domingo, julho 04, 2010

O Regresso da Loira da Rua 48

Durante os últimos anos, abateu-se sobre a Rua 48 uma tristeza estranha; os vizinhos deixaram de sorrir quando se cumprimentavam. Parecia uma viela triste, sem sol e sentimentos. O Presidente da Junta fez todos os possíveis para, primeiro, perceber as razões por que a sua gente tinha mergulhado em tamanha tristeza. Infrutíferas, tais diligências motivaram o efeito contrário: os eleitores deixaram de apreciar o seu presidente e as eleições que, entretanto aconteceram, foram um desastre para o "dono" do bairro onde se situa a Rua 48.
Outro presidente que, sem conhecer a alegria da Rua anteriormente, não se preocupava com o ar macambúzio dos seus eleitorees. Ele já tinha como certo o cargo de presidente da Junta. E a vida foi correndo, "apagada e vil tristeza" (Camões) que foi contagiando as gentes das ruas mais próximas.
Aí, o novo presidente, a quem é preciso dar um nome para entender as razões da vitória eleitoral, portanto o Sr. João Pinto (nome igualzinho ao célebre futebolista que jogou no Sporting e no Benfica e de quem toda a gente gostava) começou a dormir mal. Por mais obras que fizesse na Freguesia, nada melhorava o ânimo dos seus ex-eleitores que, seguramente - temia ele - o não seriam nas próximas eleições.
Levantava-se cedo e percorria, muitas vezes a pé, parte do bairro para auscultar as populações e tentar descobrir o que fazer que lhe garantisse a continuação no cargo.
Um dia, já o Sol mergulhava lá para os lados do mar e ele ouviu um murmúrio indicativo de muitas vozes alegres que se misturavam na brisa de fim de tarde e que aos seus ouvidos soavam como uma partitura semelhante ao "Adágio" de Albinoni. Porque se terá lembrado ele desta melodia? E só pela lembrança sentiu-se feliz. Ele era, afinal, um presidente erudito. Albinoni. Que raio!
Aproximou-se e viu um aglomerado de algumas dezenas de pessoas que se riam e falavam, atropelando-se, tal era a ansiedade com que queriam exprimir a sua alegria. Entretanto, outras pessoas se aproximavam do meio da Rua 48 e aligeiravam o passo.
O Sr. João Pinto começou a correr e, quando chegou junto daquilo que já era uma verdadeira multidão, descobriu, no meio, uma mulher loira e bela, com uma sorriso magnético e do qual toda a gente estava suspensa.
A Loira da Rua 48, mais bela do que nunca tinha regressado à Rua da sua infância, dos seus amigos e os vizinhos exultavam. Finalmente a crise seria nada, já que a Loira anunciava aos quatro ventos o seu noivado.
Tinha regressado porque queria que seu noivo partilhasse com ela as alegrias de viver entre gente tão especial: lá estava a senhora que aos fins de tarde chegava de taxi. E também ela sorria. Aquele senhor, sempre mal disposto, sempre a protestar contra os capitalistas, tinha deixado a pena com que zurzia financeiros e governantes, para ir cumprimentar expressamente a Loira da Rua 48, que mostrava, com requinte nos gestos e elegância nas palavras e até com pudor nas atitudes, o seu belo anel de noiva.
Toda a gente queria saber do noivo. A Loira prometeu apresentá-lo na melhor altura.
Entretanto, a correr e ofegante, chegou o antigo presidente da Junta e depressa percebeu a razão da sua derrota eleitoral. A Loira era a vida daquele bairro e não só da Rua 48. Foi ela que lhe faltou durante todo aquele tempo. E não resistiu. Pediu a palavra para se dirigir à bela noiva:
Percebo agora que és uma benção que nos calhou e não apreciámos devidamente. Eras como o Tejo para o qual já não olhamos embora seja um rio tão belo como os mais belos, daqueles que levam as pessoas a percorrer milhares de quilómetros para ver; percebo agora o teu brilho, igual ao da luz de Lisboa indiferente aos lisboetas porque a têm todos os dias, mas que maravilha as gentes de fora, mesmo as que aqui chegam vindas de outras terras com luzes igualmnente cantadas pelos poetas.
E continuou o antigo presidente da Junta: acho que posso afirmar, em nome de todos os nossos vizinhos que te AMO e não te quero perder.
Amo-te na pureza do teu olhar
Amo-te na verdade das tuas palavras
Amo-te na justeza das tuas atitudes.
O povo irrompeu em aplausos e a loira deixou que uma lágrima lhe acontecesse no canto dos olhos verdes, lindos, felizes e ao mesmo tempo nostálgicos.
E disse a Loira da Rua 48: "Gente da minha rua e do meu bairro, percebo agora que fosteis injustos com o nosso presidente. Temos, todos, que rectificar o mal feito. Nas próximas eleições vamos querer o "nosso presidente".
Já se ouviam palmas e verdadeiramente a rua entrou em delírio com o regresso da Loira da Rua 48. A vida ia voltar a ser bela.