terça-feira, abril 18, 2006

FICÇÃO (?)

Recebi uma carta razoavelmente injuriosa, com um rabisco indecifrável no fim. O papel tinha manchas de dedadas. Lamentei não conhecer ninguém no CSI, havia de ser canja. Em todo o caso é reconfortante ter quem nos leia, ainda que seja alguém pouco recomendável. Passo a transcrever, depois de excluir alguns palavrões e semear algumas vírgulas:
Olá, meu - Vocês têm a mania, é o que é. São uns safados uns filhos da...Passam o tempo a falar mal do governo e dos ministros. Porquê? O que é que vocês, cambada de velhadas sabem do sistema? Nada!
Eu sei. Sou gatuno, vivo, e não vivo mal, de gamar. Não trabalho muito, não preciso. Preciso é de trabalhar bem. De ser avisado e exigente e de tar a pau! Quando compro um jornal gosto de ver a informação que dá conta das preocupações do xuis, das prioridades deles. A «liberdade de expressão» faz-me um jeito que vocês nem imaginam! Deu-nos uma trabalheira aprender formas de prevenção e de cautelas. Temos de ser pacientes com a bófia.Quando eles avisam que vão fazer isto ou aquilo, a malta percebe. Toca a arranjar uns excedentes e encafuam-se num camion manhoso mal guardado, de modo a ter ar suspeito. Atrai-se alguns do «problemáticos», daqueles que exageram no consumo, dão barraca e estragam o mercado, para as imediações do camion e os xuis juntam o útil ao agradável. E, claro, o malão a sério,esse, passa,tranquilamente!
Os gajos do lado de lá também fazem isso aos agarrados. Metem dois ou três num Boeing-tamanho família. Os patetas escondem o produto nas cuecas ou na barriga. Seja onde for estão lixados. São denunciados sem piedade. Um gajo qualquer dos jornais disse uma vez que eram carne para canhão. O que eles passam a ser é mão de obra. Na choça tem que se trabalhar, sem preconceitos, para se sobreviver e fumar.
Cada vez há mais sítios para vender e mais malta para comprar. Não se pode andar nesta vida e ser piedoso. Há que alimentar o mercado e dar abébias às polícias e tem que se dividir o mal pelas aldeias. Os xuis que consomem não são de fiar. Mesmo que seja preciso rezar, há que evitar que nos apareçam nas aflições. É malta lixada que só arranja caldinhos. Sáo como o Freitas: não têm sentido de estado...
Trabalho frutuoso tem sido o do governo Sócrates. Graças a isso, volta que não volta os xuis entram em greve e enquanto dão asas à dita a mercadoria expande-se não sei quantos por cento: uma festa!
A mim até me deu, um dia destes, para comprar um bilhete para a bola na candonga, no mercado negro, é melhor dizer assim, porque não convém muito usar o calão senão topam-nos à distância. Custou-me quase três gramas, mas deu para ir a Barcelona!
O Koemans é um merdas, não percebe patavina daquilo! Se ficar mais três meses na Luz ainda acaba cliente da malta e vai ter que pôr os rapazes a fumar se quer que eles façam alguma coisa.
O patrão dele devia saber isso melhor, olá se devia! Isso de apalavrar uns árbitros foi chão que deu uvas. É preferivel um traficozinho do que acabar em terceiro...
Vê lá, meu, se abres os olhos e deixa-te de lérias. Quem te avisa...

Não entendo se é um recado ou uma ameaça. De facto fez lembrar uma velha, muito velha, anedota, ainda do tempo do antigo regime. Numa empresa magestática um funcionário recém admitido é censurado pelo chefe, por ter entrado tarde e deixado dois terços do trabalho por fazer. «Oh, homem!» disse o burocrata «Vá cortar o cabelo!». O chefe dirige-se ao director, ao qual expôs o assunto. O director chama o subordinado ao gabinete e na presença do chefe interroga-o. O interrogado responde-se «Vá levar no c...oiso»! E sai. Dentro, os dois homens fixam-se. O director telefona para a direcção de pessoal e pede a folha do artista. De posse dela descobre que o sujeito vinha recomendado por Salazar. «E, agora?», pergunta o director. «Olha, eu vou cortar o cabelo, tu faz o que quiseres!», respondeu-lhe o chefe. Talvez me vá deixar de lérias, estou em crer.






segunda-feira, abril 17, 2006

DEPUTAR

Que fique claro que não se trata aqui de ir de visita a meninas, qualquer que seja o estrato social das ditas. Disso um cavalheiro não fala -- a não ser em surdina! De facto vou ter alguma dificuldade em expressar-me. Além do mais nem sei ao certo como são os deputados nos outros países. Não sei se quer se são como os nossos, na semelhança com o comum dos cidadãos. E como cidadãos quero dizer criaturas que vivem de saber viver, que cedo aprenderam a arte de sobreviver. E isto não tem a ver com política, políticos ou politiquice.
Sobreviver na política é outra arte. O desenrascar é arte portuguesa típica. Não se falta ao trabalho, não senhor, mesmo que seja o de estar sentado a ouvir os outros: mete-se baixa. Nenhum contribuinte cá do burgo se esquece de declarar o que deve. Às vezes não se lembra.
Talvez o problema mais agudo seja a ponte. É isso, é! A ponte é um vício nacional e é já um direito adquirido e tão legítimo como qualquer outro, ainda que de legalidade duvidosa. Um feriado à terça está mesmo a pedi-las e se for à quinta é o mesmo. Não vale a pena atirar as culpas aos deputados pelas leis não discutidas ou por aprovar.
Naquele ambiente produtivo em que habitam os deputados, que nos habituaram a vê-los sentados no hemiciclo ou a patinhar pelos passos perdidos, quando lá vão... Ponte? Não senhor!
Ponte não perdem, nem que chova, nem que se vote. Quem quer que se vote «debaixo da ponte» ou é aquilo que parece ou não tem arte...
Bem vistas as coisas, a Assembleia é o que os deputados querem que seja e como está. E isso dá muito jeito ao governo na maior parte do tempo. O senhor Presidente da Assembleia podia sugerir que se instituisse um regimento mais austero. Que se fugisse da ponte com o mesmo empenho que o Diabo foge da cruz. Que se deputasse com zelo, que se votasse em consciência ou de olhos vendados. Tem que haver latitude, deputado não tem que ser mártir, nem santo, sete dias na semana. Mas não deve andar a saltar de ponte em ponte, que dá nas vistas e entristece o dr. Gama...

domingo, abril 09, 2006

JORNALAR

Quando eu era pequeno (de idade) matava-se o bicho pela manhã, no Cais do Sodré. Haveria, por certo, outros sítios onde fazê-lo, mas na minha pouca idade não os podia ver a todos. Mas sabia. Era gente de trabalho masculina de lide matinal, pela Ribeira (mercado abastecedor) ou junto à beira rio. Havia frio e humidade que o calor do trabalho só por si não eliminava. Era necessário aquecer a alma e o estômago. Nada que um bagaço (ou dois) não acalmasse. Era a isso que se referia o mata-bicho. Os quiosques no Cais do Sodré abriam pela madrugada, à espera da manhã e praticamente só vendiam ginjas e bagaços, além de um ou outro «copo de três». É verdade, confesso, que também se comercializava algum moderado «copo de dois», mas menos. O frio (e a sede) eram impedernidos.
Foi só quando cheguei a Luanda, à beira dos trintas, que dei pela expressão «mata-bicho» como pequeno almoço. E mais pelo verbalizar da expressão. Dizia-se «mata-bichar» no presente (do indicativo), no pretérito, mesmo que «mais-que-perfeito» e até no «condicional», tanto no singular como no plural.
E havia, logo de manhã os jornais. Os matutinos, bem entendido. Quando falo de matutinos vem-me à memória o João Rodrigues, desenhador fabuloso, que por acaso veio a ser ilustrador num pasquim que nem era matutino nem vespertino, ainda que fosse o diário da hora do almoço, era o «Diário Ilustrado» se a memória não me trai. Tinha dormido no quarto de alguém, à Praça do Chile e acordou ao som inexplicável de um monótono pregão: «Selos e cortiça, selos e cortiça, selos e cortiça». Que seria aquilo? Depois de levantar-se, arranjar-se e sair, deparou com um
ardina razoavelmente idoso, que vendia o «Século» e o «Notícias»!
(continua - há-de continuar, sDq)


ESTAMOS FALADOS
Era mesmo de jornais que eu ia botar paleio. É fácil, lá isso é, descortinar que os pasquins já não são o que eram, nem como eram. Pois! No tempo em que a Rádio não dava notícias, apesar de cobrar taxa (imaginem!) e nem se sonhava com a Televisão, os jornais eram uma coisa. Tinham o necessário. Era necessário dispor de uma oficina: os jornais tinham, cada um a sua!
Era premente uma distribuidora para distribuir. Os jornais tinham, cada um a sua. Se fosse preciso jornalistas também se arranjavam. Para director era preciso um doutor ou um engenheiro ou, até, um oficial militar. Conhecimento de Comunicação Social, que era como não se dizia, não era preciso, os senhores censores sabiam tudo, até colorir prosas com lapís de cor.
Esperava-se pelas notícias, a informação escorria lenta. Ninguém se suicidava: caía da janela à rua!Às vezes um burro ou até um cavalo de puxar carroça escorregava na calçada e amouchava. Era preciso um monte de gente barbada para ajudar a besta a erguer-se. E o eléctrico esperava. Bastava que se ajuntassem dois ou três eléctricos para haver matéria. Era melhor quando alguém se esquecia da beata acesa e o quarto ardia. Era tudo paulatino. Por essa altura andava de bibe e ia para a escola. O que eu lia era o «Mosquito», mas em casa, que sorte, havia sempre «O Século», ao fim da manhã e o «Popular», à noite, quando o meu pai vinha jantar.
Não se falava em casa da guerra, os jornais pouco escreviam. O meu pai de vez em quando ia assistir a sessões com documentários sobre a guerra, a convite da embaixada inglesa. Os alemães tinham um centro de propaganda a meio do Chiado e também passavam filmes e documentários, no «Ginásio», à Trindade, mas o meu pai não tinha convites. Era assim: os burgueses iam no «Ginásio»; os malteses numa sala algures entre Campo de Ourique e um cemitério, que havia por ali. Só para dizer que disto os jornais não botavam opinião e muito pouca notícia.
Foi assim. A partir de 43 já se podia dizer, mesmo no café, que o Hitler era um malandro do caraças. Mas que ele matasse judeus não se sabia. A aproximação oficiosa, mas quase oficial, às teses dos aliados implicava riscos. Era inevitável, mas assustava. Franco foi mais teimoso e o fim da guerra trouxe-lhe alguns amargos de boca. Desse ponto de vista, Salazar safou-se melhor.
As emissões em Onda Curta davam para ouvir a BBC e Fernando Peça, ele, sim, um enorme repórter, que descreveu muito da resistência londrina.
Entretanto, os jornais continuavam a sair, com tiragens elevadas. A história da guerra terminada ia-se refazendo, com grã cópia de pormenores. O futebol começava a ganhar espaço. No Porto três diários, «Jornal de Notícias», «Comério» e «Primeiro de Janeiro» barravam a entrada dos «mouros». Em Lisboa vendiam-se poucos dos jornais «lá de cima», mesmo assim mais do que o inverso, pela razão simples de Lisboa ser destino de nortenhos, que ,depois, fariam, em massa, agulha para a Europa!
A Emissora Nacional começou a fazer noticiários. Às treze e à meia-noite, se bem me lembro, que terminava o com o Hino. Por essa altura não era conveniente ouvir a Onda Curta. Já não havia guerra e a guerra, agora, era outra: nada de escutar a «rádio moscavide», como se dizia na gíria. Portugal «perdia» as colónias, passava a ter províncias ultramarinas. Os jornais davam-me muito jeito para saber o que ia nos cinemas e nunca se esqueciam de lembrar que era «visados pela Comissão de Censura», também os filmes eram!
Em todo o caso, podia-se saber do que se passava aí até às três da manhã. A essa hora encerrava a Censura e qualquer coisa mais que se publicasse era à responsabilidade do senhor director. O senhor director costumava avisar que não queria que se publicasse nada, depois dele sair.
Da oficina os jornais eram metidos em carros e ala que se faz tarde país fora. Em 75 ainda era assim e ainda se vendiam jornais.
Para mim era quase um vício. Continuei a comprar jornais, mas fui-me zangando. Quando eu era pequeno ainda havia «artistas» a vender a «banha da cobra» . Tinham que ter paleio para segurar uma roda de gente. Os jornais, agora, são assim: «Hoje é mais caro porque tem isto ou aquilo». Quando esta moda começou estava em Espanha. O «El paiz» juntava uma revista gráfica, mas vendida à parte. Quem quisesse só o jornal não pagava excesso. No Brasil, os quiosques dispunham de tambores vazios para despejar o «lixo», gratuito, intercalado no pasquim. Comecei por não comprar o matutino ao domingo, depois também ai sábado. Agora também à sexta e ainda há um à segunda. Eles é que sabem e como já quase não vou ao cinema não preciso de notícias requentadas. Por vezes amuo por outras razões. A exploração das deportações canadianas foi um bocado baixo.É verdade que Freitas Lopes, não é assim,gaita: Santana do Amaral, nem assim, bom o ainda ministro ajudou à festa com os seus, dele, disparates. Mas, depois, fez inversão e tratou das deportações de cá para lá de maneira irresponsável. Não se expulsa seja quem for por ser escuro ou claro, por ser do Leste ou do Brasil. Emigrantes temos sido nós todos os ainda menos; emigranes temos sido nós todos desde pequenos. Que me perdõe o poeta...

sábado, abril 08, 2006

Os Vampiros

O Texto que aqui transcrevo chegou-me via mail. Aqui está a minha colaboração para a sua divulgação. A meditação é dolorosa: estamos a ser governados por vampiros disfarçados de socialistas:
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que deveria fazer corar de vergonha os administradores - principescamente pagos - daquela instituição bancária.A carta da CGD começa,como mandam as boas regras de marketing, por reafirmar empenho do Banco em «oferecer aos seus clientes as melhores condições de preço/qualidade em toda a gama de prestação de serviços», incluindo no que respeita «a despesas de manutenção nas contas à ordem».As palavras de circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre «racionalização e eficiência da gestão de contas», o «estimado/a cliente» é confrontado com a informação de que, para «continuar a usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção», terá de ter em cada trimestre um «saldo médio superior a EUR1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras» associadas à respectiva conta. Ora sucede que muitas contas da CGD, designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR343,45 - que para ter direito ao piedoso subsídio de EUR3,57 (três euros e cinquenta e sete cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social. Como se compreende, casos como este - e muitos são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem, de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo de pagar «despesas de manutenção» de uma conta que foram constrangidos a abrir para acolher a sua miséria.
O mais escandaloso é que seja justamente uma instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores,mesmo quando efémeros, com «obscenas» pensões (para citar Bagão Félix), a vir exigir a quem mal consegue sobreviver que contribua para engordar os seus lautos proventos. É sem dúvida uma sordície vergonhosa,como lhe chama o nosso leitor, mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade. Esta é a face brutal do capitalismo selvagem que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa.Sem respeito pela dignidade humana e sem qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os administradores de sucesso a quem se aplicam como uma luva as palavras sempre actuais dos«Vampiros» de Zeca Afonso: «Eles comem tudo/eles comem tudo/eles comem tudo e não deixam nada.»
Medita e divulga . . . )