sexta-feira, agosto 24, 2007

ANDAR À TOA

Nem me lembro quem escreveu a frase que mais me vai marcando à medida que envelheço:«Quanto mais se avança no futuro é o passado que encontramos!».
Mas é o presente que mais me baralha e me remete para o que foi e se acabou.
Em Santa Apolónia havia um balcão de Informações. Havia, já não há.Perguntei ao da bilheteira onde perguntar.
- Lá dentro -, disse-me ele. - Junto ao gabinete do chefe da estação.
Num hall pequeno, duas mesas tipo secretária, cada qual com sua ocupadora. Pedi informação sobre comboios para e de Santarém.
-Ora aqui tem - disse-me ela, estendendo-me um pequeno horário desdobrável. Folheei e surpreendi-me.
- Aqui só mencionam comboios para Tomar e Entroncamento - disse-lhe. - Os «Alpha»
ou os «inter cidades» também lá param... Ou já não?
- Param, claro -- respondeu, com um sorriso. - Mas esses são com a minha colega, daquela mesa...
Uns dias depois, no feriado, tentei telefonar.Só se descortinam números esquema, «se for para isto carregue no...se for para aquilo, carregue no... Se não for para «isto» ou «aquilo» ficas a falar sózinho. Fui-me á lista anterior e lá vinha o número da Estação tal e qual. Mas qual quê...Logo que se estabelecia a ligação apareciao sinal de ligado ao fax. Transcorridos 21 quilómetros até à Estação, perguntei o porquê. Não há porquê. É assim.
Quando um dia destes quis ligar à cia seguradora (agora sou eu que falo assim)esbarrei com...«a sua chamada está em fila de espera. Deverá aguardar cerca de l8 minutos». Passados uns intantes a voz monótona avisou: «Tem 17 pessoas à frente e deverá aguardar 17 minutos». Foi repetindo, repetindo, até faltarem 8 pessoas e dois minutos. Cinco minutos depois ainda faltavam 6 pessoas e os mesmos dois minutos. Desisti. Telefonei para um amigo de um sobrinho do cunhado de um chefe de serviço. Passado meia hora o meu amigo ligou-me para me tranquilizar:o seguro já tinha sido pago.
Uma noite destas foi o telejornal a falar da balbúrdia nos serviços de estrangeiros, com os telefones na merda.
Lembro-me do primeiro telefone caseiro. Morava num sexto andar da Victor Cordon.Custava trinta paus por mês,o aluguer, e as chamadas cinco tostões. Era preciso pedir ao pai ou à mãe para telefonar. Como era adolescente, um dia telefonei para uma pequena, que morava perto da Covilhã. Na factura apareceu uma chamada de quinze mil reis e isso custou-me um arraial de porrada paterna. Eram bons tempo.O prédio tinha uma modernice: campaínhas na porta da rua. Mas uma vez esqueci-me da chave da dita porta. Passava um pouco da uma da manhã e a minha autorização para voos nocturnos terminava às dez!Uma vez fui apanhado às 0nze e cinco, e isso valeu-me duas semanas sem saídas pós jantar.
Bom, bate palmas, rapaz, bate palmas. O guarda nocturno lá apareceu, quando eu desesperava. Quem, hoje, se lembrará destes personagens típicos?
Estava a matutar nisto e desandei para as nuvens. E foi por me lembrar de chinelos de trança e de como eles deviam hoje constituir um sucesso, se alguém os soubesse fazer, que me lembrei das varinas, desta cidade, que me viu nascer. Vejo-me na «24 de Julho», quando ainda tinha bancos,alta madrugada, a descer com o Gonçalo Duarte,os dois, claro, com um grãozito na asa, quando começamos a ouvir a discussão de varinas da Madragoa, a caminho da Ribeira, e sentamo-nos num banco a apreciar. De súbito, no meio do sururu, uma das varinas gritou:«Fressureira, eu?Eu fressureira». E caiu num desatino. Imobiliza-se. Com a mão esquerda levantou as saias e com a direita dava palmadas no fundo da barriga, entre as pernas e gritava:«Olha pr'aqui, minha cabra, olha pr'aqui, pró calo dos colhões do meu marido!».
Eu e o Gonçalo ficámos desvairados e só mais tarde, na tasca da Ribeiro, conseguimos rir. Depois do copo senti-me deprimido
- Qu'é que tens,pá? - perguntava-me. - Tás com sono?
- Não! Não tenho sono. Mas... pois...é que...nenhuma das minhas namoradas tem calos
ali...

sexta-feira, agosto 03, 2007

SIM...MAS...

Como o comum das criaturas do meu tempo, fui para a escola aos sete anos. Já vos devo ter contado que tive um prof. trasmontano e tinha um presidente do Conselho de Santa Comba.
Um colega de carteira haveria de malhar com os ossos na Índia. Da confusão só teve o prelúdio. A parte dura seria depois, já ele regressara ao Século, onde trabalhou nas oficinas. Ainda a tempo da guerra que por lá estalou, quando o governo de então tinha metido «o socialismo na gaveta», para entre outras coisas fechar o jornal dos sapateiros e publicações afins, numa das cujas directava Natália Correia. O então ministro Alegre, também poeta, diria nas vésperas que o «Século» não podia fechar.
Já me perdi. Estava na escola para aprender a ler, mas comecei a falar disso por mor dos electricos. É que, de vez em quando, com uma «croa» (cinco tostões) lá ia até ao Conde Barão.
Havia, claro, outros mais desembaraçados que se penduravam no estribo e os cinco tostões davam para duas doses de tremoços. Aquilo dos eléctricos era negócio inglês. Não sei se era estúpido, mas tinha muita, muita gentinha a trabalhar. Começava cedo a circular e terminava pela madrugada. Havia, bem entendido, problemas de trânsito. Não que o tráfego fosse intenso. Durante a guerra na Europa os automóveis eram escassos e autocarros não os havia na Carris. A chatice advinha dos burros, cavalos ou éguas que puxavam carroças e que, por vezes, caiam sobre a linha, causando efervescência mais ou menos divertida e que também servia para justificar alguns atrasos.
E também havia comboios, que consumiam carvão. Nos comboios e nas estações deles também trabalhava muita gente, muita. Na minha terra, nesse tempo, podia-se ir até ao Porto ou a Sintra. E também a Cascais, mas nesta linha o comboio não ia a carvão e, nele, eu ia para a praia.
Na estação do Cais do Sodré havia muitas bilheteiras e para passar do hall de entrada para a gare, pelas diversas portas em cada qual estava um vigilante a vigiar as entradas.
Havia, é certo, outros circuitos à roda de Lisboa, que não conheci em pormenor.
Tal como os eléctricos, em Lisboa ou no Porto, os comboios desempenhavam um serviço público e eram economicamente rentáveis. Depois da guerra, quando a indústria automóvel irrompeu
em força, obrigando os governos a desviar verbas para construir estradas, auto-estradas e
outros caminhos asfaltados, foi sendo travado o desenvolvimento dos eléctricos citadinos bem como dos comboios urbanos ou interurbanos. Não se procurou conciliar, mas substituir. Foi assim até o caos se instalar.
As mudanças não ocorreram apenas nos meios e sistemas de locomoção, mas na economia de subsistência que se foi gerando e que levou ao esvaziamento dos empresas transportadoras e não só...
Além dos eléctricos, os ingleses exploraram por cá os telefones; mas os CTT também dispunham de redes. Quer os ingleses, quer os de cá, empregavam toneladas de criaturas. Deviam ser burros. Os novos directores-gerais, engenheiros, doutores e correlativos, acharam por bem reduzir os quadros ao mínimo possível. Nos transportes, por exemplo, só há alguns bilheteiros e muitas máquinas a fazer de. Nos comboios ainda subsiste o chefe da estação a agitar a bandeira e a apitar para a saída do Alpha ou do regional, mas no «metro» ou nos autocarros é só maquineta a controlar. Evidentemente que há muita balda e «eles» sabem. Sabem e contabilizam, agravando os preços. De facto esforçam-se por assegurar os sistemas de modo a travar os borlistas, mas estes também se esforçam, mas como a manutenção dos sistemas é onerosa e, claro, quem se lixa é o mexilhão. A opção pelos sistemas maquiavélicos não limita os custos empresariais, mas evita, isso sim, os diferendos laborais.
E vou voltar ao meu eléctrico de menino e moço. Custava cinco tostões quando ia para a primeira classe aos sete anos. Custou cinco tostões aos vinte anos, quando fui às sortes...

quinta-feira, agosto 02, 2007

IR E VIR

Já confessei que a ler jornais não vou lá, não entendo este mundo que me rodeia. Volta que não volta espanto-me, como me aconteceu em Paris, face à aterradora má vontade da comunicação social para com Sarkosy, desde que tomou posse da presidência. E como já vos contei não levou muito a perceber que não era o personagem em si, recentemente eleito, que estava em causa, mas a carência de temas apelativos que conduzam à compra, ou à venda, se preferirem, de jornais.
Como acontece noutros países, a oposição francesa está em crise aguda. Praticamente não existe. Melhor dizendo: existe mas fracturada, desiludida e descomandada! Façam o favor de notar que estou a referir-me especificamente a França. Nem me ocorrem outras crises do género pelas proximidades!
Não tardou que outra, noutro Continente, nos pusesse no mesmo rumo: a premência de vender papel. Nada melhor do que trazer à ribalta política o decote de Hilary Clinton. Mas desta vez reclamo: gaita, na foto dos jornais cá do burgo nem um bocadinho do decote se vislumbra. Mas que raio de história! Para que Diabo as mulheres têm mamas se não é para encher decote? Oh!Oh! como era diferente nos tempos de Kennedy! Esse até a Marylin consumia sem que jornais e jornalistas dessem um pio!
De facto, parece que falta jeito a muita gente para vender jornais.
Vale que por cá tudo bem. Os jornais vendem pouco e os gratuitos vão sobrando. Um dos matutinos pôs no lixo o soduku e as cruazadas; o vizinho alargou o espaço. Na estação onde apanhei o comboio vendem só o matutino que não e como não sabia, lá tive que ler o jornal e ficar a saber que «o cabo só deve cumprir 12 anos e meio»! É,claro, uma conclusão filha da mãe, mas os jornais, agora, são assim, cheios de criatividade. Como o juiz não fez o favor de arranjar uma condenação minúscula, que permitisse uma parangona a toda a largura, houve que improvisar...
Mas a Justiça não está livre, de facto, de ser posta em causa. Nem tanto pelos juizes e por algumas sentenças, mas por tudo à volta. Não se pode revelar o nome do menor que matou o irmão mais novo, mas como não é proíbido, por certo, divulgar o nome da vítima.
Permite-se, por exemplo, às televisões, entrevistar criminosos confessos ou acusados, como aconteceu com um religioso que assassinou um jovem na Madeira e já condenado, numa saída precária participou num programa de TV vergonhoso, que incluia uma maquineta detectora de falsidades. Narcisicamente, o criminoso saiu «inocentado». Na precária seguinte,o recluso sumiu-se com a mãe para o Brasil, via Espanha.
Este mais recente, também foi à TV dias antes do julgamento e acusou o vizinho, como quem vende banha da cobra.
Matar uma jovem e deitá-la ao poço é uma coisa, matar, atropelando uma jovem que atravessava a rua, na passagem para peões, é capaz de ser outra, mesmo que o tribunal tenha entendido condenar o automobilista em dois anos de prisão. Mas com pena suspensa!
Até para matar pessoas é preciso sorte e jeito.
Se um tipo acreditar nas paragonas dos jornais pode fazer projectos, pesando prós e contras.
Matar a vizinha do rés-do-chão, que é uma chata, custará quanto? Dez anos? Doze? Se for com carro talvez seja mais barato que matar à machadada. Se alegar que foi ela que pediu, haverá desconto? Poderá negociar-se a dispensa de recurso em troca de duas «precárias» por semana?
Parece uma espécie de roda da sorte, em que tudo é possível e nada está determinado. Um juiz diz vinte cinco, e o repórter contrapõe. 12 e meio!
Se já não há ética, que se ponha ordem...