sábado, outubro 29, 2005

O QUE É DEMAIS NÃO CHEIRA BEM...

Causa-me algum desalento que o país esteja entregue a esta gente. Impressiona-me que tudo e todos estejam subjugados a condicionalismos eleitorais. Foi claro, em meu entender, que Sócrates tenha ido à gaveta repescar o dossier «aborto» por considerar que podia representar um trunfo forte para as autárquicas. Sampaio deve ter entendido o mesmo e não deve ter achado graça. Remeteu o caso para o Tribunal Constitucional. O problema real, o «aborto», esse, ficou de fora. O que entrou em análise foi uma discussão académica sobre o sexo do anjos. O sexo dos anjos é doce, não escorre semen, não engravida. O grave e delicado problema era, afinal, saber como e quando se podem fazer referendos. Por outros termos: esta gente, como vai sendo costume, entreteve-se a gozar connosco, misturando alhos com bugalhos.
Sejamos coerentes: o assunto que o TC analisou e sobre o qual se pronunciou foi o referendo, não foi o aborto.
Hoje, alguém no «Público» defendeu melhor esta tese e insurgiu-se naturalmente contra o chefe do governo e o presidente da República. A minha mira aponta noutra direcção: aos membros do TC, não à instituição, mas a eles mesmos. E deve ser bom que se coloque a questão. Têm eles o direito de fazer asneira e ficar incólumes? Pode aceitar-se que os (ou um ou dois) altos magistrados tenham pedido à senhora da limpeza do tribunal que fosse dizer aos senhores dos jornais que iam chumbar o referendo, uma semana antes de dar disso conhecimento à Presidência da República? Mais: pode o Presidente da Nação aceitar? O Presidente que pode dissolver a Assembleia legislativa, mesmo com maioria parlamentar, não pode «despedir» os conselheiros do TC, que adulteram de modo grosseiro as «regras do jogo»? Será isto razoável?
Não sei. Sou pouco culto. Mas considerando, o que me parece improvável, que o PR não dispõe de poderes constitucionais para «despedir com justa causa» os membros do TC, deveria, ele próprio, demitir-se da função, por respeito ao cargo desrespeitado. E nem devia ser eu a chamar a atenção: os senhores deputados é que já deviam ter-se manifestado. Tem de entender-se de uma vez por todas que há orgãos que não podem permitir-se abusos de poder ou deselegâncias ranhosas...
E o governo? O governo encolheu os ombros. A motivação eleitoralista que levou o governo a avançar é a mesma que o leva, agora, a recuar, apesar de a Sócrates «não ser indiferente o sofrimentos e a defesa da dignidade das mulheres». É só paleio. Há mulheres no governo. Espero que estejam coradas...

APITA O COMBOIO

Não sei de que madeira são os comboios feitos, mas aprendi que os ministros, hoje em dia, são feitos de lata. Deve ser por isso que alguns enferrujam! A meio da manhã ouvi dizer que OTA, sim senhor. TGV vai ter não quatro, mas duas linhas: uma Lisboa-Porto, outra Lisboa-Madrid. Pobre desta, só lá para dois mil e dezassete. Não ouvi denhum jornalista perguntar o que é que aquilo queria dizer. Porto-Lisboa com quatro paragens, não obrigatórias. Não mencionou a data prevista e todos sabemos que chegar ao Porto não é fácil. Talvez lá para dois mil e trinta e seis, se não chover. Como se vai de Lisboa ao Porto de TGV?
Em 2017 já o tgv deve estar no museu e a OTA provavelmete na Judiciária.
Vou começar pelas portagens. Em 85 o businão na ponte fez história. Praticamente demoliu o governo. Pedro Cid, novissimo director de informação da RDP ainda lembrou que era uma manobra do Partido Comunista. O PS colou-se e desatou a protestar contra as portagens, escolhendo como modelo a CREL.
Algum tempo depois, já no governo e com Jorge Coelho muito activo desportajou a portagem da CREL. Bonito! Vamos entender melhor. A política de estradas rápidas do cavaquismo teve origem em compensações comunitárias, que praticamente chegaram a par do prof. Anibal. Sem grandes projectos projetados as auto-estradas eram o caminho mais rápido. Tal como já vinha
acontecendo em Espanha. A auto-estrada para o Porto foi crescendo e a portagem também. A
par de outros percursos, uns de borla, outros nem tanto. A ideia que se pretendia fazer passar era a de que as vias comparticipadas pela CEE eram de borla, enquanto as pagas pelo O.E. tinham portagem. Acredito que houvesse batota no percurso e na avaliação. A CREL foi justamente uma das entregues à Brisa, que se responsabilizou pelo encargo.
Entretanto o troço Caldas-Torrres Vedras era de borla. Outra via, que na altura saía de Abrantes e estava prevista chegar a Peniche, também devia ser gratuita. isto só para dar uma ideia de como se passavam as coisas.
A decisão de retirar o pagamento de portagem na CREL foi fogo de vista. A portagem manteve-se, continuoua tirar-se o talãozinho e a Brisa a estender a mão ao governo. Perante o encargo, o ministro foi-se à auto-estrada das Caldas e toma lá, paga portagem. A auto-estrada destinada a Peniche, encurtou e levou com portagem. É a política do fogo de vista!
Receio que a OTA e o TGV seja um segundo episódio. Receio pior. Receio que mais obras seja prenúncio de esquemas cruzados com vista a financiamentos obscuros, que isto de andar a promover candidatos pouco rentáveis depaupera os cofres.
O TGV que o senhor ministro prometeu fazer para Madrid quer dizer o quê? Madrid é, afinal de contas, onde? Em Badajoz? A seguir a Marvão?
E a OTA? Vai ser onde, como e porquê?
Lembram-se das gravuras rupestres? Lembram-se?
Não sabiam nadar. Não se acabou a barragem. Perdeu-se uma fonte energética. Perdeu-se uma reserva de água! E se a água vai fazendo falta! Que importa? Ganhou-se em turismo. São milhares e milhares a espreitar as gravuras e a encher os hoteis novos e velhos. Obras e obras científicas se publicam todos os meses sobre as rupestres...
O problema com a irresponsabilidade é que tanto pode acertar na mouche como cair no ridículo.
Muito do problema podia morrer à partida se à promessa ministerial os jornalistas logo pedissem esclarecimentos. Ota?! Como? Como se vai até lá? E como se vem até aqui? Há uns anos, inquirido a esse respeito, Jorge Coelho disse: «Faz-se um tgv»!
Sim, senhor, faça-se um tgv, quentinho, para a mesa do canto...

quarta-feira, outubro 26, 2005

SUBMARINO AO FUNDO

Era o que faltava e se notava mais. E vai ser a seguir.Mas já a seguir. De repentemente, que é o mais de repente que me vem à memória: um santuário para Felgueiras! Pois! E onde mais podia ser? Que as fátimas sejam como as cerejas e os milagres destapem o pão e as rosas que se lixem!
Um santuário dourado e que o altíssimo lhe ponha a virtude, que eventualmente lhe falte.
Peregrinos unam-se! Peregrinações organizem-se, Felgueiras, o paraíso santificado, espera por todos e todos não serão demais para encher caixinhas e caixinhas de esmolas. Pobrezinhos, pobrezinhos, esperem pela sopa, porque a sopa vale a pena se a alma não for forreta!
E o governo, por uma vez, pode sair a ganhar se fechar a Justiça, despedir os magistrados e desistir do ministro e do ministério. Ninguém precisa mais deles. Desde ontem o conceito mudou. E sabe-se hoje que sai mais barato ser-se assaltado no Pinhal de Leiria do que ir a tribunal; o que se poupa com seguros contra roubo chega e sobra para pagar aos ladrões e salvam-se portas, portões e os vidros das janelas. Justiça nunca mais. E não é preciso estragar ou demolir o palácio da justiça: bem limpo dá um excelente abrigo para os sem abrigo! O tribunal das boas horas pode passar a centro cultural de marionetas, para preservar a imagem de solenidade que sempre desejou ter! Aquele outro da rua do Século, que nem me lembra o nome daria, por certo, um bom estádio para luta de galos, desporto muito na moda lá por casa!
Devia, isso sim, guardar-se o austero guarda roupa judicial para pôr algum sal nos cortejos carnavalescos, mas sem os martelinhos. Esses distribuidos pelos senhores deputados, para sublinhar-se melhor, e de maneira mais comedida, a concordância com a desavença, o som com a fúria, sem palavrões, nem irritação de gargantas!
Sem castigo deixa de haver crime. Pode roubar-se democraticamente à vontade, como de resto se tem vindo paulatinamente a fazer, e atropelar a toda a brida, mesmo sem carta de condução!
Tudo o mais que ponha em risco a vida de pessoas e ou os bens do Estado resolve-se por meios místicos, acendendo velas às santas...
Mas, cuidado, sem invocar em vão o santo nome da imaculada de Felgueiras, senhora cheia de graça, nem dos benditos juizos que dela se fazem...
Quem é que precisa de juizes ou juizos num paraíso destes?

terça-feira, outubro 25, 2005

A Caminho...

Para quem, como eu, durante anos e mais alguns, seguiu com enorme interesses a política nacional e internacional e, a dada altura, para não ficar louco, resolveu desistir, começa a ser engraçado - dá mesmo vontade de rir - verificar o carácter aleatório de tudo quanto os políticos dizem e determinam.
Nunca nada bate certo. Ou com o que se prometeu, ou com o que se esgrimiu. Está sempre tudo errado. Não há regras. E já nem se consegue vislumbrar o jogo dos interesses.
O recente escândalo do envolvimento de bancos em negócios duvidosos - quanto a mim uma notícia para disfarçar envolvimentos bem mais criminosos - imediatamente "abafado" pela grande comunicação social, deixa a descoberto o desnorte do sistema. .. pois, se até já Ricardo Salgado pode ser surpreendido por uma notícia desastrosa num dia em que, mais uma vez, convidado pela Judite de Sousa, vai fazer o papel de primeiro-ministro sombra...
Quais vão ser as consequências desta escandaleira?
Alguns inspectores da Judiciária vão ser despedidos? - 1ª hipótese.
Ricardo Salgado vai ser preso preventivamente ?- 2ª hipótese.
José Sócrates vem defender a honorabilidade da banca portuguesa - 3ª hipótese.
Mário Soares ganha as próximas eleições presidenciais - 4ª hipótese.
Posso fazer um concurso. Quem acertar, ganha a possibilidade de fazer um comentário à situação portuguesa, desde que a titule " A caminho da Ibéria".

sábado, outubro 22, 2005

VERDE QUE TE QUERO VERDE

É quase preciso ser poeta para entender o Sporting. O Sporting, como depois o Belenenses, nasceu do Benfica e isso já ajuda a entender alguma coisa. Mas pouca. O Benfica nasceu popular, popular no sentido de ser da ralé, do povo, quando povo significava operariado. O operariado tinha manias e por isso os homens que trabalhavam nos jornais desportivos não eram jornalistas e por isso não podiam falar de «vermelhos» fosse ele o Victor Silva, o «Tamanqueiro» o Albino ou o lisboeta Espírito Santo. Cândido de Oliveira era suposto ser comuna e era, portanto, mal visto pelos de cima. Que eu me lembre foi a primeira grande vitória do futebol português. Além de ser prestigiado na Europa, treinou o Sporting (e a Académica!) com sucesso. Foi treinar, imaginem!, ao Brasil. Por mór do futebol deixou de ser perseguido e até acabaria por ser escolhido para seleccionador!
Voltemos atrás, os alvalades eram ricaços e conservavam títulos da nobreza e acomodavam-se mal no Benfica. Sairam e formaram o Sporting. Os azuis já foi por outras razões e zarparam para Belém. Havia o Casa Pia e havia os Unidos, o Carcavelinhos, de onde brotou o Atlético, o Chelas e o Fósforos, que se uniram no Oriental.
E, bem entendido, o futebol era coisa de domingo à tarde. Quando eu cheguei ao futebol (de bancada) o Sporting é que estava a dar. O Benfica era como o Carlos Carvalhas: parra em demasia e uva nem vê-las! Vi o Benfica ganhar algumas Taças, mas campeonatos só os lagartos: sete em oito anos e eu vi-os todos. Ainda hoje tenho complexos!
Há uns interregnos divertidos: o Benfica foi campeão latino, em 50, no meio dos campeonatos todos do Sporting.
Quando a CUF de Lisboa acabou O Felix foi apara o Benfica, que não aceitou o Travassos, porque era pequenino! Era, sim senhor! Mas que enorme jogador ele foi! Quanto dele sairam tantos títulos para o Sporting! O Azevedo já vinha de trás. Tinha tapado o Martins, que foi no Benfica (linguajar africano), e depois Barrigana, que zarpou para o Porto (F.C. do). O suplente era,foi, Dores. Naquele futebol não cabiam suplentes. Nada de substituições, nem de guarda-redes. Lembrem-se que em 65 (se a memória não me lixa) o Benfica perdeu a final europeia, em Milão, com Costa Pereira na cabina e Germano na baliza. Creio que acabou aí a rigidez do sistema. Depois passou a poder mudar-se de guardião. Depois, um, depois, dois...até aos nossos dias.
A intenção foi (era) falar do Sporting. Melhor: entender o Sporting. Podia lembrar que o Sporting começou por ser levado ao colo. Devia ser necessário travar o populismo «encarnado». Mas, sinceramente não me consta que Peyroteo fosse fascista, nem o Manel Marques fosse da União Nacional.
Mas um gajo do Benfica precisava de ter desculpas. Mas lá que o Sporting teve um presidente que marcava «gois» aos intervalos, lá isso teve! Pelo menos a graçola perdurou desde que o o presidente leonino, de seu nome Gois, foi à cabina dos arbitros, na Tapadinha, "mandar vir"
com os artistas do apito. A partir de 60, o poder político aceitou o Benfica que luzia na Europa.
Salazar recebeu os jogadores encarnados, deve-lhes ter ofertado calices de vinho do Porto. E por essa altura já o Sporting andava aos papeis. Não tenho ficheiros, mas estou em crer que desde 54 o Sporting nunca mais repetiu dois campeonatos nacionais seguidos. Vou ficar por aqui, mas não sem lembrar que há muito, muito tempo, que um lampeão não podia falar de Sporting, ou vice versa, sem pedir licença a Pinto da Costa, que andou com a sua equipa às costas a ganhar campeonato atrás de campeonato, numa manifestação prepotente de abuso de poder...

quarta-feira, outubro 19, 2005

VACINANTES

Eu vos vacinarei, disse, hoje, em Lisboa, um senhor do governo, que revelou que tinha acabado de comprar uma montanha de vacinas para refrear a gripe das aves. Uma espécie de chamada a atenção: vêem que o governo não se distrai?
O ministro foi avisando que as vacinas só devem chegar em meados do ano que vem. E, em Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros disposto a comprar aviões especiais para combate a incêndios, ultra modernos, foi interpelado sobre gripes de aviário e achou por bem tranquilizar o interpelante lembrando-o que essa preocupação pertence à comissão especializada da União Europeia. A comissão é que deverá anunciar como, quais e quando se tomarão medidas globais.
Mas já ontem notícias provenientes de países cientificamente evoluidos tinham alertado para
precipitação de atafulhar gavetas com vacinas. As vacinas que existem presumivelmente não vão servir para nada, pois se a epidemia chegar aos humanos o virus será diferente.
Presumindo que o prof. Amaral não estivesse obscurecido por excesso de vodka, qualquer comum mortal poderia ser levado a crer que o ministro da Saúde entrou em pânico e não conseguiu suster o vício despesista, que acomete amiude os membros do governo, neste país.
Não pretendo tomar partido. Quando um ministro diz uma coisa e outro ministro diz outra, a respeito de compras caras, nunca vem o Diabo escolher, não, não vem. O que pode acontecer,
já tem acontecido, é a PJ um belo dia ir aos bancos vasculhar papeis...

segunda-feira, outubro 17, 2005

Ser Português em Portugal

Se nos debruçarmos com alguma atenção para esta condição de português vivendo em Portugal não podemos deixar de nos sentir, pelo menos, tristes, primeiro, depois, deprimidos e, logo a seguir, desgraçados, infelizes por nos ter calhado na vida terra tão mal organizada e governada.

Olhemos os professores universitários: parecem uns senhores a quem Deus deu um poder particular. Não olham à sua volta. Eles são a ciência, a inteligência, o saber!

Reparemos, agora nos jovens com 40, 4o e poucos, que foram atirados para fora do país com bolsas, com promessas de regressos fulgurantes, quando tinham 25, 26 anos. O que lhes fazem as instituições que lhes prometeram o paraíso? Recusam-nos pura e simplesmente ou continuam a alimentá-los com bolsas que não significam nenhum emprego, nenhum compromisso, nada.

Os milhares de brilhantes investigadores portugueses a viver fora do país não têm a mínima perspectiva de regressar. Não há lugar para eles em parte nenhuma. E isto mesmo depois de a pessoa responsável pelo tal grande movimento de investigadores do país, o prof. Mariano Gago, ter voltado ao poder.
É uma vergonha para todos nós , mas, evidentemente, só uma pequena parcela conhece o problema. Os outros sabem lá que há gente com esses problemas, que há gente a dar aos outros a sua capacidade, a sua inteligência e que, um dia destes, seguramente, vão esquecer a sua condição de portugueses.
Seguramente para alívio dos que continuam a olhar para o lado e para si mesmos, preenchendo os lugares das hierarquias académicas, às vezes com trajes ridículos, mas muito seguros de si próprios. Afinal, o país é decrépito, sem capacidade para inovar o que quer que seja, mas os senhores profs.drs. continuam nos seus lugares.
E com tal ignorância que a maior parte deles ainda não percebeu que está a preparar gente para o mercado de trabalho, um mercado cada vez mais difícil e, por isso, os estudantes, transformados em quadros do que quer que seja, necessitam conhecer as leis que regulam a sua actividade, pelo que - sei lá! - no último ano do curso deveriam ser elucidados sobre os seus direitos, sobre as hipóteses de trabalho que a lei lhes abre e até obriga a criar.
Por exemplo, os engenheiros do ambiente correm, nesta altura, o mesmo risco que os arquitectos correram durante anos e anos, com os engenheiros civis a assinar os projectos de arquitectura.
Há muita legislação, quer portuguesa, quer europeia - a exigir transposição para a legislação nacional - que obriga muitas instituições a ter nos seus quadros engenheiros do ambiente. Todavia, isso não está a acontecer. Não me admiraria que os engenheiros civis, mais uma vez, estivessem a utilizar o título e os lobies para validarem as suas assinaturas em projectos onde é necessária uma clara especialização.
Vá, Juventude, ORGANIZEM-SE!!!!

domingo, outubro 16, 2005

Fuga Descarada aos Impostos

Passei há cerca de duas horas na portagem da Ponte Vasco da Gama. Paguei a portagem em dinheiro e fiquei à espera do recibo. Nada. A senhora disse-me:"obrigado". Qual obrigado, qual carapuça - pensei, de mão estendida, à espera do meu recibo.
Ficou zangada, quando lhe disse que deveria dar-me o recibo sem mais conversas. Que não - disse - mostrando-me a porcaria de um papel colado no vidro. Não vi o que lá está escrito, mas deve ser qualquer coisa do género que a Lusoponte só entrega recibo se o mesmo fôr pedido.
Isto é, sem dúvida, uma fuga aos impostos. A senhora que recebeu os meus dois euros disse-me que tinha instruções no sentido de cumprir tal princípio.
Ora, a Lusoponte beneficia de contratos verdadeiramente fantasmagóricos - que ninguém con segue explicar - para explorar as duas pontes que atravessam o Tejo. Contratos que assinou com o Estado que todos nós sustentamos e desenvolve, nas nossas barbas, um sistema de fuga descarada aos impostos.
E não há ninguém responsável pela cobrança dos ditos que ordene uma fiscalização a este roubo feito a céu descoberto no bolso de todos nós?
Esta conversa que ouvimos a todos os governos sobre sistemas anti-fraude e anti-fuga aos impostos é para levar a sério?
Mais grave ainda:a Lusoponte está imune numa estratégia de roubo fácil porque os pequenos comerciantes pagam por ela, sendo duramente castigados quando são agarrados em pequenas fraudes?
O Estado que temos existe ou é ele mesmo uma fraude?

sábado, outubro 15, 2005

DIREITOS PERDIDOS

São quase todos, a começar pelo dito à indignação ou, pior ainda, ter de dar o dito por não dito. Por ser levado a encolher os ombros e fazer por esquecer. É pior que saber que o comboio vai aumentar (de preço, porra!, de preço) e a luz e o autocarro, também. Sócrates vai diminuir o taco às autarquias e desse modo forçar as autarquias a sacar na água e no lixo e no saneamento.
Cada vez custa mais adormecer e cada sono tem mais e mais pesadelos. E direitos?
É natural que um gajo se sinta lixado e refile por tudo e por nada. Hoje perderam-me a camioneta, o autocarro que me devia trazer de volta às quatro e meia. "Não tem lugar", disse a menina. "Só às cinco e meia", acrescentou. E passou-me o bilhete e eu perguntei-lhe: "não posso
tentar que o motorista me leve?". Ela acenou que sim e disse: "despache-se, que tá na hora".
O motorista olhou o bilhete e abanou a cabeça: "com este, não. Mas deixe ver. Há um lugar, sim, há um lugar"... E eu: "posso ir trocar de bilhete?". O tipo fez uma careta. "Corra, caraças, corra, que já passa da hora!".
Eu corri. Gaita!, tenho 70 anos!, faço que corro mas não ando muito. Mas fui e pedi e a dama disse que não e eu expliquei e ela disse que não. O computador não sabe de fretes nem de direitos. E não dava bilhete a autocarro cheio e se o autocarro não estava cheio a culpa não era do computador e a menina não queria maçar o computador e eu que me fodesse. E quando eu tentei, a arfar dos meus setentas, o motorista carregou no botão e fechou a porta e eu a vê-lo sair...
E não fui. E quis expressar o descontentamento. Que não, disse a menina. "Queixas só por escrito!" e abriu uma gaveta, com a intenção óbvia de me dar um papel. "Mas eu quero gritar, quero protestar... "Só por escrito", disse ela.
Dei três voltas ao terminal de Sete Rios e das três vezes nada. Pelo meio bebi uma cerveja e pensei o que só eu sei das mãezinhas daqueles gajos e o que consegui foi que um tipo das encomendas me dissesse: "Só por escrito".
Uma hora não é coisa que mate, mas chateia. A carroça saiu com um lugar vago. E eu fiquei porque nada nem ninguém é responsável ou responsabilizável.
Se ao menos alguém me levasse de Falcon...

terça-feira, outubro 11, 2005

CREDIBILIDADES

Na sexta-feira, o «DN» tinha pespegado na primeira página uma sondagem que previa a vitória de Carrilho, em Lisboa, e Assis, noPorto, por margem mínima, é certo.É verdade que deixava Seara ganhar Sintra, talvez para dar o toque de isenção!
Não constituiu novidade. Já em tempos ocorreram tentativas semelhantes de confundir o eleitorado, de tal modo exageradas que envergonharam os orgãos de comunicação social a ponto de levar os responsáveis por sondagens a inflectir e limitar-se a dar conta da recolha de dados de modo correcto. E fizeram-no razoavelmente bem. E tão razoavelmente bem que, pelos vistos,
começaram a incomodar. Montar uma sondagem que possa influenciar, em cima da hora, os indecisos, só resulta se tiver visibilidade. E teve-a, no «DN» e na «TVI» e foi citada na «SIC», se não estou em erro. E nem faço ideia se espalhada pelo país.
No domingo, à hora do jantar, começou-se cedo a perceber o que fora previsível desde o início do mês pelas diferentes sondagens, que evidenciavam mais sinais de desilusão governativa do que de apoio político.
Não sei quem espalhou panfletos a insultar e denegrir alguns candidatos. Nem sei quem cozinhou a sondagem panfletária, mas fiquei a saber que não são só os «candidatos ladrões» que conspurcam a democracia. Anda por aí muita falta de carácter. A continuar assim ainda arriscamos a ver mortos e enterrados a votar em quem menos mereça, como no passado!
Mas foi bonito ver um idoso bem vestidinho a pedir que votassem no filho, Esperemos que o menino se lembre, no dia do pai...

domingo, outubro 09, 2005

As Bandeiras

Hoje, numa mesa de voto, apareceu uma mulher - loira, de olhos verdes - com um boné a segurar-lhe parte dos cabelos e enrolada em várias bandeiras. Na fila ( ou bicha?) de voto, os outros, de gravata, de fato de treino lavado, de camisa desapertada, mas a notar-se o vinco de todos os dias, olhavam a senhora - desconfiados.
Ele eram as bandeiras do sporting e do benfica. Até do Olhanense, agora a singrar rumo à chamada (ou já não se chama ?) super-liga. Cachecóis do Braga, misturados com os do Vitória de Setúbal.
A Loira, de olhos verdes, permanecia calma, sem olhar para ninguém e sem permititr que alguém fixasse os olhos nela. Direita, quando olhava, olhava em frente. Até do Barcelona, ela tinha uma camisola. Sem publicidade, limpinha - só o emblema da Catalunha.
Tinha muita gente à frente e a bicha (como a da cave) arrastava-se lentamente. A senhora chegou à frente da mesa de voto. Os membros ficaram em sentido perante tanta bandeira e ela perguntou, com voz nasalada:
"por favor, os senhores podem indicar-me em que porra de bandeira destas eu posso botar a minha cruz, isto é, em qual emblema eu posso acreditar. Querem que eu seja mais explícita: há aqui alguém (um gajo ou uma gaja) que me possa dizer em que cor eu posso apostar tranquilamente?. Ou vou-me embora e volto a pendurar as bandeiras e os cachecóes na marquise até aparecer a Maria da Fonte?"
Fez-se um silêncio pesado, ninguém se atreveu a responder à mulher loira, de olhos verdes, enfeitada de bandeiras (mas com gosto). Ela, então, olhou para os membros da mesa, ainda em sentido (claro) e declarou: "não escolherei. Recuso-me a escolher bandeiras, sem conhecer as ideias, os projectos, as intenções, o carácter de quem se apresenta a eleições. Não escolho porque não há diferenças. Levo as minhas bandeiras, estas, as únicas que continuam a ser símbolos de batalhas abertas".
Saiu a mulher. A assistência ficou calada, estarrecida. Que fazer? os homens e as mulheres da mesa de voto olharam-se entre si e uma de entre eles, encheu-se de coragem e disse: " ao menos diga-se o seu nº de eleitora para colocarmos a cruz".
A senhora loira de olhos verdes olhou-os de cima e percebeu a preocupação: os números, as percentagens e debitou um número.
À saída uma televisão fazia sondagens à boca das urnas e interrogou-a: "para a Junta de Freguesia votei Estoril Praia (não é tão chieque?...), para a Câmara Municipal votei PCTP/MRPP. Agora é que isto vai..."

Todo o povo parou para ver aquele boné passar.

A Crise do Estado

A palavra crise é uma companheira de todos nós. Desde que nascemos até que desaparecemos ela sempre nos acompanha. Uma vezes mais que outras, é certo, mas sempre ela se nos depara, para nos atrapalhar a vida.
Normalmente, o que nos perturba a vida é aquilo que não percebemos. E poucos de nós conseguimos perceber o que, nos vários contextos, se designa por crise.
Por exemplo, nesta altura fala-se de crise económica, de crise de valores... crise da sociedade, crise na Igreja, crise na União Europeia...
Todas estas expressões são os retratos a carvão de uma única crise: a do Estado.
O Estado, que levou milhares de anos a constitur-se, a organizar-se, com o objectivo de tomar conta das pessoas, de as juntar, de lhes propôr objectivos comuns. O Estado que se arvorou em defensor dos oprimidos, dos menos favorecidos, dos desprotegidos.
O Estado que, com esse programa, teve várias formas e passou do poder despótico, absoluto, um legado de Deus, a um poder irresponsável, sem objectivos e com um único objectivo: o de cobrar impostos dos cidadãos temerosos da lei para o entregar a outros, sem medo de coisa nenhuma e dispostos a retirar ao Estado todos os poderes que possam dar vantagem.
Na realidade, a crise que hoje vivemos é a crise do Estado, incapaz de regular o que quer que seja. Se olharmos com atenção para pequenos aspectos da nossa realidade depressa verificaremos que nenhuma lei protege o cidadão normal, cumpridor das suas obrigações.
Por exemplo, os seguros. Existem para quê? Para garantir que o cidadão comum a quem aconteceu um desastre, em casa, com o automóvel, com o que quer que seja e, para se prevenir, assinou uma apólice para transferir a sua responsabilidade para uma instituição, que na maior parte dos casos recebe e não paga nada, garanta a cobertura da sua responsabilidade?
Não. Os seguros representam um sistema de roubo sistemático, porque raramente pagam o que devem pagar e sempre cobram acima do que devem cobrar. A não ser que seja alguém poderoso, que se serve do sistema dos seguros para enriquecer ainda mais.
O sistema bancário - outro exemplo - existe para facilitar os negócios, conceder créditos, valorizar as poupanças?
Nada disso!
É mais um sistema montado para roubar o cidadão normal - não aquele que tem milhões de dívidas - mas aquele que vive do seu salário, que compra um carro a prestações e já comprou a máquina de lavar pelo mesmo sistema, bem como o frigorífico.
A este, o banco demora cinco dias a creditar-lhe um cheque, mas debita-lho na mesma hora em que ele o entregar para pagamento.
Olhem para o sistema de segurança social. Dizem que está em crise. Que vai desabar. E porquê?
Porque o Estado - não estou a falar de governos, que são todos a mesma coisa - permitiu que os poderosos, que tomaram conta dos transportes, das empresas de telecomunicações, de energia, de tudo quanto dá dinheiro, se preparam para, do mesmo modo, ir buscar o dinheiro que o cidadão comum, de boa fé, deixa que lhe descontem todos os meses, na esperança de, quando já não tiver força para trabalhar, ou quiçá, sair de casa, ter um meio de subsistência.
A crise é do Estado, de que meia dúzia ou uma dúzia -o número não interessa - de poderosos se serve como instrumento para reduzir direitos, aumentar deveres e nos levar a uma nova forma de escravatura. É para lá que caminham os nossos filhos. Com uma gravante significativa e significante: eles não têm consciência do que lhes está a acontecer, não têm capacidade de organização, ainda não perceberam que os carros de que desfrutam, as discotecas que os entretêem e as roupas de marca que os enfeitam fazem parte das algemas com que lhes estão a prender o futuro.
O Estado é cada vez mais uma organização caduca, prejudicial ao progresso do homem. Já o era na versão marxista e que Bakunine contestava. Agora é-o muito mais, porque não é carne nem peixe.
Alguém sabe quais são os poderes de Jorge Sampaio? E o que é que José Sócrates pode fazer para garantir que eu e tantos outros como eu não vamos, um dia destes, deixar de ter endereço porque o carteiro não vai debaixo da ponte.
Bakunine tinha razão? Pelo menos na necessidade de discutir a utilidade do Estado, tal como ele existe, sim. Vou reler Bakunine, deixar de ouvir Sócrates, Sampaio e todos os outros. Infelizmente vou ter que continuar a pagar os meus impostos, mas espero que quando alguma coisa de grave aconteça, eu ainda tenha força para poder mostrar-me.
A crise do Estado é sobretudo muito grave porque os seus agentes, o governo, só têm uma capacidade, a de ler as obrigações do Estado segundo os interesses dos poderosos, que, não tendo pátria, também já não têm rosto.
E esta crise irrita-me, sobretudo porque não há nenhuma maneira de a discutir. A nossa comunicação social é feita por marionettes, desmiolados, protagonistas do vazio que nos rodeia, pertença de grupos de gladiadores dispostos a colocar na arena os seus melhores homens quando o bocado em discussão fôr suculento.
A propósito: poucos dos que hoje escrevem para os jornais, para as rádios ou para as televisões sabem quem foi Bakunine.

sábado, outubro 08, 2005

CLARO QUE HÁ MAR E MAR...

Houve para mim, que fui e voltei. E à medida que os anos passam e a vida gira, de cada vez vou indo menos e vou ficando mais. Mas fui sempre um lisboeta discreto e obscuro. A minha cidade era o que não é hoje: um sítio para pessoas, uma cidade cheia de lisboetas e com alguns estranhos, poucos. Hoje a capital não tem lisboetas, tem gente. Perdeu a identidade, despiu-se de tradição.
Nasci e cresci Lisboa fora. Sem «Metro» mas com muito eléctrico. Só depois do fim da II Guerra Mundial chegariam os autocarros. À medida que a noite avançava, os eléctricos espaçavam e a pacatez da cidade convidava ao passeio a pé. Aqui e além vislumbrava-se um polícia, e mais além um guarda nocturno e não raro juntos, de paleio. Automóveis parados, encostados aos passeios.
De vez em quando alguém batia palmas, alguém que esquecera as chaves da porta do prédio. Era a oportunidade para o guarda nocturno amealhar algum trocado. Ao romper da aurora as ruas começavam a encher-se de mulheres a caminho de trabalho nos mercados ou nas limpezas de estabelecimentos, repartições ou bancos.
Claro que havia zonas da cidade menos pacatas. O Cais do Sodré, cheio de trepidação nocturna, nos bares que ainda não se denominavam de alterne; o Bairro Alto concentrava o maior número de prostíbulos, mas havia-os também dispersos por outros pontos da cidade, preferencialmente junto ao rio ou nas imediações da av. da Liberdade, onde também se pescava na rua...
Tive alguma sorte quando chegou o meu tempo de passar da teoria à prática. A teoria era ingénua e a prática falseada e, não raro envenenada. A minha sorte consistiu na penicilina, acabada de chegar ao mercado. Ainda alguns meses antes era necessário ir à Cruz Vermelha, fazer bicha para trazer parte da receita médica e portanto doseada consoante a gravidade das doenças. Até então para aliviar os tropeções tinha que recorrer-se a argálias e ainda hoje, só de pensar nisso fico pálido e minúsculo.
A vida era um jogo e era preciso aprender. Nunca tive muito jeito para o jogo. Joguei com bolas de trapos, na escola sem grande sucesso. Na ginástica nunca consegui saltar em extensão. Fui bom nos matraquilhos e superei os amigos no bilhar. Só no pocker me sinto à altura de me bater com os semelhantes, mas levei tempo. Recordo-me de uma vez regressar de uma noite de pocker, madrugada dentro, de bolsos vazios, na companhia do Gonçalo Duarte, que conheci no Gelo, igualmente sem sucesso na mesa. Sentamo-nos num banco da 24 de Julho, a ganhar fôlego para o resto da caminhada, e avistamos um grupo ruidoso de varinas que vinha da Madragoa. Discução acesa e uma dela atirou um insulto suez. A outra gaguejou uma série de impropérios e gritou para a outras: «fersureira, eu!?Eu!». Levantou as saias e começou a dar palamadas sobre a cueca: «Olha aqui! Olha aqui...pr'o calo dos colhões do meu marido!»
Deve datar dessa noite alguma da insegurança que me foi afligindo ao longo dos anos...

EU VI MARCEL CERDAN

Fui ver no Coliseu. Era peso médio, mas pespegaram-lhe com um meio pesado na frente: Agostinho Guedes. Foi uma aventura. Nesse tempo eu era um miudo de escola e era um desportista de jornal. Sabia do Cerdan campeão, de título mundial, quase tudo. E quando soube do combate em Lisboa esfalfei-me para arranjar guita para uma geral no Coliseu. Cravei toda a gente do meu mundo e, na véspera, lá fui para a fila comprar o bilhete.
O dia nunca mais passava. Mas, à noite, a sala transbordava. O ambiente do Coliseu a abarrotar.
Fumarada, porque se fumava muito, nesse tempo, e por todo o lado. Houve uns combates para entreter e aumentar o apetite.
No intervalo, antes do combate, estava cheio de sede. Deixei o lenço no degrau e fui ao bar, repleto de gente adulta, mais alta e encorpada, mas lá tive o pirolito e voltei para a sala, em marcha lenta, que os gongos tiniam. Logo à entrada da sala, avistei o Agostinho já no canto e o Cerdan a subir entre cordas para o ring. Acelerei para o lenço. Vi os dois junto do árbitro apertar as mão. Fiz mais um esforço para passar por um chato que não deixava passar e lá estava já a pegar no lenço quando oiço o bruá-á tremendo e viro-me. Agostinho Guedes deitado e o árbitro ia gesticulando com braço e um dedo estendido e oito sacudidelas depois, cruzou os braços, virou-se e levantou um braço de Marcel Cerdan. Não vi o soco. Não vi nada, a não ser uns segundos antes, quando os dois se tocaram com as luvas. Era uma barulheira à minha volta e eu sentia lágrimas nos olhos.
No dia seguinte, no campo do Benfica, voltei a ver o Cerdan, vestido de gente comum. Foi levado ao meio do campo de terra batida e levantou o braço e recebeu uma ovação. Não bati palmas. Ainda não sabia o que era frustração e fiquei com vergonha de falar do assunto.
Os jornais desportivos iam dando novas do campeão. Em França ele perdeu o combate com o norte-americano, suponho que era o Vilemain. Durante o combate estragou uma das mãos e não
permitiu o combate desforra muito depressa. Depois, já refeito, teve de gramar as evasivas do novo campeão, que aparentemente não se sentia muito seguro de si. Quando finalmente se aprazou o combate, desta feita nos Estados Unidos, gerou-se grande expectativa. Edite Piaf que andava de namoro, meio escondido, com o boxeur, foi dar espectáculos nos states. Mas ela ainda teve mais azar que eu: nem houve combate. O avião ficou-se pelo caminho, sem sovreviventes.
Nunca mais fui ao box. O mais próximo que estive foi um combate para um título mundial, que teve lugar em Kinshasa. Tive convite e até hesitei, mas não fui. Mas correu tudo bem e os que foram gostaram o combate e do passeio...

sexta-feira, outubro 07, 2005

Os Valores

A todo o tempo em todos os "foruns" (fora) se ouve a firmação: "já não há valores...".
A maior parte das vezes ficamos sem saber a que valores as pessoas se referem. Serão os da bolsa?
Outras, temos a ligeira impressão de que se fala de posições de moral, quiçá de fé.
Valores da civilização ocidental, seja o que isso for, do cristianismo, do islamismo, do budismo, sei lá... do induísmo.
Valores traídos, recalcados, sublimados, exacerbados. Valores. Uma palavra, que, pela repetição, se torna igual às outras. Mais que pela repetição, pela negação.
Ainda há dias felizes na vida de um homem. Hoje descobri que o meu real valor é o de poder continuar a olhar-me no espelho. Tem alguma rugas, pode, mesmo não ter a mesma exuberância de outros tempos, mas tem o mesmo olhar. Não faz nada contra si mesmo. Muito Obrigado, espelho meu!

quinta-feira, outubro 06, 2005

POLÍTICA SOCIAL

Uns dias atrás dei um bafo a propósito de promessas de candidato. Um deles prometia taxis gratuitos para velhotes envelhecidos. Eu acho que mesmo idosos conservamos o direito a ter a mania e sugeri, com bonomia, que o candidato fosse mais longe e contribuisse com algumas das pequenas da vida e com razoável regularidade. E não é que, subitamente, me cai em cima uma notícia, proveniente da Dinamarca, relacionada com a minha desinteressada proposta. Uns tristes contestatários ao governo refilaram, com um azedume moraleiro de merda, contra o apoio social que o Estado proporciona aos deficientes, permitindo-lhes acesso a prostitutas, profisssão legalizada. O Estado paga a deslocação da profissonal e os cuidados prestados. Sem taxas moderadoras. Nem espero por domingo, mando já e daqui o meu voto de profundo respeito e admiração pela democracia da Dinamarca e pela sua política social. E abstenho-me de graçolas...

Sem Perder a Ternura

Em 1969, eu exibia, em tom provocatório, numa parede da minha casa virada para uma janela da rua, sempre aberta, um poster flamejante de Che Guevara.Preto e Vermelho, era composto de peças de cartolina, assim como moldes de costura.
Guevara era um modelo, um mito, uma lenda, o que se quiser. Era um sinal dos tempos, daqueles tempos, em que as pessoas se interrogavam a si mesmas em nome de valores tão simples como a solidariedade, a justiça, a partilha, a igualdade nas oportunidades.
Neste momento, tenho à minha direita, numa parede da sala onde escrevo, uma fotografia não muito vista de Che Guevara, com uma legenda ainda mais significativa: "...sem perder a ternura jamais!"
Foram-se os valores daqueles tempos do Che a preto e vermelho, mas também se foi a ternura. Hoje, aparentemente, cada vida se resume a várias batalhas e, no final a uma guerra, cujo inimigo pode estar em toda a parte. Os amigos não existem, ou se existem estão longe, distraídos, ocupados...
Já pouca gente acredita que alguém que não se conheceu e aparece, de repente, nas nossas vidas, pode estar preocupado connosco, com a justiça do que nos acontece; preocupado em partilhar, em ser solidário, em fazer da vida uma estrada de ternura.
Por isso, o Che continua a ser um bom companheiro, porque me recorda as razões e os motivos que me guiam.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Eleições - Voto Nulo

No próximo domingo vai haver eleições para o chamado "poder local", uma das mais importantes conquistas da revolução de Abril. Graças a ela e à lei das finanças locais promulgada por António Guterres, os autarcas ficaram, em Portugal, com o estranho poder de "cunhar moeda". Isto é, um presidente da Câmara, ao alterar o chamado PDM, pode transformar um terreno sem serventia, que nada vale, numa verdadeira mina de ouro. Basta que trace naquele local uma urbanização. Quantas há por aí, já com luz eléctrica, água instaladas, mas sem casas. Basta percorrer algumas das auto-estradas que ligam as grandes cidades...

E essa "moeda cunhada" tem valor real, não é apenas conversa. Pense-se na provável fortuna acumulada pelo candidato contra tudo e todos à Câmara de Oeiras, Isaltino de Morais, nas benesses adquiridas por Santana Lopes no tráfico de influências na promessa de compra de terrenos, na instalação de equipamentos sociais, de lazer, o que quer que seja.

As eleições autárquicas são o jogo do pouco dinheiro, que, somado ,dá muito. Atente-se, por exemplo, no caso de Mafra. O actual e, de certeza, futuro presidente da Câmara constituiu uma rede de interesses tão complexa e tão firrme que ninguém o vai deixar cair. Toda a gente é cúmplice. Eu não me admiraria mesmo que alguns dos socialistas que andam empenhados na campanha contra ele, na hora do voto votassem contra si próprios, a favor dos seus interesses.

Cá por mim, que vou votar, como sempre (lutei muito para que tal direito me fosse permitido) vou anular o meu voto com a eguinte frase: " este já é o referendo para o aborto?"

domingo, outubro 02, 2005

Uma Estória da Rua 48

A senhora já não tinha idade. Era difícil calcular os anos que já tinha calcurreado pela vida. Ela própria já não se lembrava quando tinha ido morar para aquela casa e também não sabia se alguma vez o tecto, sobretudo o da casa de banho, tinha sido doutra cor. Foi sempre assim, cheio de manchas cinzentas e castanhas.
Havia sempre gente nova a entrar no prédio. Uns compravam, outros alugavam. E faziam obras. A senhora sem idade ia ouvindo e lamentando-se. "Que, de vez em quando, lhe chovia em casa!"
Ao todos, duas vezes, assim umas gotas. Achou que, falando com a vizinha de cima, talvez lhe mudassem a cor dos tectos. Estava tão farta daquele cinzento cheio de manchas castanhas...
Chegou o homem do seguro para analisar e alguns dias depois mandou dizer, assim uma crónica semelhante às de Fernão Lopes, a precisar de especialista para decifrar. O especialista levou um dinheirão, mas foi dizendo: de qualquer forma, terá sempre de pagar 100 euros de taxa de caução civil.
"Caução quê?!" - perguntou a senhora do andar de cima. "Então não foi para isso que foram inventadas as companhias de seguro, para assumirem as responsabilidades civis dos cidadãos, que lhes vão pagando todos os anos e, normalmente, não dão nenhuma despesa...?"
"Não foi para isso?... "e o especialista, já a tirar o corpo de fora, dizia. "bem... não é exactamente assim..."
"Isso quer dizer que a companhia de seguros me está a querer roubar, ou que já me roubou mesmo...?"
A mulher sem idade já não ouvia nada, o cavalheiro da cave olhou o céu com os olhos em alvo, a senhora loura do outro andar fez um ar desentendido.
Apareceu, entretanto, o senhor das obras, a desculpar-se, mas ainda estava atrasado, tecnologicamente falando, não podia "tirar radiografias às paredes".
"Radiografias às paredes?"Perguntou a inquilina do terceiro andar, médica, mas que nunca tinha ouvido tal coisa. "Está tudo doido, o melhor é pirar-me" - pensou e começou a correr escadas acima. Quando, de repente, se ouviu um grande estrondo: a banheira da senhora que morava por cima da mulher sem idade tinha desabado por sobre a cabeça da pobre velha.
A banheira tinha a funcionar o sistema de hidromassagem . Toda a gente correu para socorrer a pobre vítima da hidromassagem, a rua toda se sobressaltou e até o senhor do prédio da frente, sempre muito atento às injustiças da vida, se aproximou procurando entender.
A velhota estava sorrridente, a ser massajada, o senhor do seguro classificava tudo aquilo de um verdadeiro acidente, pelo que a sua companhia pagaria todas as despesas. E até já nem se importava de pagar uma banheira com hidromassagem à pobre da velha, toda desgrenhada mas feliz.
O cavalheiro do prédio da frente não achou aquilo normal. Tinha que haver ali qualquer engano. As companhias de seguro não pagam, assim de repente, banheiras com sistemas de hidromassagem...sobretudo a mulheres sem idade.