sexta-feira, agosto 03, 2007

SIM...MAS...

Como o comum das criaturas do meu tempo, fui para a escola aos sete anos. Já vos devo ter contado que tive um prof. trasmontano e tinha um presidente do Conselho de Santa Comba.
Um colega de carteira haveria de malhar com os ossos na Índia. Da confusão só teve o prelúdio. A parte dura seria depois, já ele regressara ao Século, onde trabalhou nas oficinas. Ainda a tempo da guerra que por lá estalou, quando o governo de então tinha metido «o socialismo na gaveta», para entre outras coisas fechar o jornal dos sapateiros e publicações afins, numa das cujas directava Natália Correia. O então ministro Alegre, também poeta, diria nas vésperas que o «Século» não podia fechar.
Já me perdi. Estava na escola para aprender a ler, mas comecei a falar disso por mor dos electricos. É que, de vez em quando, com uma «croa» (cinco tostões) lá ia até ao Conde Barão.
Havia, claro, outros mais desembaraçados que se penduravam no estribo e os cinco tostões davam para duas doses de tremoços. Aquilo dos eléctricos era negócio inglês. Não sei se era estúpido, mas tinha muita, muita gentinha a trabalhar. Começava cedo a circular e terminava pela madrugada. Havia, bem entendido, problemas de trânsito. Não que o tráfego fosse intenso. Durante a guerra na Europa os automóveis eram escassos e autocarros não os havia na Carris. A chatice advinha dos burros, cavalos ou éguas que puxavam carroças e que, por vezes, caiam sobre a linha, causando efervescência mais ou menos divertida e que também servia para justificar alguns atrasos.
E também havia comboios, que consumiam carvão. Nos comboios e nas estações deles também trabalhava muita gente, muita. Na minha terra, nesse tempo, podia-se ir até ao Porto ou a Sintra. E também a Cascais, mas nesta linha o comboio não ia a carvão e, nele, eu ia para a praia.
Na estação do Cais do Sodré havia muitas bilheteiras e para passar do hall de entrada para a gare, pelas diversas portas em cada qual estava um vigilante a vigiar as entradas.
Havia, é certo, outros circuitos à roda de Lisboa, que não conheci em pormenor.
Tal como os eléctricos, em Lisboa ou no Porto, os comboios desempenhavam um serviço público e eram economicamente rentáveis. Depois da guerra, quando a indústria automóvel irrompeu
em força, obrigando os governos a desviar verbas para construir estradas, auto-estradas e
outros caminhos asfaltados, foi sendo travado o desenvolvimento dos eléctricos citadinos bem como dos comboios urbanos ou interurbanos. Não se procurou conciliar, mas substituir. Foi assim até o caos se instalar.
As mudanças não ocorreram apenas nos meios e sistemas de locomoção, mas na economia de subsistência que se foi gerando e que levou ao esvaziamento dos empresas transportadoras e não só...
Além dos eléctricos, os ingleses exploraram por cá os telefones; mas os CTT também dispunham de redes. Quer os ingleses, quer os de cá, empregavam toneladas de criaturas. Deviam ser burros. Os novos directores-gerais, engenheiros, doutores e correlativos, acharam por bem reduzir os quadros ao mínimo possível. Nos transportes, por exemplo, só há alguns bilheteiros e muitas máquinas a fazer de. Nos comboios ainda subsiste o chefe da estação a agitar a bandeira e a apitar para a saída do Alpha ou do regional, mas no «metro» ou nos autocarros é só maquineta a controlar. Evidentemente que há muita balda e «eles» sabem. Sabem e contabilizam, agravando os preços. De facto esforçam-se por assegurar os sistemas de modo a travar os borlistas, mas estes também se esforçam, mas como a manutenção dos sistemas é onerosa e, claro, quem se lixa é o mexilhão. A opção pelos sistemas maquiavélicos não limita os custos empresariais, mas evita, isso sim, os diferendos laborais.
E vou voltar ao meu eléctrico de menino e moço. Custava cinco tostões quando ia para a primeira classe aos sete anos. Custou cinco tostões aos vinte anos, quando fui às sortes...

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