Deixava em casa duas senhoras húngaras (ou de país próximo) que eram louras e bem bonitas.
Algumas vezes fui ao teatro, no parque Mayer, mas eu não gostava. Não percebia as piadas. Gostei mais quando o meu tio me levou ao Box ver o Beni Levi dar porrada num espanhol. O meu pai era empregado no comércio, numa loja em S.Paulo. Hoje é-me difícil imaginar o tipo de vida que fazia uma família, apenas com o salário do chefe. Já perceberam que, nessa altura a Europa estava em guerra e que as duas louras do quarto-andar deviam ser judias e eu nessa altura nem sabia o que isso era.
O meu professor da instrução primária era o pai de João Vieira, que nessa altura ainda não era
pintor. Trasmontano, ensinava a fazer contas, a soletrar as palavras. Nunca o ouvi dizer mal de Salazar e menos ainda de Carmona. De facto nunca o ouvi falar deles.
O meu professor, que era director da Escola, nas Gaivotas, cumpria o horário da manhã e trabalhava no Tavares Rico, com função de escriturário ou afim, que exercia no cúbiculo pequeno, na sobreloja. Não tinha automóvel. Nesse tempo ninguém tinha automóvel. Só os outros (mas eram poucos) é que tinham. O patrão do meu pai tinha dois carros e um filho emprestado. Uma manhã, todas as semanas, os «almeidas» lavavam o largo de S.Paulo. As ruas tinham chafariz por mór dos burros e dos cavalos, que vinham de longe abastecer o mercado da Ribeira, de madrugada e se passeavam de manhã pelas ruas, devia ser para chatear dos gajos dos eléctricos...
Na estação do Rossio podia-se subir de elevador até ao piso de comboios, mas tinha que se pagar dois tostões. Eu gostava muito. Uma tarde a minha mãe mandou-me comprar carvão apara fazer o jantar. Ninguém comia carvão. Era para acender o lume. O fogareiro a petróleo estava em crise. Não o fogareiro, já se vê, mas por falta de petróleo. Desci os seis andares e em vez de torcer para o Corpo Santo, marchei rumo ao Chiado e desci até ao Rossio. Subi no elevador e corri para o carvão. A minha mãe já vinha a descer a escada aflita. Disse-lhe que o homem só queria vender vinho e não me dava o carvão. Ela tinha-se agarrado a mim e disse-me que ia ralhar muito com ele. No saco do carvão ela encontrou o bilhete cortado do elevador e já não ralhou com o homem. Deu-me com o chinelo. Ainda hoje tenho dificuldade em comprar chinelos, seja a quem for da família...

quarta-feira, setembro 14, 2005

O País Das Contas

Chega Setembro e a desgraça multiplica-se, isto é, ninguém paga nada a a ninguém. Em Portugal, a maior parte do ano é assim: toda a gente diz que paga amanhã, mas, a partir de Setembro, a toda a gente juntam-se as grandes empresas, mesmo as cotadas na Bolsa de Valores e, que por isso, têm que pagar aos seus fornecedores num prazo máximo de 60 dias.
Como os respectivos administradores precisam de chegar ao fim do ano com números que lhes permitam justificar os chorudos auto-prémios sacrificam, para isso, os pagamentos devidos seja a quem for. Muitas vezes a pequenas empresas que não aguentam de Setembro até Dezembro sem receber o que lhes é devido. E, por outro lado, não podem recorrer a sistemas coercivos de cobranças porque têm medo de perder os clientes.
É assim o Portugal dos negócios e das contas. Uma vergonha!
PS - Numa outra hora, depois de ter lido este pequeno texto, reparei que não tinha falado da vergonha das vergonhas: do Estado, a tal pessoa de bem que não paga a horas, que é responsável pela falência de milhares de empresas todos os anos e que acoberta em jogos escuros o pagamento de benefícios indevidos.
A esse propósito, acho, por exemplo que deveria ser feita uma inspecção séria ao que se passa com os órgãos superiores da administração da Casa Pia em que a Provedora e respectivos adjuntos têm privilégios inomináveis.

segunda-feira, setembro 12, 2005

SONOLÊNCIA

Quero lá saber. Já dei. Se o Benfica perde é lá com eles. O que mais me chateia é pagar portagem para ver a bola, calmamente em casa e os fulanos Oliveiras pespegarem-me com toneladas de
publicidade. Quando a televisão por cabo se instalou o sucesso da oferta resultava no facto de venderem filmes e programas limpos de matéria corrosiva ou simplesmente abominável. Depois, ocuparam espaço e começaram a negociar exclusivos para exibir aos clientes e a vender as cadeias convencionais, onde nós podemos ver sem pagar, mas a gramar o ganha pão deles. E aos poucos o Cabo desatou a rir- se de nós e toma que lá vai disto. Queres bola, paga ao Oliveira e ele obriga-te a ver pub. Mas no cinema está prestes a ser o mesmo. Começa por um canal ter um intervalozinho, depois o intervalozinho vai alargando até virar intervalão do caraças.
È quase como o marcelinho: começa por fazer análise e mal se dá por ele, começa a vender a banha da cobra, que é a maneira de ele ganhar livros e eu perder a paciência.
Hoje tornei a ouvir a boa nova: os putos vão aprender inglês, as mãezinhas, vão poder ter computadores para os meninos chegar a génios de repente. Depois oiço melhor: só nas escolas onde se pode comer. Já são uma porrada delas a menos. Puto que more no mato não come na escola,quem não come na escola não aprende inglês e quem não aprende inglês a mamã não pode
pedir computador. É por estas e por outros que eu não vou para a escola e vou passar a ir ver televisão na tasca e se tenho de pagar, assim como assim, sempre bebo café e vou sabendo dos comportamentos das senhoras vizinhas. Alguns (os comportamentos), bem badalados, a merecer bem merecida publicidade. Antes de voltar a casa, passei num jardim novinho em folha, lá estava o Lopes sentado e, por uma vez, no sítio certo: Arco do Cego.Parabéns...

Tropa Para Que Te Quero?

Já o disse várias vezes: não compro jornais, não ouço noticiários nas Rádios e nas Televisões. Mas, de vez em quando, apanho aqui e ali umas conversas. Chegou-me uma sobre o nervosismo dos militares que querem manifestar-se não sei bem contra o quê. Acho que querem reformar-se ainda a tempo de poderem fazer uns biscates de segurança no Iraque ou na recepção de uma das grandes empresas nacionais, sei lá, qualquer coisa.

Eu fico-me a perguntar: para que precisamos nós da tropa? Dantes, ainda se percebia: no fundo, recebiam os mancebos e ensinavam-lhes algumas coisas, como uma certa disciplina, a ideia de pátria, a ideia de comunidade, a necessidade de coesão, essas coisas que já ninguém aprende em parte nenhuma, como o hino nacional (imperialista embora, mas nacional), os valores republicanos, o respeito devido aos mais velhos, aos pais e aos representantes do povo.

Mas, agora que já só vai para lá quem quer fazer daquilo profissão, para que queremos nós a tropa? Será que vão ficar mercenários a sério e conseguir, por exemplo, ir a Nova Yorque resolver os problemas que a polícia dos States cria aos nossos compatriotas com ar...assim meio suspeito, de que podem ser árabes?

Será que esses militares, voluntários, mercenários, nos podem resolver o problema do corte de rede nas proximidades da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa, onde as chamadas caem todas?

Que mais problemas podem esses militares resolver? Talvez acabar com tantos generais e coroneis e majores e capitães, eu sei lá...

Eu cá não percebo mesmo nada de tropa e continuo a pensar que os quatro anos da minha vida que passei entre vago-mestres espertos e comandantes de regimento-mestres-de-obra me deviam ser indemnizados. O Estado devia pagar-me um a indemnização que me permitisse esquecer totalmente aqueles tempos. Oh tropa! Por amor de Deus... e se se calassem?!

quarta-feira, setembro 07, 2005

"O Português"

Tem Opel Corsa.

Tem. É do Benfica

Conduz com o braço de fora e cospe para a estrada. Atira latas de cerveja pela janela.

Bebe"mienis" com o palito ao canto da boca, enquanto vê o futebol pela TV.

Com o transistor no ouvido para saber o resultado do Sporting.

Chega a casa a pedir "bicabornato".

Assiste às telenovelas da tarde pelo canto do olho.

Joga a sueca no jardim a contar pelos dedos.

Dá murros na mesa quando destrunfa.

Atira as beatas do ventil pela janela.

Não sabe nem quer aprender a pôr a mesa.

Chama maricas ao vizinho porque vai às compras.

Suspira pela reforma porque está farto de trabalhar.

Quando é reformado conta feitos extraordinários.

Fala das gajas todas da vizinhança e de outras que não conhece.

Vai ver todas as obras das redondezas e fala mal dos engenheiros.

Na política ele é o melhor.

Só o Salazar e o Álvaro foram maiores.

De pretos e de gajos do Leste nem quer ouvir falar.

"Os espanhóis ainda vão tomar conta desta merda".

Aí está o português com que nos cruzamos na baixa, no metro, no autocarro, a cheirar a sovaco, porque "o banho está pelas horas da morte".

Aí está o Homem (Ecce Homo), verdadeiro sustentáculo da sociedade, capaz de correr atrás do autocarro da selecção nacional ou/e de vitoriar um matador de touros sem nome e sem rosto em Barrancos.

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segunda-feira, setembro 05, 2005

TIRO E QUEDA

Chegou sorriu e disse, depois de uma data de livros, que era como fazia antes, antes na TVI, claro, sobre a tragédia de New Orleans, pausa e solicitou falar dos incêndios de Paris, três em curto espaço. Meteu água. Foi logo escolher o único dos três que não envolvia imigrantes, nem o edifício estava em ruinas. Mas ao mesmo tempo o mais provável de ter sido consequência de acção criminosa.
Eu sei que pegar fogo a um prédio, ou a uma floresta, não é o mesmo que romper um formato de programa televisivo. Na RTP o prof fica encolhido, por muito que sorria aquilo não sai. Não é expontâneo resulta monótono. A própria jornalista sai muito mal tratada. Não sei quem é o responsável pelas #escolhas# e se alguém souber gostava que me dissesse que era para eu não ver mais nada que a creatura por ventura faça. Marcelo, entra a publicitar os livros que lhe oferecem, para ele, ou para a biblioteca da aldeia dele. Tanto me faz. Ele fazia da TVI e não devia fazer na RTP, a não ser que pague comissão (ou que receba), depois a prenda à menina, como fazia, dantes, ao menino. Falta qualquer coisa. Ou Marcelo trás o menino para a RTP e a menina vai para outra freguesia ou aquilo sabe a fénico. A ideia que ficou do comentário, no bocado que vi (desisti cedo), foi de que criticou Sócrates, disse pior de Marques Mendes, a fingir que estava a ser simpático, e poupou Jerónimo de Sousa a grandes amarguras.Fez-me lembra o meu padrinho: está velho...

O FEIO,O MAU E O VILÃO

Nas tragédias geralmente abundam as vítimas, os maus e os que se lixam. Deixando as tragédias de fora, tivemos três personagens em férias. Um foi mal tratado, como se tivesse sido ele a tossir que salpicou os demais; outro por excesso de telefonemas e preguicite aguda. O pior de todos por estar a almoçar na praia em tronco nu. A parte chata é um gajo, sem escrúpulos, dar-lhe para perguntar: mas por que raio de coisa esses tipos são manda-chuvas. Antigamente um celerado que quisesse ser manda-chuva pegava em armas e cortava a cabeça a uma raínha, se fosse preciso. Uma coisa que dava direito a ser um manda-chuva do caraças era mandar matar polícias ou comerciantes que não tivesse as cotas em dia.
Estes, que citei ao alto da página, são manda-chuvas obrigados a mote, quer dizer votados. ou melhor são fruto maduro da democracia. Porra! Foram eleitos. Um, uma vez, outro, duas vezes e o terceiro, tantas, que nem me lembra quantas. Da Madeira não chegou notícia de incêndios. No Continente ardeu que não foi pouca coisa. Morreu gente e suspeitou-se de muito fogo posto. Algumas pessoas foram detidas, arracadadas e com processos a correr, outras foram mandados para casa, com restrições. A sul das EUA praticamente ninguém pode ser mandado para casa. Morreu-se de várias causas: por afogamente, por fome, de sede ou a tiro. No satélite devem ter assistido. Os metereologistas previram o furacão.
Foi como um célebre baile em Cascais, que acabou mal. Quando se instalou a convicção que a autoridade não fazia nada, um alto, foi dizendo: "...nada disso! Nós sabemos que houve um baile
imoral, sabemos onde foi, sabemos quem lá esteve sabemos que houve um homicídio! Só não sabemos quem no cometeu"... Lido em voz alta percebe-se melhor.
Mas esta de emprestar petróleo escapa-me! Que Diabo! Está-nos a custar os olhos da cara. Se tinhamos alguma coisa para emprestar era desempregados compulsivos e a generosidade era óbvia: só precisavam de pagar no fim do mês...

domingo, setembro 04, 2005

As Catástrofes

Quando acontece alguma coisa de anormal na América, assistimos a uma catrástrofe. Caíram pontes em New Orleans, houve pessoas desaparecidas na torrente de águas descomandadas, o presidente disse "fujam", mas não disse para onde e todo o Mundo chora.
As dezenas de milhares de pessoas que entretanto morrem todos os anos por causa dos interesses americanos, são apenas "danos colaterais". Deus, o deus de Bush há-de repôr a normalidade, tanto nos locais vítimas de danos colaterais como em New Orleans.
Por mim, espero que o deus de Bush o inclua no número dos desaparecidos numa cheia qualquer.
Por causa dele e do deus dele é que estamos metidos nesta tragédia. Não haverá um bispo nos Estados Unidos a desejar o mesmo que desejou para o presidente Chavez. Era mais fácil, não havia viagens complicadas, nem falsificação de passaportes, nem nada. Pum! e pronto.