quinta-feira, setembro 21, 2006

DEGELO

É no poupar que se lixa o ganho. Quando a Carris era dos ingleses, os ingleses ganhavam. Quando Salazar comprou a Carris, os ingleses arrecadaram. A Carris portuguesa já estava feita. Possuia eléctricos e autocarros, mas...
...Mas, no entretanto a cidade enchera-se de popós, de vários tamanhos e diversas qualidades.
Até ao fim da guerra, os automóveis eram difíceis de obter e havia enormes listas de espera. As viaturas europeias surgiram em quantidade e com acessibilidade de preços. O que não era acessível era o tráfego. Os carros tropeçavam nos eléctricos. A engenharia do princípio de Século passado era pouco renitente em aceitar o progresso ou prever o futuro próximo. Os carris por onde os eléctricos serpenteavam foram colocados bem no meio das vias, ruas ou avenidas, o que forçava os automóveis e camiometas ou a seguir na cola dos «amarelos» ou a ultrapassalos pela direita!
As avenidas, ditas novas, possuiam, além de muitas e frondosas árvores e dos passeios laterais,
uma acolhedora vereda, bem no meio, muito agradável para quem andasse por ali a pé, como eu andei muitas vezes. Menos no meio, mas puxada para a esquerda, a linha do eléctrico e o dito por cima permitiriam que os carrros ultrapassassem as eléctricas viaturas. Permitiriam, disse bem. Na realidade não permitiam muito: as pessoas (não se ofendem se os disser clientes?) esperavam junto às paragens, em plena faixa de rodagem. Tempos houve que em certas calçadas outro tipo de transporte muito em voga levantava problemas: as carroças puxadas por cavalos ou burros, As pedras polidas faziam escorregar as bestas, que amouxavam. Era preciso
Desaparelhar a carroça do lombo do animal e ajudar o bicho e reerguer-se, recolocar a carroça e zarpar. Levava o seu tempo. Exasperava os neo-apressados prestes a tornar-se furiosos da velocidade. Se bem se recordam os mais idosos, a cidade estava cheia de chafariz e eles possuiam além de bicos ou torneiras, tanques, onde os animais aliviavam a sede.
Além da engenharia distraída, também a economia e os economistas se afiguravam um tudo nada primários. A Carris estava repleta de trabalhadores. Um para conduzir, outro para vender bilhetes e, de vez em quando outro para controlo, o chanado revisor. O que eu nunca entendi era o condutor, ser o que vendia bilhetes e o que conduzia o veículo, ess, ser o garda-freio. O mesmo, depois, nos autoccaros, mas, nestes, o guarda-freio era motorista.
Passou-se o mesmo quando, finalmente, chegou o «metro». Muita gente a trabalhar. Era como no comboio: vendiam-se bilhetes na bilheteira,vejam lá! Havia pessoal para controlar a entrada e o detestável revisor.
Foram-se fazendo tentativas para melhorar a circulação, umas conseguidas outras nem por isso.
Do Chile para o cemitério do Alto de S. João, os carris foram encostado à esquerda, junto dos passeios, ficando o centro da via livre para automóveis. Não valeu a pena o trabalho laborioso: a carreira por ali terminaria pouco depois.
Com a chegada da sacrossanta economia de ponta asa coisas mudaram, deshumanizaram-se. Grande parte do pessoal da carris, «metro» e «CP» foi dispensado. É a versão nova do «meio do caminho» de outrora. Menos gente gera mais lucro. Nem é verdade. As maquinetas custam caro e não substituem a mão de obra. Os preços foram inflaccionados porque sem controlo apertado é muita gente que se exime de comprar bilhete. Grosso modo, o motorista dos autocarros não pode, e se calhar não quer, controlar os passageiros. No «metro», basta ir ver: são imensos os que penetram sem ticket. «Eles» não são distraídos, sabem bem como é, mas preferem assim: paga o justo pelo pecador, aumenta-se o preço.
Podia ter-se optado por uma linha de salários baixos, que desse emprego temporário, para jovens, por exemplo, que dantes iam para o serviço militar obrigatório. Ñão seria necessário importar tanta maquineta. O aumento de pagantes compensaria a mão de obra, mesmo algo excessiva. Mais gente a trabalhar é mais gente sem tempo para passear por maus caminhos. O problema é que a economia não tem coração...

terça-feira, setembro 19, 2006

PERDER OU DESPERDER

Perco-me frequentemente a ver a bola. Admito que já lá vão uns anos desde que vi o último jogo, no seu habitat natural - no estádio, isto é: no campo, como se dizia, no tempo em que eu ia à bola. Dizer campo do Benfica tinha a vantagem de não dizer «campo 28 de Maio»! Mas aconteceu ao Braga, vejam lá, jogar num sítio que se chamava «estádio 28 de Maio», inaugurado, creio eu, em ano redondo:1950. E foi precisa muita imaginação para lhe mudar o nome, logo a seguir à revolução de Abril!
Por essa altura, o nosso clube quando perdia era sempre por culpa do árbitro. O meu vizinho dizia a mesma coisa, mas o clube dele era outro. Não havia televisão e, por isso, eramos todos
ferrenhos do nosso clube e os árbitros uma boa e honesta desculpa para as derrotas. Nunca um clube nosso ganhou por ajudas alheias. Era assim. Foi assim um monte de anos. Uma vez um árbitro desapareceu de cena. Creio que se esforçou demais para que o Benfica fosse campeão. A influência vinha de cima. Nesse ano os encarnados empataram no Restelo, logo no início do campeonato. O Benfica protestou. A decisão foi-se diluindo no tempo até que, já perto do fim,
os encarnados complicaram e ficaram à mercê do Porto, que igualara o Benfica no topo da tabela, mas com melhor saldo.
Por esses anos «gloriosos» a Federação era isenta até dizer chega. O presidente ou era do Benfica ou do Sporting, salvo uma vez por outra que podia ser do Belenenses. A democracia de então não dava para mais. Nesse ano a Federação acabou por dar razão ao Benfica. O tal jogo com o Belenenses foi anulado e repetido, uma quarta-feira antes da última jornada!
Por acaso eu vi o jogo. O que o futebol tem de bom é que por vezes passa a imagem de que no seu seio tudo se perde nada se transforma! O Benfica «arrancou» um empate a um golo, exactamente o mesmo score do jogo recorrido. Tudo ficou na mesma. Aos lisboetas bastava ganhar à Cuf aí por uns seis ou sete golos e o Porto ir a Torres Vedras não ganhar mais do que por um. Os rapazes do Torreense iam-se encher-se de massa se empatassem. Mantiveram o empate bastante tempo e, depois, o zero-um até quase ao fim. Na Luz, o árbitro acho que assinalou uns dois penaltos e os encarnados conseguiram falhar um. Na ânsia de marcar golos, os encarnados remataram muito para muitos lados menos a baliza. Mesmo assim, e com a pertinácia do árbitro, o Benfica chegou aos sete, se a memória não me falha. Mas a Cuf ripostou com três. O Porto foi campeão. O árbitro nunca mais apitou. Também não foi convidado para fazer comentários. Sumiu-se...
O árbitro que validou o golo do Paços, obtido com a mão, não deve ter visto a falta. Também Maradona usou a mão. Acontece, não é o fim do mundo. Não será por isso que que Pinto da Costa lhe oferecerá umas férias noutro Continente. Ao intervalo o árbitro soube que tinha metido água. Em todo o jogo o Sporting meteu água e não meteu nenhum golo. Eu e os senhores da Televisão só vimos a mãozinha marota na segunda repetição do lance. O juiz não tem TV.
Eu tenho e no dia seguinte voltei ao sofá para o Nacional na Luz. Vi um bocado. Quando a mulher me acordou o jogo já tinha acabado. Pela manhã vim ao computador e fiquei a saber e o amigo que me telefonou foi mais explícito: «Sim,sim, o Benfica ganhou, mas tu não perdeste nada»...

sábado, setembro 09, 2006

DESINJUSTIÇAR

Pessoalmente não me importava que a «justiça» não fosse cega, nem fosse surda ou até que botasse, de vez em quando, o seu palavrão. Preferia mais que fosse expedita, eficaz e, de vez em quando, justa. As mais das veses o clube dos magistrados «joga» como o Benfica: para os lados, para trás e para fora. Raramente nos jogos grandes, a Justiça, chega aos golos. Frequentemente nem entra em campo, esconde-se no balneário.
Ainda admiti que um pacto a dois, novinho em folha, podia ser como um treinador novo: tirar dois defesas para povoar o meio campo e reforçar o ataque. Ilusão, pura.
Não vamos saber nunca se o senhor Pedroso foi ou não foi, se os outros que tais são ou não são o que se diz que são. Afinal o que moveu a dupla da maioria alargada foi evitar que pessoas políticas e afins voltem a ser molestadas e incomodadas por magistrados sem sono. Nem os telefones das pessoas importantes usados para escutas.
Teria preferido ficar a saber que qualquer apressado automobilista que atropele (e mate) uma senhora numa passagem para peões não volte a ter direito a ser condenado a dois anos de prisão com pena suspensa; que um infeliz peão que venha a ser atropelado nas Amoreiras e fique paralizado para o resto da vida não volte a ter de esperar anos e anos e anos pela setença e, sobretudo, pela justiça. De facto, têm razão os que creem que a Justiça é como a água benta: cada qual toma a que quer. Ainda há dias li que duas funcionárias de uma escola-albergue
de índole religiosa que denunciaram maus tratos exercidos sobre alunos foram despedidas. Mas deviam ser aconselhadas a evitar as imediações de outro centro de reabilitação de menores do Norte onde os garotos, coitados, se entregam a brincadeiras trágicas. Valeu-lhes o sentido pedagógico e humanista do juiz. Deve ser preciso ler muito para perceber a juventude descolarizada como a de um juiz do Sul, mais para os nossos lados, que não julgou por homicídio
o jovem de 17 anos que violou, não sei com que carinho, um menino de seis, que acabou por morrer. O autor da violência não teve, concluiu o juiz, intenção de matar. Talvez o garoto mais pequeno não tivesse intenção de morrer, mas isso que interessa se desde ontem a Justiça mudou: Pedroso algum jamais será incomodado...

sábado, setembro 02, 2006

REVIANDÂNCIAS

Da primeira vez que jornadeei foi claro por causa dele, do meu andante vizinho. Abalara de férias para o Leste desvalido e eu sou um invejoso desvairado. O gajo não se fica a rir. Prometi-me. E fui e quase que cheguei a Almada. E não é que o tipo, deve ser ele deve, ainda que disfarçado, reabalou para o Leste, o próprio, o supra.
Fiz a trouxa e matutei: «e agora?» Agora matuta, desenrasca. Matutei e deliberei. Ala para o Peso da Régua. E já.
Já fui. Comecei, bem entendido, por ir ao Porto e como quem não quer a coisa descer á Ribeira e perguntar ao gajo dos botes como era isso de ir à Régua. Fácil: 50 paus, com pequeno almoço. almoço e regresso de comboio.
Simples demais. Já que estava ali, comi umas lulas recheadas e voltei a Lisboa. Convidei a filha a convidar-me a ir na carro dela. E lá fomos, pela manhã. Em Vizeu parou-se para mastigar. Para alguma coisa há-de servir O Cortiço! Depois Lamego, a espreitar, debaixo, a Senhora
dos Remédio. A cidade engalanada por mór das festas. Finalmente a Régua, de passagem, rumo a Mesão Frio e parar numa de turismo rural. Um acolhimento simpático e um quarto com vistas para o Douro, a serpentear lá embaixo, por entre os montes. Não tem nada a ver com S.Pedregulho sabe Deus de quê mas possui mistérios deliciosos, como o de encher o Marão de socalcos, plantar vinhas e fazer Vinho do Porto. Dá para perceber que também sei de culturas. Fica-se enbevecido a espreitar o rio, sentado na varanda a beberricar um copo.
De manhã cedo, finalmente o comboio do Tua e dali para Mirandela. É do caraças! Não sei explicar melhor. Houve na Régua um escritor,que também era médico que sabia explicar muito bem o que era a paisagem, mas ele enfiava o homem trasmontano de tal maneira que parecia o Deus da Amália a perfumar as rosas e pratear o luar. O trem que desce a serra montanhosa por entre rochas graníticas, à beira de precipícios medonhos não é só uma imagem soberba. Fica retida na memória. Não sei gabar aquilo. Se quiserem façam o favor de ir ver.
À noite fui comer a Vila Real. Antes, enquanto a filha fazia a ronda das lojas de trapos, eu fui à tasca do Alemão. Não sei se Miguel Torga alguma vez escreveu sobre a tasca, a última, desoladoramente esvasiada de frequentadores. Se ele que cantou como ninguém aquele soberbo naco da Natureza não citou a taberna do Alemão, não sou eu que vou ser capaz de o fazer, mas posso garantir que vale a pena trepar lá atrás dos montes só pra disfrutar a Tasca e, já agora, ir nos comboios do Tua. Não troco por Moscavide, seja lá ela onde for.
Jantei na rua, à fresca. Descontraído. É bom quando é a filha que conduz...
E fui com ela, a S. Leonardo, só para ver o rio lá de cima. Vi, claro e não vou perder tempo a contar que é bonito. Que se lixem os que nunca viram e se lixem mais os que não forem ver.
Deu para perceber que sou um portuga nato,hein! E se eu vos dissesse que uma semana depois,voltei à Régua, ao hotelzinho campestre, que cambaleei no comboio da montanha e fui à Tasca do Alemão e rejantei na rua. Desta vez com o filho mais novo, que também conduz, que, como a irmã, habita a África.
As viagens são para quem as merece. Mesmo assim nada sei do Mateus, nem da família dele. Menos ainda se o Valentim é Valentão. Duvido da lealdade à Cunha. E se só um terramoto pode
derrubar Madail, que não sabe não viu, nem estava lá, então senhor Blatter, sirva-se e se quiser ir à Régua, faça favor, mas lá que um processo judicial lhe ficava a matar, lá isso ficava. Se o bom Deus assim o quisesse e os meninos da fifa tivessem que responder em juizo e eu prometo que faria uma viagem à Suiça e havia de acender uma vela...

sexta-feira, setembro 01, 2006

CARACOL

É um bichinho simpático. Um exemplo de placidez. Leva o seu tempo para encher a vida - a dele!
A miúde fica-se pelo caminho. Estorricados pelo fogo terrorista e mesmo sem isso muitos deles acabam na panela. No seu horizonte não há, nunca houve, televisão. Nem futebol ou crise económica. Tanto quanto se sabe não têm governo, não se manifestam. Aguentam ou sucumbem! Ao cabo de milhares e milhares de anos não nos legaram qualquer mensagem. Não se sabe porque existem ou para que existem. Receio que tenham escutado, sem querer, o hino do Altíssimo: «Levanta-te e caminha». Em si, acho a mensagem equívoca: «caminha» tanto pode significar mexe-te, anda por aí, como vai dormir. O bicharoco que carrega a casa às costas deve ter entendido mal ou não soube fazer ouvidos de mercador.
No caso humano, a mensagem foi aceite mas não entendida. Sem horizonte a estrada não tem fim. Lá andar anda-se, mas sem chegar. As dúvidas são como os tachos para os caracois: dizimam. Quem são os maus, quem são os bons, os terroristas ou os justiceiros?
Não há notícia de que Viriato comesse caracois. O pastor dos Montes Hermínios fazia enormes maldades aos romanos que, na península, construiam estradas romanas e pontes romanas e estâncias de férias em Loures e arredores. Os romanos eram os americanos da época. Gostavam de ir ao Coliseu, como eu quando era pequeno e uma vez fui lá ver o Cerdan bater no Agostinho. Os romanos usavam carne para leão, nos espetáculos festivos e o veneno, para eles, era uma arte e devem ter sido eles a inventar a politiquice e foram-se dizimando e sumindo na poeiras das intrigas.
E os marinheiros aventureiros que levaram os primeiros espasmos europeus às negras atónitas e a eles se foram com grã cópia de gritos e avés marias para lhes ficar com a terra e o mando sobre ela e o posso sobre tudo. Quem eram os bons e os maus?
Como resistiu, em Paris, a resistência à ocupação alemã? Com bons modos? Ou com bombas à surrelfa? O tinha que ser tem muita força. E teria, decerto. Não conheço as boas razões da ETA, mas aceito que as tenha, como aliás entende o governo espanhol ou Rei, que chegou a estar na mira!
E no Golfo como se vai, por fim, aceitar quem é o Deus bom e o Deus mau, se é que há algum bom? Ali é difícil julgar porque não são bons os que morrem e maus os que matam. De um lado, para matar é preciso morrer. É o terrorismo elevado ao martírio, o que só por si não purifica mas confunde. Os tipos que desviaram os aviões para estoirar com as torres nova iorquinas sabiam que iam morrer e foram e destruiram. Não deixou por isso de ser um atentado terrorista, tal como bombardear uma cidade inteira não pode, nem deve, ser aceite como retaliação justificada.
Ao cabo de dois mil anos a humanidade não aprendeu a proteger-se. Optou pela via da ameaça. Os poderosos perderam, mas ninguém verdadeiramente ganhou...