segunda-feira, março 27, 2006

FAZ DE CONTA...

Se o trabalho desse saúde, os hospitais não seriam precisos para nada. É o ponto de vista mais à mão do amigo do alheio, que também alega que só trabalha quem não sabe fazer mais nada. Mas em boa e honesta verdade o desemprego não é brincadeira e a crise no mercado de trabalho começa a tornar-se dramática. Crise económica, diz-se. Não sei, não entendo! No antigamente, os cafés que vendiam a bica a dez tostões, e depois a quinze, floresciam e a Baixa estava cheia deles. Sofri quando começaram a desaparecer, engolidos pela Banca. Foi a vez das pastelarias, além de bolos e pasteis, venderem cafés e esplanadas e toda a espécie de águas adocicadas. E também algumas foram à vida, que outro poder mais alto se alevantava. Por essa altura fiz como fazem agora os chineses: abalei.
Mas, como cantou o fadista, por morrer uma andorinha não acaba a Primavera e como nunca se deixa de sonhar o mundo pula e avança, bem lembrou o poeta. E, hoje, são os bancos a mudar, a engolir-se uns aos outros e as suas lojas a fechar, a fechar, umas atrás de outras. Qual crise, qual carapuça. Os bancos nunca ganharam tanto! Ora se os bancos ganham porque raio de coisa têm de ser os trabalhadores que ainda trabalham a pagar a crise? Há, na actualidade, menos bancos e, sobretudo, menos bancários, varridos pela idade ou por acordos vários, mas o negócio prospera.
A filha telefona-me e ralha: «Tu não falas das manifs em Paris. Dos despedimentos da lei
Villepin»?
Ora! Ela que fale. Ela é que é de lá. Estou mais interessado no que diz o Paulo Bento. Já nem saúde tenho para o Marcelo e nem sei se alguém tem. Fiquei lixado, lá isso fiquei. E o pior foi que, mais à noite, num programa desportivo francês, conduzido por uma pequena, que nem vos digo! Não foi isso. «Isso» é só bom para levantar o moral; foi a seguir. O director do «Le Point»
botou conversa sobre uma livralhada, um mais daqueles books que os directores não resistem a escrever, as mais das vezes para se dar ares. Mas ele contou um rumor, meio restrito, que dava conta de uma manobra suja, posta a circular para denegrir o pluri denegrido Sarkosy, a qual teria sido maquinada e difundida pelo já citado Villepin. Façam o favor de acreditar que não sou expert em política parisiense, mas nem é preciso para entender que o alvo não era o primeiro ministro, mais ou menos interino, versão gaulesa de Santana Lopes, mas o «senhor» de cima!
Não sei, nem discuto a lei dos despedimentos. Há uns anos esbarrei com «Intermittants du spectacle», uma forma ardilosa de pôr a trabalhar sem vínculo uma classe de trabalhadores. O resultado foi o abuso sobre os que precisam de trabalhar e alargou-se o número de desempregados. Eu conhecia o princípio. Conheci-o em Portugal, a seguir ao 25 de Abril. A festividade proíbia os despedimentos e não demorou a quase paralizar alguns sectores laborais, designadamente a construção civil. Não se podia contractar um pedreiro ou um servente para uma obra. Não havia maneira de se livrar deles, depois. A instabilidade foi crescendo e flagelou
praticamente todo o mercado de trabalho. E foi, se bem me lembro, o primeiro governo de Mário Soares a relançar o mercado e empurrar o país com o implante dos contractos a prazo. Não adianta arreganhar os dentes ou vociferar. Foi a medida adequada na altura. O abuso veio depois e curiosamente até da parte do Estado, que usou e abusou dos contractos a prazo, muito para além dos limites estabelecidos, que eram de dois anos. Mas tinha alguma razoabilidade: as leis laborais atribuiam todos os direitos aos presumíveis trabalhadores e a totalidade dos deveres aos empregadores. Daí que não poucas reformas tenham tido o cunho de quase vingança. Bom, mas disto sabemos todos, os que por cá andamos, assistindo ao encerramento das industrias e a sua transladação para a China, ao mesmo tempo que os chineses emigram para a Europa, onde podem importar à fartazana os frutos da tecnologia ocidental, made in China, a preços de uva mijona...

sábado, março 25, 2006

O Jogo da Bola

Não foi decerto a primeira vez que o Porto eliminou, da Taça, o Sporting como não foi, seguramente, a primeira em que o Sporting esteve por um triz por ganhar no Porto. O jogo foi empolgante e a vitória divina para os que ganharam e a derrota bem amarga para quantos perderam. Não foi, nem será, a última vez que a arbitragem esteve em foco.
É bom lembrar que o resultado dos jogos é imprevisível, que a qualidade das arbitragens também. Que o futebol é a soma desses e outros factores.
Já a questão levantada pelo Vitória de Guimarães é mais delicada. Não que conteste o resultado do jogo, mas porque poderá levar a Federação a sofrer um rude golpe na tirania sobranceira a que se habituou. Não que seja novidade, também a FIFA se viu esvaziada de tirania por um modesto jogador de futebol. Se o clube de Guimarães avançar com um processo contra a FPF por prepotência, forçando os atletas a um esforço que poderia ou poderá limitar a sua capacidade física ou a própria saúde, poderá fazer diminuir a presunção ditatorial dos dirigentes federativos.
Já vai sendo altura dos organismos federativos se limitarem a funções próprias e específicas: organização das competições, nos termos da regulamentação estabelecida.
E numa altura em que a FIFA está de novo a enfrentar a ira dos clubes, pela utilização abusiva dos atletas profissionais desses mesmos clubes, a arrogância dos dirigentes federativos portugueses parece um pouco saloia e merece uma chamada à ordem.
Será bom lembrar os últimos mundiais de futebol e recordar a prestação das principais selecções. A França, então detentora do título, cai na primeira fase sem obter um simples golo.
Portugal também saiu prematuramente e sem brilho, como outros países europeus, provavelmente os mais vulneráveis. Parece que não tem importância: os bilhetes são vendidos prematuramente, os contratos com a Televisão já firmados e pagos.
Também o barulho das luzes foi menos esfusiante este ano, na atribuição dos Oscares. Pois é, pois é! Elas não matam, mas moem. Também Soares aprendeu que nem sempre se ganha!
Mas o futebol continua a ser outra coisa. Com um campeonato desigual, quase sem assistência,
conflituoso, o campeonato nacional, mais fora que dentro do campo, singra. Temos equipa apurada para o Mundial e não pouca ambição.
O mundial está praticamente à porta e tudo serve para falar dele. E deles, dos antigos. Espreitei um dia destes a evocação do mundial de 54, na Suiça. Adorei rever o Puskas. Deve ter sido injectado por tudo quanto era músculo. Tinha-se lesionado dois jogos antes, mas era fundamental na final. O pior é que «aquilo» era a doer. Não havia substituições e a Alemanha recuperou de dois golos e ganhou o título. Foi uma repetição do campeonato anterior, no Brasil.
Foi a primeira vez quer a Inglaterra, pátria do futebol, participava no mundial. A Espanha também lá estava. Havia, bem entendido, eliminado Portugal. Foi giro.Uma noite ouvi pela Onda Curta uma emissora espanhola a anunciar, em tom solene: «Vencemos a pérfida Albion!» Foi verdade:a Espanha derrotou a Inglaterra, que teve participação lastimável, com os seus calções compridos. Mas o Brasil, grande favorito, perdeu para o Uruguai e foi a festa ao contrário. Foi, creio eu, o terceiro mandial. O primeiro foi, salvo erro, na América do Sul. As equipas europeias
foram de barco. Treinavam no convés. umas vezes antes, outras depois do enjoo. Deu para o Uruguai se estrear a ser campeão. Depois foi na Itália, de Mussolini. E a Itália ganhou. Havia de voltar a ganhar, sem Mussolini, em Espanha, se a memória não me atraiçoa.
Depois da Suiça, foi a vez da Suécia servir um mundial. Foi o mundial de Pelé, menino prodígio.
Pelé devia ter quinze ou dezasseis anos quando jogou com o Belenenses, no Rio de Janeiro, pelo Vasco da Gama. O Vasco teve outro compromisso e apresentou um grupo de jogadores emprestados para defrontar os de Belém.
Salpicos de memórias que guardo do futebol, que me habituei a ver desde miudo e fui aprendendo com Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira. Permito-me acabar com um pequeno fogacho: durante décadas o Sporting nunca perdera com os algarvios. Bom, com o Olhanense, mais precisamente, porque era o dono e senhor do futebol algarvio. Mas uma vez, por mór do crescimento económico, perdão, desportivo do campeonato apareceu um tal Lusitano de Vila Real de Santo António. Esse Lusitano, dos baixos da tabela, conseguiu, num dia de semana, nem sei porquê, ganhar ao Sporting, para o campeonato. Muito por culpa de Pedroto, então na tropa, que se tornaria num imenso vulto do futebol. Dele só Pinto da Costa estará à altura de comentar...

quarta-feira, março 22, 2006

José Milhazes

O Mário Crespo tem aquele ar que afasta qualquer um do televisor, mas os anos foram-no ensinando e, o Jornal das Nove da cinco (Sic Notícias) tem dias que deve ver-se e ouvir-se. Ontem foi o caso. José Milhazes, com uma simplicidade absoluta, própria de quem sabe do que está a falar, dissertou sobre os probelmas da Bielorússia, explicando, quase como um professor e, sobretudo, com um bom jornalista, o que está em causa e por que razões a oposição se manifesta na rua contra a reeileição de um presidente que é a extensão do poder de Putin.
"Na passada", Mário Crespo aproveitou o saber de Milhazes e pô-lo a falar sobre as implicações da aproximação da Rússia à China. Voltou a ser claro, agarrando todas as pontas desta movimentação política, aparentemente contra a União Europeia e os Estados Unidos, mas, de facto "contra natura", como ele afirmou.
Não posso deixar de saudar José Milhazes pela recuperação que faz do papel dos jornalistas para um lugar de onde, progressivamente, foram afastados, o do comentário, agora preenchido por políticos profissionais que utilizam os tempos de antena que lhes oferecem, não para serem úteis, do ponto de vista da informação e do esclarecimento, mas para cuidarem das suas carreiras políticas.
São intervenções destas que podem devolver aos profissionais da informação a dignidade que têm vindo a perder limitando-se ao papel de "pés de microfone".
Claro que este Jornalista não tem a vida facilitada. Ele foi despedido pela Lusomundo da sua função de correspondente da TSF.

terça-feira, março 14, 2006

DESTINOS

Quem terá dito: quanto mais avançamos no futuro é o passado que encontramos? Tanto me faz!
Ainda que não acredite que o Benfica possa amanhã jogar com o Arsénio ou o Felix ou o Rogério, que marcou cinco golos numa final de Taça, ou o Xico Ferreira, que só tinha um pé, mas empurrava meio mundo à sua frente. Por muito que se sonhe há passados irrecuperáveis. Mas, de facto, outros surgem quase sem se dar por eles.
Estava a fazer a barba quando me ocorreu o ainda quase jovem Richard Burton a gritar: «cow» à sua, dele, esposa. Nem me lembro do nome do filme em português, mas, nem sei porquê, suponho ser«look back in anger». Ri-me porque a legenda traduzida foi «animalzinho»!
Não, não é minha ideia criticar o tradutor. Era bem tempo, aquele, de censura. Traduzir à letra a raiva do actor resultaria no corte da cena.
Mas porque carga de água estava eu a fazer a barba, porra! não é nada disto. A dúvida estava em querer saber porque é me me viera à memória tal cena do filme, do qual praticamente não me lembro de mais nada?
E voltei a rir. Era o dramaturgo ou coisa assim, Osborne, acho eu. Ele tinha dito, uma boa dúzia de anos antes do Maio de 68, «em cada cinco americanos deviam matar-se seis»! Por esse tempo ainda o Médio Oriente era uma coisinha tipo quarto das criadas, a Pérsia ainda tinha chá (ou Xá?) e o inimigo convicto era a «negra segóvia», como se dizia no café a propósito da União Soviética. Dramaturgo com espantoso poder de síntese e antevisão notável. Nem Bid Laden hoje diria melhor!
O capitão Morgan, pirata-heroi, ia mar fora, à vela, à procura de oiro e especiarias, especialmente joias, que circulavam muito, e muitas clandestinamente, pelos mares. Alguns dos
«morgans» foram presos, deportados ou abatidos. Parecia mal ir sacar o que era dos outros.
Os «morgans» hoje vão fanar petróleo e deles é o reino dos céus. Alguns pagam caro, é verdade, mas são da ralé. O «capitão» persiste, manda muito e, sobretudo, manda cada vez mais carne
para canhão...
Pois é! também já se viu este filme. Lições não faltam, pois não, mas de cada vez custa mais aprender a ler...

segunda-feira, março 13, 2006

O Mundo dos Negócios Ensandeceu

Falava-se...falava-se, mas não havia nada de concreto. De repente, o BCP, coma ajuda de Bento XVI e a benção do JPII avançou sobre os ímpios do BPI - o meu Banco, o Banco que, apesar de tudo, tem um comportamento mais ético, é o menos explorador, presta contas certinhas, essas coisas de que toda a gente gosta...
Uma OPA do BCP de Jardim Gonçalves (Opus Dei) e de outro, cujo nome ainda não sei mas que tem mais ar de sacristão do que o próprio Jardim Gonçalves sobre o BPI.
E o que é que aconteceu? O mercado, o "sacrossanto" mercado reagiu a favor do BPI, fazendo subir as suas acções mais de 25 por cento.
Como é que vão resolver este problema todos aqueles senhores que ganham não uma pipa mas um tonel de massa para dizer coisas inteligentes, tomar decisões certeiras e, de repente, percebem que o mercado não os percebe?
O mesmo está a acontecer a Belmiro de Azevedo. Afinal, a sua tão cantada capacidade de gestão deu resultados muito maus para as várias SONAE'S, o que vem demonstrar a sua inequívoca vocação para merceeiro, porque, apesar da "Escola de Chicago" o aconselhar, ainda não conseguiu desfazer-se do negócio de distribuição - afinal a sua grande tesouraria.
O entusiasmo da Bolsa de Valores de Lisboa tem-se revelado como uma sessão de fogo de pólvora seca.
Algumas notas de rodapé: ao salientar o carácter merceeiro do engº Belmiro, que, ao contrário do que a sua propaganda acentua, não lê um livro há anos, não estou a defender o novo Conselho de Administração da PT - a maior parte dos seus membros nem merceeiros conseguiria ser... Espero, de resto, que o Estado recuse este CA para a PT, já que é um núcleo lacaio do BES.
Já agora: por que razão não tentou o BCP uma OPA sobre o BES ?- um hiopótese muito falada. Será que os homens da Opus Dei tiveram medo de descobrir o diabo por detrás dos cofres que a Judiciária encontrou fechados nas casas de altos funcionários de Ricardo Salgado, sem que estes tivessem, sequer, acesso aos respectivos segredos de abertura?
Por que razão a Judiciária ficou, de repente, sem meios para a investigação dos crimes económicos?

quinta-feira, março 09, 2006

A OPA e os Pequenos Accionistas

Portugal, em pouco mais de dez anos, passou de uma economia cujos fundamentos eram governados, determinados e definidos pelo Estado para um sistema de capitalismo mais ou menos selvagem, instalado em cima da ideia generosa de um capitalismo popular, em que todos, mesmo os trabalhadores de menores rendimentos, poderiam partilhar a propriedade dos grandes colossos económicos.

O processo de privatização das grandes empresas públicas – que ainda não terminou – foi uma fase que resultou na apropriação dessas grandes empresas por grupos económicos que, servindo-se da dispersão do capital, utilizavam e utilizam a sua concentração de votos e o alheamento da maioria para impor as suas leis e retirar benefícios, muitas vezes ilícitos.

Com a Oferta de Aquisição Pública (OPA) de Belmiro de Azevedo sobre a Portugal Telecom, o maior grupo empresarial português, entrámos numa outra fase da transformação da organização económica nacional. Aqui já o papel do Estado é posto em causa e os pequenos capitalistas desprezados e tidos apenas como instrumentos a quem, facilmente, se pode virar a favor ou contra um dos contendores.

Porque, de facto, esta OPA é uma contenda, quase uma guerra, com um palco privilegiado, a Bolsa.

Os grandes espectáculos de comunicação levados a cabo por Belmiro de Azevedo e pelo Conselho de Administração da PT têm o mesmo alvo, mas os processos utilizados são errados. Nenhum deles acreditou alguma vez na capacidade de os pequenos accionistas decidirem da venda ou manutenção das suas acções por uma outra razão que não um pequeno ganho financeiro. São pobres…pensam eles

A verdade é que os pequenos accionistas podem decidir – desta vez – para que lado penderá a balança.

Basta, para tanto, que não tenham vergonha do pequeno número das acções que têm e que exijam ser esclarecidos, quer por Belmiro de Azevedo, quer pela Comissão Executiva da PT de algumas coisas importantes.

Entre elas não conta, por exemplo, saber quem está por detrás da Sonae, se a Deutchtelekom se outra coisa qualquer.Mais tarde ou mais cedo o grupo PT será recordado como mais um projecto que passou, como o ouro do Brasil, a pimenta do Oriente e os milhões da CEE.

Interessa sobretudo que Belmiro de Azevedo esclareça se as acções dos pequenos accionistas lhe vão servir mais do que de entesouramento. Se a empresa, nas suas mãos, vai finalmente, servir para instalar os instrumentos necessários ao advento da sociedade de informação, tanto em Lisboa como em Freixo-de-Espada-à-Cinta, se a alienação de uma das redes significa melhoria na prestação de serviços a mais baixo preço.

Os mesmos esclarecimentos são necessários da PT, cuja comunicação interna é um reflexo da atitude arrogante do seu actual Conselho de Administração, já que, mesmo dentro da empresa, só considera os que, provavelmente, têm um volume importante de acções.

Do Governo, os pequenos accionistas devem exigir que esclareça o que vai acontecer num caso ou noutro: se a OPA for ganhadora, os pequenos accionistas precisam saber se o Grupo PT vai ficar parado para poder financiar a operação, isto é, se Belmiro vai pagar a PT como dinheiro ganho pela PT

Os pequenos accionistas, que além disso são trabalhadores da PT precisam saber da Sonae muito mais coisas. Por exemplo, o que vai ser feito com o seu fundo de pensões, se os seus direitos vão ser respeitados, se as suas organizações sindicais podem desenvolver a sua acção, etc.

Da parte do governo, os pequenos accionistas precisam saber se há acordo quanto à substituição deste Conselho de Administração por um outro, que é um verdadeiro clone do que agora termina o seu mandato, no caso de a OPA não sair vitoriosa. Na outra hipótese, os pequenos accionistas precisam saber se ela resulta em benefício para os clientes e se as instâncias responsáveis por zelar por esse desiderato vão ser accionadas em caso de não cumprimento das leis da concorrência.

terça-feira, março 07, 2006

Finlândia, o Exemplo

O Engº. José Sócrates foi à Finlândia para, segundo os jornais, a Rádio e a Televisão, tentar descobrir as razões do sucesso de um modelo de desenvolvimento económico - o da Finlândia.
Não me parece que o consiga numa curta viagem, tanto mais que o modelo finlandês tem as suas peculariedades, desde logo por se tratar de um país com um Inverno a sério de nove meses.
Todavia, o engº. bem podia nomear uma comissão de sábios, sábios e não os amigos dos primos para lhe relatarem algumas das aparentes razões dos níveis de conforto alcançados pelo povo suomi.
Tal comissão não deixaria de constatar que a Finlândia é o país com o maior índice de leitura do Mundo, aquele onde se traduzem mais livros, aquele onde os professores , para além de uma formação adequada, têm, da parte da sociedade, o respeito devido, bem como as remunerações compatíveis com a sua importância no sistema.
Tal comissão de sábios também não deixaria de anotar que a Finlândia desenvolveu em cascata uma série de capacidades no domínio das novas tecnologias que se traduziram na concretização de indústrias altamente rentáveis e adpatadas às condições demográficas e climáticas do vasto território, com apenas cerca de seis milhões de habitantes.
E a cascata começou com a Nókia, inicialmente uma indústria de borrachas, que rapidamente se transformou na fábrica de um das marcas mais prestigiadas de telemóveis do Mundo.
Ora, em Portugal, além de ninguém (ou quase ninguém) ler o que quer que seja, os professores representam desde há muitos anos uma espécie de saída de "serviço" dos milhares de cursos que as dezenas de universidades foram inventando, desde que apenas precisassem de papel e lápis para ser ministrados.
O resultado disto é a existência de uma sociedade com diversos graus de analfabetismo e onde os amigos dos primos, logo a seguir a estes, são sempre os mais capazes.
Quanto a empresas, a única que poderia iniciar a tal cascata é a PT, que tem sido gerida por um punhado de oportunistas e incapazes de perceber o real papel da empresa e a transformaram numa companhia de especulação financeira.
Ora, o engº. Sócrates ainda pode fazer alguma coisa a este respeito: dar indicações claras de que não aprova e não deixa que se concretize a OPA do verdadeiro predador que é Belmiro de Azevedo e, por outro lado, não deixar que esta administração de incompetentes e oportunistas seja substituída por outra ainda mais ignorante e incompetente e igualmente oportunista
Afinal, a ida à Finlândia pode ajudar...

sábado, março 04, 2006

A Loira da Rua 48 e a Nova Vizinha.

As habituais tertúlias das entradas dos prédios da Rua 48 começaram a crescer, quer em tempo, quer em número de participantes, prolongavam-se já pela rua. O murmúrio foi ampliando-se. Toda a gente comentava e especulava sobre a vida e a sorte daquela senhora, sem abrigo, vivendo num carro.

De manhã lá estava ela, às vezes com calças de fato de treino - "deve ser o pijama" - comentava a D. Camila, a primeira a dar conta daquela situação verdadeiramente inusitada.

À hora de almoço, enquanto lê alguns papéis - por vezes o jornal - come fruta, pão...

" Um dia destes tinha a casa toda desarrumada" - exlica a D. Ermelinda, que agora resolveu cobrir os trinta cabelos com um capucho, daqueles que se usam na neve.

"A casa?" - perguntou o sr Manuel...

" A casa, sim, roupas, coisas e até lençóis, tudo desarrumado no banco de trás do automóvel".

Mais acima, outro ajuntamento comentava a mesma situação. Toda a gente queria saber o que teria acontecido à senhora do carro preto.

"Que forma estranha de viver... é assim uma espécie de sem abrigo de luxo! ", dizia a D. Francelina, a pensar na nora - talvez ela também quisesse ir habitar um automóvel... não podia era ser assim, como aquele, uma viatura de luxo.

Enfim, a Rua 48 vivia intensamente o drama da dama do carro preto. Para as senhoras mais velhas, aquilo era fuga de casa. "Seguramente o marido batia-lhe e ela não tem cara de parva, não aguentou, como no nosso tempo, que tínhamos de apanhar e calar" - era o pensamento quase unânime das mulheres.

Os homens da rua olhavam para a situação com outros olhos, desconfiados. Aquilo podia ser mau exemplo. "E, se, de repente, as suas próprias mulheres resolvessem sair de cada e instalar-se no automóvel?... Que raio de ideia aquela de as ter mandado tirar a carta. É verdade que assim elas também iam buscar as crianças à escola e iam sózinhas às compras, mas esta... fazer do carro casa nem ao diabo lembrava."

E havia os outros, os que pensavam na hipótese de uma aventura... talvez a senhora tivesse "loja" montada no carro. Então a D. Ermelinda não tinha dito que lhe tinha visto a casa toda desarrumada...

"E será que tem filhos? "... interrogava-se o senhor dos sacos, o sr. Abrantes.

"Que drama!" - era a expressão mais ouvida.

E logo agora que a D. Vitória tinha falecido. A quem pedir conselho sobre a atitude a tomar? A Rua 48 estava numa verdadeira confusão. Foi o sr. Ferreira, o homem da garagem, que se lembrou; "... mas nós temos uma nova líder, a nossa Loira..."

E lá foi uma delegação a casa da Loira que há dias não aparecia na rua, depois que foi ao funeral da D. Vitória.

Apareceu à porta com as filhas. Marilú e Francisquinha estavam tristes, abatidas, gostavam tanto sair e a mãe, nos últimos dias, só queria estar em casa.

" Então, o que se passa? "- perguntou com voz triste.

Toda a gente queria falar ao mesmo tempo e logo ela, muito calma, serena, disse: "então? ... assim não nos entendemos. Um de cada vez. Sr. Ferreira, explique lá o motivo de tanto alvoroço".

Muito lisongeado, o sr. Ferreira, descreveu a situação da senhora que vivia dentro de um carro, ali mesmo na Rua 48 e ninguém sabia donde ela tinha vindo, quem era, o que fazia, essas coisas todas.

"Mas, então, as pessoas são livres para viver onde quiserem, mesmo na rua. O que é que vos preocupa? Estou mesmo a ver que é só curiosidade mórbida... Já se interrogaram sobre se a senhora precisa de alguma ajuda?...."

Era verdade, ninguém tinha posto essa questão.

A loira agarrou nas suas filhas e lá foi com a delegação para a rua. Chegados perto do carro preto, ela e as filhas aproximaram-se. Bateu no vidro da janela do lado onde estava a senhora a ler um livro.

Cá de longe, o resto da rua observava a cena. A loira entrou no carrro. As meninas ficaram muito sossegadas, sentadas, uma de cada lado da mãe, no banco de trás.
- A senhora desculpe a minha aparente intromissão na sua vida, mas sabe, esta é uma rua muito especial. Aqui toda a gente sabe de tudo e quando acontece alguma coisa que não consegue explicar, as pessoas ficam excitadas, nervosas. E confiam em mim...
- Já percebi - respondeu a senhora do carro preto - primeiro que a senhora é a líder da rua e depois que toda a gente está muito curiosa pelo facto de me ver aqui durante algumas horas do dia e até da noite...
- É isso mesmo... quanto à liderança... enfim... estamos num processo difícil por causa da morte da D. Vitória... mas em realção ao resto é assim mesmo.
- Então eu explico: sou professora do Ensino Secundário, sou do Norte, tenho lá a família, dois filhos e o marido. Acontece que fui colocada numa Escola nos subúrbios de Lisboa... uma coisa verdadeiramente horrível, mas eu não posso deixar de dar aulas, porque, entretanto, o meu marido ficou desempregado.
- Só desgraças...
- Não diria tanto, mas não tem sido agradável, tanto mais que alugar uma casa naquele subúrbio não faz sentido, em Lisboa são muito caras, bem como os hotéis. Ora, como preciso de poupar o mais possível, resolvi trazer o nosso carro para baixo, fazer dele a minha casa e alimentar-me de uma maneira saudável e barata.
- Estou a perceber...
- Para não ter sempre de andar à procura de lugares seguros onde possa estar, resolvi, depois de ter experimentado vários locais, fazer desta rua a minha rua. A verdade é que já gosto da 48 e das pessoas. Têm um ar simpático, embora me pareça que comunicam pouco umas com as outras..O meu carro é a minha casa. Tenho esperança de que em breve o meu marido possa arranjar emprego para tudo voltar à normalidade. Ele é engenheiro e agora com esta coisa do choque tecnológico, vai, seguramente...
- ...Estou a ver que a senhora é uma optimista. E ainda bem. O tal choque tecnológico não me parece mais que conversa, mas a esperança é a última a morrer... vou então esclarecer a minha gente, explicar-lhes os motivos da sua presença aqui. Terei muito gosto em convidá-la para um chá na minha casa...
- Oh!.. muito obrigado, mas não se incomode.
- ... Combinamos depois, agora tenho que ir... estão todos nervosos.
- Muito obrigado pela sua atenção.
Quando a Loira saiu do carro preto, toda a gente se aproximou dela para saber o que se passava com aquela personagem misteriosa.
Explicou. Houve um movimento de surpresa geral. Toda a gente estava à espera de uma estória passional, de violência doméstica, ou coisa assim.
- Pronto. Está tudo esclarecido, temos mais uma vizinha. O melhor é tratar-mo-la bem. Esta rua tem mais uma casa, que, por acaso é um carro. Espero que os da Câmara não se lembrem de cobrar contribuição autárquica. Coma falta de dinheiro com que andam devemos esperar tudo.
Até depois...
E lá foi a Loura da Rua 48 para casa, contrariando a vontade da Marilú e da Francisquinha. Mas, para ela era ainda tempo de luto por causa do desaparecimento da D. Vitória.