quinta-feira, novembro 23, 2006

Uma Organização de Mal-Feitores

Ao longo dos anos, com o andar dos tempos, com o aumento do número de homens e mulheres a dedicarem-se à política, tudo se foi complicando. O Estado foi demitindo-se de algumas funções, aquelas cujas actividades estavam ligadas ao lucro fácil e , à vez, os amigos dos políticos que se vão substituindo na gestão dos negócios do estado, vão ficando ricos (alguns dos políticos também aparecem, de repente, com estatutos impressionantes).

O Estado está, praticamente, despido das suas funções mais importantes, mas continua a cobrar impostos "à bruta", exigindo o respectivo pagamento em dias certos, depois do que cobra juros e coimas.

Estaria tudo muito bem se o estado pagasse os seus compromissos, assumidos depois de complicados concuros públicos, garantias bancárias, etc. O Estado não paga desde Agosto a pequenas e médias empresas, cujas actividades dependem quase exclusivamente de fornecimentos vários ao Estado. Algumas delas terão seguramente que fechar, mesmo aquelas que, entretanto, animadas pela ideia de que alguma coisa ia mudar, criaram postos de trabalho para a Juventude à procura de primeiros empregos e agora verificam que o melhor era terem ficado em casa.

Este Estado não serve para nada. É uma organização de mal- feitores, que só serve para desassossegar os cidadãos.

terça-feira, novembro 14, 2006

IR À BOLA

Fernando Caiado morreu. Li no «Público» e comoveu-me. Também me irritou. Disseram dele que era um «médio com características defensivas». Não era, não senhor, não era! Lembro-me bem dele no Boavista. Internacional português, era avançado num lugar que já não se usa no futebol actual: Meia-ponta, interior esquerdo. Nos tempos idos, quando o futebol era coisa de domingos, à tarde e havia uma semana inteira para digerir. Um off side era coisa séria. Não havia maneira de controlar. O fora de jogo era quase sempre um roubo para um dos lados, até porque o árbitro nunca via os fora de jogo dos outros, como com as grandes penalidades. Agora é pior porque a televisão mostra e o pior cego é o que não quer ver e em geral o estádio está cheio de ceguetas.
Comecei a ir à bola muito miudo. Retive na memória a primeira vez (que fui à bola, a outra foi alguns anos depois...) nas Amoreiras. Nem vi o jogo. No peão só dava para ver as costas dos da frente. Mas depois, na estância de madeiras aprendi a ver sentado ou de pé nas bancadas. Aprendi também com os jornais e até aprendi com eles que eles informavam mal. Por exemplo os jornais (e a rádio, com Alfredo Quádrios Raposo, na Emissora, ou o Domingos Lança Moreira, no Rádio Clube) escreviam (ou diziam) a constituição das equipas mais ou menos assim: Capela, Vasco e Feliciano; Amaro, Gomes e Serafim... Azevedo, Cardoso e Manuel Marques; Canário Barrosa e Veríssimo... Martins, Gaspar Pinto e César Ferreira. Jacinto, Moreira e Francisco Ferreira... No Porto, era: Barrigana,Alfredo e Guilhar (os outros já lá vai!)...
No campo já não era assim, o que se via era o Feliciano a central, como o Manuel Marques, no leões, Gaspar Pinto, no Benfica, e Guilhar, no Porto. Pelos fins dos anos trinta, do Século que já lá vai, começaram a aparecer refugiados hungaros ou checos que puxaram o esquema de jogo para o WM, deixando cair o até então «clássico», mas só se deu por isso, quando se tornou obrigatório numerar as camisolas, ainda que limitados a onze números, porque nesses bons velhos tempos só jogavam onze de cada lado.
Cândido de Oliveira, Ornelas, Tavares da Silva e poucos mais iam dando dicas. Começou-se pelo quadrado mágico, os dois médios e os dois interiores, a comandar a estratégia, Depois, já pelos meados dos anos 50 foi avançando um dos interiores e recuando um dos médios. Começava um tal quatro dois quatro, que no Brasil se definia com Diagonal. De uma vez, um artista seleccionador levou para Espanha uma selecção pomposamente de quatro em linha. O recuado foi, imagine-se o jovem Caiado, empurrando-se Travassos para a extrema esquerda. Correu mal. A Espanha ganhou por cinco-um. Na segunda parte, Travassos passou para o seu lugar de interior e Caiado relegado para extremo, ficando «reduzido à ínfima espécie», escreveu Tavares da Silva no Diário de Lisboa e os «Ridículos» também glosaram com «quatro em linha e um à boa vida».
Para Caiado sair do Boavista não foi fácil. Foi necessária uma assembleia geral e premente que Baptista ameaçasse sair do futebol se teimassem em cortar as pernas ao jogador. E lá foi para Lisboa e para o Benfica. Mas não foi fácil.
No Benfica subsistia uma velha questão: Rogério. Muito jovem revelou-se prodigioso a jogar na ala esquerda do ataque. Jovem, muito rápido e com uma técnica muitos furos acima da média tomou o lugar de Valadas até que, de supresa, foi para o Brasil, onde era mais um dentro da média e onde aprendeu que o seu lugar não era ma extrema, mas na zona criativa. Era a camisola 10 que lhe assentava bem.
Regressou a Lisboa e ao Benfica, que tinha nessa altura um treinador inglês: Ted Smith. Mas tinha também dirigentes mandões entre os quais o presidente, um cambista da Baixa lisboeta. Eles achavam que Rogério era extremo esquerdo. E passavam o tempo a comprar interiores esquerdos, cada um deles pior que o outro. Fernando Caiado viria a ser mais um, não obstante
Smith ter acreditado ter o seu criativo na meia esquerda. Foi com o «dez» na camisola que Rogério foi campeão latino. Com a ansia de arranjar um dez que pusesse Rogério na extrema, o Benfica lá foi buscar Fernando Caiado. E não ficou por aí, ainda foi buscar o Vieirinha ao Estoril Praia
Quando a direcção do clube entendeu prescindir de Felix, um central de grande classe, punindo-o com um ano de suspensão e suspendendo igualmente Rogério, mas permitindo a este organizar a feste de despedida, a meias com Feliciano, do Belenenses, o Benfica teve a chance de comprar Costa Pereira e Coluna, que chegaram para Otto Glória. Este não demorou muito a colocar Caiado no meio campo, a alimentar o ataque. Não tinha colega certo à sua esquerda. De uma das vezes foi Angelo, defesa esquerdo a alimentar o quarteto da frente! Mas por fim o cargo foi entregue a Coluna, que foi evoluindo bem depressa. Caiado instalou-se definitivamente a alimentar o ataque. E podia dar-se ao luxo de exibir alguma veterania, o moçambicano da esquerda tinha estofo por dois!
Mesmo depois de deixar de jogar, Fernando Caiado ainda foi esteio do Benfica. Merecia bem ser melhor recordado pelos jornalistas, pelo Benfica e até pelo Boavista...

domingo, novembro 05, 2006

PRETÉRITOS

Eram por exemplo os verbos no passado. No presente, os tempos mais adequados são necessariamente os do conjuntivo com o indispensável «se» na conjugação. Se não chover talvez o comboio chegue a algures. A conjuntivite é cada vez mais impiedosa, cada vez há mais ses e menos complemento directo. O Século, o Mosquito ou a Vida Mundial perderam-se no condicional. Recordo-me de debitar de pé o pretérito imperfeito; impingiram-me o impossível pretérito mais que perfeito. Naquele tempo só poderia ser o 28 de Maio. O Abril incompatível
conjugou-se depois porque a ordem dos factores é arbitrária.
No mais possível presente do indicativo condenaram Saddam Hussein à morte. Na forma pretérita, presumivelmente imperfeita, amarraram Jeanne D'Arc a um poste, pegaram-lhe fogo a extinguiram-lhe a vida. Além de matarem a senhora, os ingleses fizeram a América e encheram-na de americanos conjuntivos, que haveriam de estragar o chá que havia na Pérsia, que ficou intragável.
Ah!, já sei, já me lembro, era por mór do apagão que me sentei a escrevinhar, tende em mente que ao princípio era o verbo. Li do apagão, em Lisboa e Paris, aqui mesmo, no computa, mas não nos jornais. Foi entre as nove e as dez da noite. Para os jornais lisboetas, mas não só, o «ontem» acaba à roda das oito menos um quarto, ou coisa assim. Acontecimento às nove já não dá. E é isto que vai matando os jornais. Nos abomináveis velhos tempos, a «Censura» fechava às três da madrugada. Depois as notícias eram da responsabilidade do director do pasquim, que nessa altura já estaria a dormir. A tipografia pertencia ao jornal (ou vice-versa) e a distribuidora também. E havia recurso a segundas ou terceiras tiragens, geralmente por causa da Volta a Portugal em pasteleira ou do foot dominical. Tá bem, tá bem... não havia TV e a Rádio dava poucas notícias e raros directos. Pois, pois, é isso. Mas não abusem...

sexta-feira, novembro 03, 2006

OS OUTROS

Eu sei, é o título de filme, bem divertido, por sinal e nem vem a propósito. Só fui de viagem e não foi ao além, nem por lá vasculhei. Foi só até Paris e com alguns devaneios pelo caminho. Ah! querem algumas impressões? Claro, pois e rebuscadas, de preferência. Então lá vai: Paris é enorme; o Louvre, também. Tem muita gente, muita. E alguns são brancos. É uma chatice. Só dá para andar de «metro». As avenidas são quase todas como a do túnel do Santana: alargadas, esburacadas e sem fim (à vista!). O trânsito fica um pandemónio, mas... Vocês sabem, é com obras, muitas obras, que se ganha para os alfinetes! E, caramba!, aquela gente e aqueles partidos precisam de afiar alfinetes como de pão para a boca. Quando lá estive, o ano passado, tinha havido zaragata num bairro periférico e dois adolescentes, que fugiam à polícia,
enfiaram-se onde não deviam e morreram electrocutados. Este ano foram recordados como vítimas inocentes de um sistema canibalesco, que obriga os inocentes a gamar e a agredir quem não se quer deixar gamar. Também se recordou, mas ao de leve, uma senhora do mesmo bairro que foi assassinada, na mesma altura, por outro bando de amigos do alheio.
Muito parecidos comigo estão a ficar, também, os criativos realizadores de telefilmes. Não se matam a andar para a frente, a criar ou projectar o futuro, servem-se do passado, uma vez por outra recente, para a sua obra. Recriam escândalos escandalosos e apimentam o assunto. É giro reconhecer que são assuntos escaldantes, como, por exemplo, a recriação de um caso que nos tocou de perto: o afundamento do «Rainbow Warrior», atracado num porto da Nova Zelândia, o barco pacifista que prometia navegar pela zona escolhida pelos militares franceses para efectuar experiências nucleares, de que resultou a morte de um fotógrafo português, que cobria o acontecimento polémico.
Pessoalmente eu lembrava-me do caso e estava justamente em Paris, para cobrir as eleições presidenciais, naquela altura. O candidato Chirac, então primeiro-ministro, tinha efectuado uma diligência deligente e conseguira a libertação de uma agente militar secreta, que participara no atentado que fez explodir e afundar o navio, que era suposto estar vazio, mas onde dormia o inditoso fotógrafo português. Ela e um parceiro foram desaastrados e facilmente identificados, presos, julgados e condenados. A capitoa, ou coisa que o valha, cumpria pena numa ilha, num regime compreensivo. O marido podia visitá-la ou passear com ela pela praia e por outros sítios, uma vez que a senhora engravidou, quando deu jeito. Tanto quanto me recordo, a gravidez foi o pretexto para ser solicitada a transferência da reclusa, que deveria cumprir o resto da pena num presídio militar francês.
Eu estou a fazer o mesmo que fez o cineasta: a deixar para trás a tónica. A experiência que o barquito procurava abortar era evidentemente o lançamento de um engelho nuclear, a que se chamava quando eu era miudo bomba atómica. Quem era presidente da República francesa era Mitterrand e os militares não iriam por ali fora sem que o ilustre chefe socialista estivesse pelos conformes. Quando o escândalo rebentou quem teve que dar a cara foi o jovem ministro Fabius, que também teve que aguentar com o escândalo do sangue contaminado, não levou muito tempo a ser posto de lado. Tudo isso conduziu a que a Assembleia Legislativa fosse ao ar e a direita voltou a liderar as eleições de que resultou o primeiro e notório acasalamento político: presidente de esquerda e primeiro-ministro de direita. As nacionalizações foram desnacionalizadas, o primeiro-canal de TV privatizado. Uma festa. Chirac pairava e desvairava.
Mitterrand mantinha-se na sombra e ia dando lenha a Chirac. O fiasco na Bolsa afectou muitos países e afogou Chirac. Ele bem trouxe a menina «que se sacrificara» pela pátria e trouxe outros azarentos «pacificadores» de outro lado. Mitterrand sorriu e foi mortífero quando se rcusou a comentar um caso tão delicado em momento eleitoral.
Às quatro da tarde de domingo, nas intalações da Rádio France o telex da Lusa, perdão da France Press dava conta da vitória de Mitterrand, com 54% dos votos. Desde manhã que o Presidente recolhia favoritismo e liderava todas as previsões.
Reeleito, Mitterrand não nacionalizou mais nada. Arregaçou as mangas e passou o mandato a acertar contas com o seus pares socialistas. Esmagou e espezinhou alguns dos mais notáveis políticos socialistas.
O telefilme torceu-se um pouco para nem tocar em Mitterrand. De Fabius recuperou uma imagem do então jóvem membro do governo, absolutamente confuso sobre o que se tinha passado.
E o que se passara fora simplesmente um acto de terrorismo puro e duro. O governo francês considerou ofensivo que o movimenteco dito pacifista tentasse travar o progresso nuclear, agora, como se sabe, ao alcance de qualquer Irão que por aí ande. A senhora, e o senhor que a acompanhou no atentado, eram James Bond's de trazer por casa e foram consumar o atentado no país terceiro, não era bem a heroína que a Televisão quis fazer passar. Possivelmente nem andou à tareia com as outras reclusas, por crimes menores, como a mostraram no televisor, nem isso interessa. O que interessa é o terrorismo. No fim de contas é um acto repulsivo ou heróico. Talvez possa ser as duas coisas, mas nesse caso deve ser assumido. Na América o fime sobre o atentado das torres foi um hino ao pundonor do bombeiro, em França canta-se a valentia
da terrorista. Quem terá chorado pela sorte do fotógrafo?