sábado, março 31, 2007

Como estar bem?

Éramos três. Tínhamos vários terrritórios com diversas autorizações e diferentes graus de perigosidade, para percorrer. Éramos como os três mosqueteiros. Onde estava um estavam todos. Tanto como lembro havia outros, da mesma idade, com quem, de vez em quando brincávamos. Mas, nós os três, estávamos sempre do mesmo lado. Ajudavamo-nos a fazer as espadas com que lutávamos lá no Cruzeiro da terra, atrás do qual havia uma espécie de floresta - para nós, naquele tempo, era mesmo . Anos mais tarde estragaram tudo: fizeram lá uma capela: entre a estrada a e a linha de combóio da Beira Alta. Desconfio que os fiéis são poucos.
Até ao Cruzeiro era território autorizado. Nesse tempo não havia automóveis. Passava um por dia, se tanto, e as bicicletas também eram poucas. Toda a gente andava a pé. Para nós havia uma distância que nos servia de medida para todas as a outras. Tínhamos que ir à Loja do Bernardino buscar o vinho para o avô. Ele era o avô dos três, embora fosse pai de um, que, por isso, era tio dos outros dois.
Um tio mais novo quase um ano do sobrinho mais velho e com quase um ano a mais do mais novo - eu.
Para os primos e primas que vieram depois ele fazia questão de ser o "tio Rui". Para nós, os outros mosqueteiros era simplesmente " o Rui".
Eu e ele sabíamos todos os caminhos que levavam a todos os quintais da fruta. Conhecíamos os hábitos de todos os habitantes da terra, a hora da sesta de uns, o tempo que outros levavam da estação até casa. Éramos sempre os primeiros a provar a fruta. Daí ter-me ficado o gosto pela fruta um pouco verde.
Um dia, as ameixas de Santo António brilhavam na ameixieira do Sr. Eugénio. Sempre que lá passávamos avaliávamos a altura em que estariam boas para uma primeira colheita.
Naquela tarde fazia calor e o sr. Eugénio dormia a sesta - de certeza. Saltámos o muro. O terceiro mosqueteiro ficou do lado de fora, para avisar se aparecesse alguém.
Esquecemo-nos que havia um cão e quando já estávamos a colher as nossas primeiras ameixas de Sto. António o cão apareceu a ladrar furiosamente e, logo atrás, o sr. Eugénio, de cuecas e com o cinto na mão. Éramos leves, lépidos e, no mesmo intante estávamos a correr estrada fora, com o terceiro mosqueteiro a gritar por nós.
Tivemos que planear a coisa de outra maneira e fomos lá buscar as ameixas quando o dono estava no combóio, já quele era funcionário da CP. Ali toda a gente trabalhava nos combóios - com eles a andar ou parados.
O avô não. Era independente - ferozmente. Tinha o seu quintal e a sua oficina, vivia entre duas épocas, foi agarrado pela revolução industrial e ficou entre dois mundos, o dos operários - que rejeitou - e o dos camponeses, que o libertava.
O avô era um poeta, contador de estórias. Naqueles dias quentes de Verão, quando não tinha que fazer na oficina, agarrava na enxada, colocava-a ao ombro e, debaixo do braço, levava um livro. Quando se cansava da enxada, sentava-se em cima de um monte de terra e lia...lia, até que o Sol se escondesse lá para os lados da Figueira. Por essa altura passava um combóio a apitar angústias e a avó chamava para a ceia.
Os três mosqueteiros circulavam entre as casas da família, das tias, da minha própria, onde sempre estava a minha mãe e da do avô. Era aqui que nos sentíamos melhor.É verdade que tinha aquela tarefa do Bernardino, do vinho que era preciso ir buscar.
Cá por mim, um dia, recusei: "não vou mais..."
"- Ah sim???!!!.. Então, no domingo, não te levo ao cinema".
"...Quero lá saber..." E fui para casa. Minha mãe estranhou e até fez comentários. Foi perguntando porque é que eu estava tão triste. Acabei por lhe contar a estória, mas fui prevenindo que nada me faria mudar de ideias: " não ia mais ao Bernardino buscar o vinho do avô.."
O incidente, segundo alguns anos mais tarde percebi, perturbou a nossa comunidade e toda a gente se mobilizou para repôr a harmonia. Eu deixei de subir a casa do avô. Agora era ele que passava na minha casa a caminho do Bernardino. Quando o via, sempre ia ter com ele para lhe pedir a benção: "a sua benção, meu avô..."
"...Deus te abençoe, meu filho..." e lá seguíamos cada um o seu caminho.
À medida que se aproximava o domingo a pressão aumentava, mas eu mantinha-me imperturbável. Até que, no domingo, à tarde, estava eu no cruzeiro numa batalha de capa e espada com os amigos da vizinhança, quando apareceu o Rui, de falinhas mansas. Ele e o meu irmão: "...então, não te vais vestir...?"
"para quê?"
"para irmos ao cinema..."
"o avô disse que não me levava... vão vocês os dois".
Começou então o enredo que o avô lhes tinha ensinado: eu iria com eles, atrás do avô, por forma a ele não me ver e quando chegássemos ao Cinema ele acabaria por me ver e comprar os bilhetes para todos. Acabei por embarcar mas - confesso - um pouco contrariado. Não me sentia muito à vontade.
Quando chegámos à bilheteira do Cinema da Pampilhosa, uma pequena maravilha, cópia do S. Carlos, e onde passei alguns momentos mais fascinantes da minha infância, o avô pediu três bilhetes, mas, de repente, como se tivesse descoberto, naquele instante, que eu estava ali: " Ah!... estás aí... ?" e, para dentro da bilheteira: "afinal são quatro"
Enquanto me diverti com o Errol Flyn, acho que no Robin dos Bosques, esqueci a sensação de que tinha sido enganado. Depois que voltámos a casa, estava tudo saneado e o avô continuava com aquele sorriso maroto de quem tinha ganho uma partida de xadrez em vários tabuleiros. E o Rui, o meu companheiro, era o mais contente de todos, apesar de, habitualmente, ser o mais fechado.
A felicidade das brincadeiras, das fisgas, do futebol com bola de meia ou mesmo de papel, haveria, todavia de terminar. Um dia, a família resolveu ir para Coimbra. O Rui ficou com o avô e, a partir dessa altura, viamo-nos de vez em quando apenas. Eu sempre proveitava as férias para voltar à fruta, às estórias do avô e, quando o Rui ia a Coimbra aproveitávamos para ajustar algumas contas com os que nos dificultavam ( a mim e ao meu irmão) a adaptação ao novo meio.
O Rui passava a ser o nosso D'Artaghan e, com ele, punhamos tudo na ordem.
Em Coimbra criámos novos hábitos: íamos ao futebol todos os domingos; ver a Académica e o União de Coimbra.
Depois de convencermos o nosso pai a deixar-nos ir, era fácil: chegávamos junto à porta e penduravamo-nos num adulto. As crianças, naquele tempo, não pagavam bilhete, mas só podiam entrar desde que acompanhadas.
Um dia, o V. de Setúbal jogava no Calhabé e o Rui estava em Coimbra. Queríamos que ele fosse connosco, mas havia um primeiro problema: um dos sapatos dele tinha a sola descolada. Era uma sola de borracha e ele não podia andar com aquilo assim. Resolvi fazer de sapateiro e, com um arame agarrei a parte de baixo à parte de cima do sapato. E lá fomos.
Só que ele não conseguiu a habilidade para se "pendurar" num adulto. Eu entrei e fiquei à espera que ele aparecesse. Nunca mais... e o jogo ia começar. Fui até à porta e o Rui estava encostado ao muro, triste como a noite. Que fazer? Fui ter com os porteiros e pedi-lhes que deixassem "entrar o meu tio...". Acharam piada ao parentesco, tive que lhes explicar, assim a correr, que ele era o filho mais novo da minha avó e ele lá entrou, com um sorriso enorme. A Académica ganhou e nós os três voltámos para casa felizes como noutros tempos. O sapato aguentou e tive, depois, que ouvir o meu avô dizer-me que o tinha estragado . "Estragado...?"
Enfim, coisas de adultos...
Sei agora que teria gostado de ter ficado na Pampilhosa para andar na Escola com ele, para detestar da mesma amaneira que ele detestava o professor que o obrigava a escrever com as letras todas pegadas umas às outras. Eu tive que aguentar sózinho uma professora que tinha a mania das reguadas.
Mas a vida era difícil e não podia ser como nós queríamos. Lembro-me que, de vez em quando, à noite, debaixo dos lençóis, chorava a saudade do meu companheiro de brincadeira do mais que amigo.
Pior foi quando a família resolveu ir ainda para mais longe, para Angola. Aí foi despedida a sério e ficou um vazio enorme. Sempre que pensava no Rui entristecia.
Voltámos a ver-nos éramos já quase dois homens. Ele foi a Lisboa esperar-nos em Alcântara. A família toda estava lá. Ele já trabalhava, tinha obrigações, não podíamos estar sempre juntos, mas conseguimos que alguns dias ficasse na nossa casa. Mas, depois casou e tudo se complicou mais ainda. Vieram os filhos. Fui padrinho do primeiro.O Rui era, agora, um chefe de família e encarava a função "by the book".
Quando regressei a Angola ele foi comigo até Lisboa e estava lá na Rocha de Conde de Óbidos a ouvir o Infante D. Henrique a apitar e a ver os lenços brancos da gente que se despedia lentamente, tão lentamente da amurada que era difícil não chorar. E nós chorámos, cada um do seu lado.
A vida foi-nos separando cada vez mais, mas nunca deixámos de pensar na felicidade dos nossos primeiros anos de vida, das nossas aventuras -umas vividas, outras sonhadas. Não nos víamos, mas sabíamos que estávamos algures, fazendo parte da vida um do outro.
Entretanto, emigrou para a Alemanha. Vinha a Portugal de vez em quando, mas sempre com muitas tarefas, tinha sete filhos. Só nos vimos mais uma vez. Mas eu sabia que ele estava em Hannover e ele tinha a certeza de que eu estava por aqui.
Esta semana, o telefone tocou e do outro lado uma voz triste disse:"tenho uma notícia triste para te dar...?"
"...O que foi? o que é que aconteceu?..."
"...O tio Rui morreu...!!!
Não pode ser, ainda há pouco ele aqui estava comigo, planeávamos não sei o quê, mas era qualquer coisa em que nos iriamos divertir muito. A ligação caiu. Voltou a voz, preocupada comigo: "...estás bem...?"
Como posso estar bem se agora sei que há uma parte de mim que já não existe? Que há luto nas minhas mais recônditas ecordações, nos momentos mais felizes da minha infância... Como estar bem?

sexta-feira, março 30, 2007

ADAMASTOR

Vou um pouco mais atrás, ao lembrar-me do Afonso, que viria a ser o primeiro rei de Portugal, que comprou ao chefe dos católicos o reconhecimento. Possuia, como se sabe, todos os requisitos para ser reconhecido pela hierarquia romana. Prendera a mãe na masmorra do castelo e traiu a confiança do aio. Não foi eleito pelo povo, mas foi por ele aclamado.
Já Pedro era de outro filme. Perdeu-se de amor por Inês, apesar de casado, por interesses do reino, com uma princesa castelhana e porque rei é rei coroou a defunta, que se tornou rainha sem reinar, mas ficou na História. Dela se lembrou Camões e mais tarde Alegre, a propósito de um devaneio amoroso.
Mas do que ninguém parece lembrar-se é do período conturbado que antecedeu o Estado Novo salazaresco. Há como que uma cortina de fumo sobre aqueles anos travados pelo o 28 de Maio.
Sei alguma coisa desse tempo por descrições dramáticas da minha avó. Ela, com o marido e o rancho de filhos, e ainda um cunhado, fugiram de Porto, alucinados. Não eram nem fidalgos nem burgueses endinheirados. Operários da construção civil. Os dois filhos mais velhos já trabalhavam e eram ourives. As duas meninas e o mais novo frequentavam a escola. O garoto, que viria a ser o meu pai,tinha acabado a segunda classe e em Lisboa já não voltou aos bancos da escola; foi trabalhar no comércio. Instalados numa parte de casa. Duas salas, só uma com janela para o exterior, para todos. A mãe dispunha de uma máquina de costura "singer" e costurava dia e noite. O rapaz mais velho tornou-se alcoólico e viria a morrer de cirrose; as meninas foram evidenciando pouco recato. A mais velha casou e teve duas meninas, mas perdeu o marido. A outra foi trabalhar para as tintas, num velho armazém, em S. Paulo. Casou, teve uma filha e virou, até ao fim dos seus dias, dona de casa.
A minha avó era salazarista, Enquanto fui miudo não me ralei com isso. Ia vê-la amiude por mor dos dez tostões que ela me dava de cada vez que lá ia. Já adolescente despertou-me a curiosidade. O meu pai ou os meus tios nunca souberam ou quiseram explicar-me. A minha avó era uma mulher sólida e independente. Teve de assumir o barco desde que o marido morreu poucos anos depois de se instalarem em Lisboa. A filharada foi saindo, incluindo o último, já nascido na capital e ela acabou só, na sua parte de casa.
O que me descreveu do seus tempos no Porto foi, de facto, impressionante. Um clima policial, sombrio. Rusgas permanentes, prisões arbitrárias. Tortura. Uma forma de ameaça permanente que aterrorizava especialmente as mulheres, mães de família. A situação não diferia muito em Lisboa, mas poupava de algum modo os forasteiros, desde que não conotados com facções políticas. Ainda assim contou-me casos de violência notórios, que hoje me parece estranho que se hajam volatilizado, como que durante muitos anos fez com que a rua Serpa Pinto fosse conhecida por «rua da leva da morte». Um desses grupos de cidadãos suspeitos de actividades políticas ilícitas, detidos por rusgas nocturnas, alguns dos quais em casa, levados para as instalações policiais, onde se instalou depois o Governo Civil, esbarrou com uma manifestação tumultuosa e não foi de modas: encostou os detidos à parede da rua e fusilou-os.
A minha avó, que trabalhava desde as oito da manhã até não sei às quantas da noite, quis crer que a situação no país foi melhorando desde o «28 de Maio». Quem não devia, não temia, achava ela.
Tive sorte, pelo meu lado, em ter tido um prof na instrução primária que não alinhava pelo conceito do Estado Novo. Era trasmontano e não sei o que é que ele pode ou não ter sofrido, mas não alinhava, não vendia: ignorava. Nunca o ouvi falar de Salazar, nem do Estado Novo. Fomos poupados a isso.
Eu sei que do meu tempo muita gente sofreu agruras. O Tarrafal é uma bandeira do Estado Novo, significativa. Provavelmente não tão significativa como Guantanamo. E sei que o Santa
Maria existiu e sei que por cima de nós um avião despejou um grito de revolta, em forma de panfletos. Fomos inovadores na matéria.
Mas Salazar era uma triste e solitária criatura. Era o rosto do regime. «Reinou» até ao fim, porque o deixaram conduzir a viatura. A par dele, Franco dominou toda a Espanha. Tal como o vizinho mais antigo, morreu mo seu posto. Mas, quer um, quer outro, não poderiam ter exercido o poder sem amparo. Existiu, de ambos os lados, muito boa (ou má?) gente que apoiou e segurou o poder. Era possível derrubá-los, se tivesse sido essa a vontade dos que podiam fazê-lo e que o fizeram quando lhes deu na gana. Curiosamente, nem Franco nem Salazar foram derrubados, mas os regimes sossobraram após a morte natural dos manda-chuvas.
Ainda hoje, a propósito do «manholas» ter ganho um prémio, ouvi uns artistas falar da emancipação das mulheres, como se também disso ele tivesse culpa.
A concordata era um (péssimo) acordo entre duas partes, mas dá mais jeito condenar só uma delas. A guerra em África foi tida como uma causa que acelerou positivamente a emancipação feminina. Exagero, claro. Não foi por ser a de África, mas por ser a guerra, como se viu na Europa, mais precisamente. Mas independentemente dos divórcios ou das guerras, o que despoletou a explosão libertadora da condição feminina foi a pílula, meus senhores. O aborto só se tornou o dilema monstruoso a que chegou a partir do 25 de Abril. E muito por culpa de quem sabia, porque podia, ultrapassar obstáculos e não foi capaz de fazer a cama!

quinta-feira, março 22, 2007

DIREITOS...

Um grupo de cientistas de renome internacional, entre os quais um portuga, reuniu-se numa loja de ciências americana para um estudo sobre que fazer em caso de...
Não faço ideia a que conclusão chegou porque não tive pachorra para ler a notícia toda. Não pretendo insinuar nada sobre o matutino e as pessoas que alinhavam as notícias ou os comentários. A ideia era a de saber se deve ou não matar-se quem represente perigo para terceiros e dava como exemplo a hipótese de uma pessoas infectada com um virus aterrador poder cascar em cima de terceiros o filho de puta do virus.
Não fiz,pois, ideia a que conclusão chegou. Mas presumo que provavelmente os cães que mataram uma mulher, em Sintra, sejam abatidos. O dono dos cães vai ter que comprar outros ou mudar a sua ternura para os gatos, que só arranham, não matam...
A legislação de países ditos civilizados não pactua com a pena de morte. Matar o próximo não é permitido. Noutros casos, ainda persiste a pena de morte. Com ela é necessário alguém que carregue no botão, que enfie a corda ou dispare a bala, que mate o condenado.
Não discuto. Aceito que seja bárbaro. O Iraque não é exactamente uma colónia de férias. De momento, os estrangeiros não são turistas. Vão lá matar e ser mortos.
Qualquer pessoa que tenha um carro pode matar o semelhante e esperar que a companhia de seguros pague e os outros semelhantes não refilem.
É bem mais difícil morrer, quero dizer: mais difícil querer morrer. Um tipo tem direito a ter carro, a ter o feitio que tem, a ir para a guerra ou ir à bola. Tem direito a férias ou a ser despedido. Pode eleger o António da caçada ou agredir Maria José e, se quiser, dizer que não.
Só não se pode querer morrer, pedir que o poupem ao sofrimento. Um velhadas, como eu, não pode responder: não senhor Sócrates,não quero os dez por cento para nada. Prefito morrer de morte serena. Em Espanha anuiram, ao cabo de dez anos, aliviar o sofrimento de uma paciente ligada à máquina, mas a santa igreja pediu que a tirassem primeiro do hospital com nome católico. Em França, uma médica teve uns tempos suspensa do exercício da medicina porque, num hospital uma enfermeira denunciou uma colega de ter injectado uma doente, com intenção de provocar a morte. A enfermeira foi acusada e foi a médica que assumiu a responsabilidade de ter prescrito o fim do tormento da paciente. Médica e enfermeira tiveram honras de TV. Mas eu bem gostaria de ter visto a fuça da vil denunciante!
O país anuiu conceder às mulheres, e a meu ver bem, o direito decidir o que fazer da gravidez.
Então porque insiste em retirar-me, retirar-nos a todos, o direito de partir quando cada um de nós o entender, o desejar?
Não pretendo interferir na discução do como e em que ciscunstâncias se pode matar. Mas o direito de cada qual sair de cena quando lhe aprouver. O suicídio é uma fuga. A decisão de acabar
a vida é, deve ser, um direito. E não há o direito de não reconhecerem esse direito, que é de todos nós!

terça-feira, março 13, 2007

O PREÇO DAS COISAS

Até pode ser que o assunto seja sério, mas dei por ele com um sorriso, expontâneo: o custo zero dos «metro», distribuidos na rede de Metropolitano, está a ocasionar dissabores nos quiosques ou lojas afins. O matutino, que referia carinhosamente os ardinas (onde eles já vão!...), criticava abusos na distribuição dos «gratuitos», uma espécie subterrânea, como se sabe. O jornal não se assumia como parte interessada. Limitava-se à reportar os prejuizos nos postos de venda, onde a freguesia parece escassear.
Sou do tempo em que os jornais, matutinos e vespertinos, custavam uma «c'roa» ou cinco tostões, se preferirem. Não havia metro, debaixo dos pés, nem jornais gratuitos, e os ardinas esfalfavam-se, a correr pelas ruas, a trepar pelos eléctricos, Quando os autocarros fizeram a sua
(deles) aparição já os diários custavam oito tostões. Vendiam-se bem, os jornais, que criaram o hábito de ler quase tão natural como o de fumar.
Bom, vamos lá a ver, não havia, por esses tempos, um monte de coisas, que vai havendo agora e que ajudam as pessoas a prolongar-se no tempo. Morria-se por dá cá aquela palha. Os antibióticos ainda não tinham encetado carreira. Nem se cuidava saber dos malefícios do tabaco.
A necrologia era muita lida, apesar dos acidentes de viação serem escassos. A opinião de fundo era ligeira; as novas sobre as guerras eram confusas e a moral muito convencional. Já devem ter percebido que nem se imaginava por estes lado que houvesse, ou viesse a haver, televisão.
Pelo lado mais popular, havia o futebol, que levava as pessoas à bola e a ler jornais; e, o que não era pouco, o ciclismo, que tinha muitos adeptos e muita leitura nos jornais. Nem só pelo «volta a Portugal», as diversas corridas em pista tinham muitos entusiastas. Por um jogo de futebol ou por uma etapa da Volta consumiam-se edições e edição de vespertinos. Era frequente algumas das etapas mais alargadas justificarem três e por vezes quatros edições suplementares, até se saber quem ganhou a etapa. Nem a Rádio se metia nisso. No Rossio, ficava-se horas à espera
de ver no placar os resultados do futebol ou das etapas da Volta.
A Rádio transmitia, aos domingos, às sete e cinco da tarde/noite o resumo da primeira e o relato da segunda parte de um jogo de futebol do campeonato português e, em diferido, já se vê, que nesses idos, não havia nocturnos. A referência ao «sete e cinco» teve a intenção de sublinhar que às 19h05 já havia terminado o bloco de notícias.
Mas, meus senhores, entre as 17 horas, na rua, e as 19 na Rádio, muito jornal aparecia fresco a apregoar o «traz-a-bola».
Nesses tempos épicos um jornal era coisa séria. Uma empresa gráfica, que entre coisas várias, editava um jornal, possuia uma distribuidora própria para colocar no mercado o seu produto. A redacção de um matutino quase não parava. A redacção «fechava» entre as três e meia e as quatro de manhã. A Censura dava por encerrada às três da manhã. Depois disso só notícias sob responsabilidade do director. Mesmo assim, os acontecimentos chegavam frescos aos leitores, ávidos por novidades, pelas notícias.
O progresso foi madrasto para a imprensa escrita. Primeiro a Rádio, depois a Televisão, deram o salto. As notícias e os resultados do futebol chegavam primeiro pela Rádio e, mais recentemente,
pela Rádio e Televisão. Só depois surgem no papel. Ao princípio nem se registou quebra nos jornais. Quem ouvia o resultado na Rádio ou´na TV ficava impaciente para ler o que iriam explicar os jornais. Aliás era assim para quase todo o género de notícias. Não havia o hábito de digerir pelo som ou imagem. Era preciso ler no jornal. Eles lá explicavam de maneira que se entendesse!
Lembram-se quantos diários havia em Lisboa no Abril de 74? Quantos matutinos? Quantos vespertinos?
Em 76, Manuel Alegre jurava que o Século não podia fechar. Alguém se lembra do Jornal Novo?
E do Diário de Lisboa? Da República? Do Popular? E outros, sei lá quantos. Tentaram diminuir o peso. Perderam as oficinas; a distribuidora própria. Perderam sobretudo leitores. Aos poucos os jornais começaram a ser claramente o jornal de ontem. Os temas principais já são conhecidos de véspera. Qualquer notícia que irrompa depois das nove da noite e que movimenta todos os meios de Rádio e Televisão é muda na imprensa matutina.
O «metro» não é uma novidade lisboeta. Creio ter sido por iniciativa nórdica. O primeiro exemplar que li foi no Metro de Madrid. Anos depois assisti à manif dos sindicatos franceses, que incendiaram uma das primeiras edições a distribuir nos subterrâneos de Paris. Estava a começar a campanha para as presidenciais. Três dias depois o matutino começou a circular livremente. Por acaso com uma banca à porta de um café, no «meu» bairro. Quando por lá estou, e de manhã vou aos croissants, abicho um pasquim, sem me incomodar. De vez em quando compro um «Canard» e sonho com os «Rídiculos», quem se lembra?

sábado, março 10, 2007

Ei-lo, o D. Sebastião

De implantes no cabelo, com dentes novos, um novo estilo no andar, provavelmente com novos amores, ei-lo que volta numa noite de nevoeiro a anunciar a manhã da esperança, quando ele, montado num carro novo, comprado por ele - já não pela Universidade Moderna (para que se compraram, afinal os submarinos e tantas outras coisas?) - voltar ao Largo do Caldas para daí dirigir já não a direita pura e dura, mas o centro direita.
Sim, porque um homem como ele não se nega, não pode ficar indiferente à ruina da direita, do centro direita e até da esquerda. Ele não quer saber de ruínas, nãos as tolera e, por isso, vai voltar. Com directas "Já", tal como o Tancredo Neves em 1983, no Brasil.
D. Sebastião ( o do centro-direita) está de volta e ao ataque. Eo pior de tudo é que todas as perguntas que havia para lhe fazer, nunca ninguém as fez. Será que este D. Sebastião gastou todo aquele dinheiro em cavalos para nos defender dos mouros?

POR MORRER UMA ANDORINHA...

Proíbir tornou-se uma tentação neste país, mesmo se o ministro da saúde desproibe hoje o que proibiu ontem. Para ele tornou-se urgente. Mexe e remexe nas urgências e nos cuidados de saúde e, agora, no uso do tabaco.
É preciso não fumar aqui e além e mais além e mais ali. E em não sei onde também. A ideia aparece como cuidados de saúde: o tabaco mata. Mata, sim senhor, mas também os automóveis matam e não se proíbe a sua deles circulação pela vielas, travessas e outros arruamentos, nem de estacionar sobre os passeios. A minha tia ia todos os dias à missa e quando fez oitenta anos morreu. E ninguém, nem o senhor ministro da saúde se lembrou de proibir as pessoas de ir à missa. Julgo saber que D.Afonso Henriques nunca fumou e não deixa por isso de ser um dos dez mais!
Acredito piamente nos malefícios do tabaco. É uma droga semelhante a umas tantas outras que são proíbidas e sobrevivem à custa de tráfego ilícito. Mas o tabaco é um negócio lícito. Não sei porquê, mas é. É um negócio empresarial como tantos outros mais ou menos discutíveis. Como o alcool,por exemplo. Quem mais aproveita dos vícios (fumar ou beber) é o Estado. Essa é que é essa! O que o Estado arrecada é uma festa. Como todos os pecadores, o Estado envergonha-se de extrair vantagens com o crime e, de vez em quando, faz o zelador. Assume que o tabaco faz mal. Proibe os deputados de fumar no hemiciclo, mas permite-lhes que se satisfaçam no Passos Perdidos. Não se pode mais fumar nas tasquinhas, nem nos carros eléctricos, mas pode-se fumar onde o espaço não seja problema, nos enormes e caros restaurantes, bares matulões. A cada restrição que ciclicamente o Estado impõe, segue-se o agravamento do preço da venda de tabaco e, bem entendido, o aumento das taxas a favor das finanças ditas públicas.
Será razoável exigir do Estado que não autorize o fabrico de tabaco, nem a importação do dito?
Será humano sugerir sequer que o Estado reduza a taxas que cobra pela comercialização do vício?
Não seria mais creativo sugerir que o Estado proibisse apenas a comercializacão interna e autorizasse a exportação para os talibans ou outros árabes afins, com o compromisso solene de todos os sábados ir à missa perdir perdão?
Não sou parte interessada. Há muito que deixei de fumar. E não é meu hábito chatear os que fumam à minha beira. Começa é a faltar paciência para tanto cuidado de saúde humanista do governo.

sexta-feira, março 02, 2007

DESTINOS

O autocarro do costume (do meu) mudou de número e de percurso. A Casa da Imprensa também mudou. O número da porta é o mesmo e o posto médico no quarto piso, como dantes. Não foi isso que mudou, quero eu dizer. O governo entendeu fechar a caixa de previdência dos jornalistas, os ditos quais ficaram desprevenciados ou desprevenidos, isto é: sem o amparo da Caixa prestado à Casa. Jornalista sofre. Nem sequer pode recorrer, melhor dizendo: ir a correr, a Badajoz, para arrancar um dente ou parir, se for o caso do jornalista ser fêmea.
Frustrados, lixados e ofendidos, os jornalistas vão ser implacáveis. Vão atacar o Benfica e denuciar os encarnados de viverem à custa do Simão; insultar Pinto da Costa por apitar demais e acusar o Sporting de ter Paulo Bento a mais e vento a menos. Com jornalistas não se brinca. Claro, vai decerto reconhecer Sócrates. O governo não brinca e muito menos com os jornalistas! É a sério, pois! Sim senhor, muito a sério, como eles merecem, há-de ele dizer à Televisão e reforçar o carisma.
O que vale é que a oposição não dorme: come e cala, crente no efeito aterrador do silêncio, sobretudo se for um silêncio silencioso e minúsculo. Não se espere cataclismo do largo das Caldas, nem de Buenos Aires ou reacção dos destemidos de António Serpa.
Há excepções. Não viram o prof Martelo a criticar o desvio do pasquim que publica a súmula das marteladas domingueiras?
E, no dia seguinte, o matutino pespegava logo na primeira página a revelação cuidadosa do tamanho dos pirilaus dos portugueses, quer em condições de soberba ou na hora do sono.
Desconheço se o governo tremeu de emoção e face a isso tenha recuado nas urgências. O referendo recebeu um apoio prometedor e por seu lado concede um estímulo apreciável.
E, ontem, foram os polícias a fazer espera na auto-estrada. Entre motoristas enebriados e outros quase embriagados apareceu por lá Marques Mendes, que conversou com os guardas com amenidade e teve suficiente malícia para sublinhar a presença dos meios de comunicação social.
De facto o que melhor assegura o sucesso de uma operação sigilosa é a presença dos jornalistas.
Outro tema jornaleiro em foco é o dos diários gratuitos. A coexistência, pois... Nem vale a pena discutir: Ninguém é obrigado a ler jornal gratuito, pode comprar os que quiser. Pela minha parte nem borla perdia tempo a ler alguns dos que se pagam, apetecia mais dizer dos que se vendem, no sentido pejorativo do termo. Dêem os jornais, quanto mais à borla melhor. Em vez de suplementos ofereçam «camisinhas» perfumadas ou a pílula do dia seguinte. Em tempos de guerra não se limpam armas e se não há paz entre os Oliveiras, armai-nos, Senhor...