domingo, outubro 25, 2009

VIDAS (2)

Ontem inaugurei o Estádio e deixei Francisco Ferreira mal visto. Terei sido um tudo nada injusto. Podia ser um ajudante de treinador pouco versado, mas era um tremendo jogador, que emprestou muito do seu temperamento à aura do Benfica. Quando comecei a vibrar com a sua alma, que empurrava o adversário todo para lá do meio campo, não era ainda o capitão da equipa. Esse era, foi, o Albino, que jogava a seu lado, no meio campo encarnado, juntamente com Moreira, também ele um caso sério de voluntarismo.

Juntei este trio por mór de um confusão que havia nesse tempo. Um deles era, tinha de ser, defesa, porque atrás deles só o Gaspar Pinto e o Jacinto, típico defesa direito, enquanto Gaspar era central. Não que fosse alto, antes pelo contrário. Tal como o guarda-redes, Martins, minúsculo, como eram quase todos os que víamos nos campeonatos, à excepção do Capela que substituiu Sério na baliza do Belenenses. À sua frente, Capela dispunha dos defesas Vasco e Feliciano, também eles de estatura elevada, para a época. Eram eles, afinal, as «três torres de Belém». E muito contribuiram para a conquista do Nacional, o único que o Belenses obteve.

Retorno ao trio defensivo encarnado. Com a saída de cena de Francisco Albino, entrou Fernandes para defesa esquerdo. Assisti à despedida de Valadas, extremo-esquerdo e à consolidação de Rogério, na esquerda do ataque encarnado. Como jogador, Rogério estava uns furos acima de qualquer outro no futebol português de então, mas nem por isso era muito estimado entre os sócios.

Mais prático e eficaz era o Sporting, no qual foi evoluindo o melhor ataque do futebol português nos anos 40 e os primeiros da década posterior. Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. Havia um sexto,Martins, pau para toda a colher. Substituia, cada um dos outros, sempre que fosse necessário. Dava gosto vê-los.

Quero crer que o futebol português ganhou algo com a guerra na Europa. Os treinadores magiares que por aqui ficaram, fugindo aos nazis, fizeram escola e empurraram para a frente. Mas eram poucos!

Comecei a ir aos campos de futebol antes de ir para a escola. E comecei a jogar na escola, no pátio. Tenho uma vaga ideia dos «Sports». Nem sei quantas vezes saía. Recordo a «Stadium» por mór dos bonecos (fotos). O meu pai dava-me

«O Mosquito». Foi-mo dando enquanto custou cinco tostões; quando subiu o preço para oito, cortou. Habituei-me à «Stadium», que o meu padrinho me deixava ver e me ajudou a ler.

A guerra tinha acabado, mas as equipas continuavam a jogar com onze. Portugal jogou duas vezes com a Espanha e, claro, não foi ao Brasil. Ouvi na Onda Curta, da telefonia, um pedaço do História. O locutor dizia, em espanhol,

que eu ouvi, já a noite ia alta: «Vencemos a pérfida Albion!» Foi verdade. Os ingleses ganharam a guerra mas perderam a maestria. Nem o Brasil ganhou aquele Mundial. Ainda menos a Itália, que perdera um ano antes os jogadores do Torino (como se dizia, na época)!



Um dia, o Benfica empatou em Setubal, O presidente castigou o Felix e o Rogério. Sem processo, não era preciso. O regime era o que era. Rogério livrou-se, mas aceitou despedir-se. Felix desapareceu. Emigrou. Mas apareceu Otto Glória. E chegou Coluna. A meio do campeonato, o Benfica inaugurou a Luz, espécie de meio estádio, que mal cabia para os sócios. Antes, o Porto tinha exibido as Antas. E também arranjou um treinador brasileiro, um sujeito mau como as cobras. Mas ganhou.

domingo, outubro 18, 2009

VIDAS

Eu e o foot somos antigos. É comum, nestas alturas, ter saudades e recordações. Não se trata, vou avisando, da lamechice do dantes é que era bom. Era bem diferente, lá isso era, mas impos-se-nos e no que me toca comecei pelas Amoreiras. Fui lá uma ou duas vezes, não mais. E nem vi a bola. No peão, em pé, não me dava para ver mais que pernas e costas...
Depois, mais giro, foi o «campo grande», o «campo do Benfica» a «ilha da madeira», o que se quisesse, menos «Campo 28 de Maio», isto nunca, nem nos jornais, imagine-se!
O Benfica era (eu ainda não percebia disso) malquisto do Poder de então, mas na bancada dos sócios -- e o meu pai era sócio -- via bem o jogo e fui aprendendo a gostar. Gostava do Gaspar Pinto. Era um senhor defesa, matreiro.
Peyroteo um belo domingo deu-lhe um soco que o estendeu. Foi «pr'á rua» e o Benfica chegou ao empate. Era um jogo de Taça e, portanto, em fim de época. Na terça (ou quarta?) o Sporting acabaria por eliminar o Benfica (cheio de azares, pois claro!) e ganhar a final, nas «Salésias», creio que ao Olhanense.
Por esses tempos não havia ainda subidas e descidas de divisão. Eram os «regionais» que qualificavam para o «nacional». Foi por isso que levei alguns anos para conhecer o Barreirense que foi perdendo para o Vitória de Setubal. Nem havia Braga; era sempre o outro Vitória, o de Guimarães, a qualificar-se.
Sá havia jogos ao domingo. O defeso era comprido, o que tornava os inícios de época verdadeiramente festivos. O meu tio mais novo ia para o campo do Benfica pelo meio dia. Via um pedaço das segundas categorias, o jogo de reservas e o da divisão principal.
Antes dos jogos começarem os jogadores das duas equipas perfilavam-se diante dos camarotes para saudar ou excelências excelentisssimas ou dirigentes
federativos , erguendo o braço direito, para a continência!
Havia uma Cuf em Lisboa. Jogava no Lumiar-A. Uma vez vi essa Cuf ganhar por 4-1 ao Benfica. Eu fiquei triste e o meu pai muito zangado. Tal Cuf nem sequer se apurava para o Nacional. Enfim, coisas da bola! Mas é bom recordar que a par de alguns veteranos experientes jogavam por lá um tal Felix, outro ignorado Travassos, então jovens desconhecidos!Esta Cuf finou-se de repente, dias antes de começar uma nova época. O dito Travassos e o mencionado Felix atravessaram o Campo Grande e foram oferecer-se ao Benfica, onde na ausência do treinador (Biri), o Xico Ferreira dirigia o treino dos mais jovens. Disse logo que sim a Felix, mas não quis o Travassos, por ser de pequena estatura! E o Travassos foi para o Sporting, onde fez uma carreira brilhante, e seria, aliás, o primeiro português, anos depois, a ser incluido numa selecção europeia!
Como se pode depreender, a xico-expertice já vem de longe!
Já devem ter percebido que estou ainda em tempo de guerra. Era gito ir à bola e comer castanhas à saída do campo do Benfica. E patinhar a pé até ao Campo Pequeno, por ser mais fácil apanhar, ali, o eléctrico para a Baixa.
O meu pai passsava sempre pelo Leão de Ouro, antes de subir o Chiado, a caminho de casa. Se o Benfica tivesse ganho haveria um prato de ameijoas, com as imperiais. Chegava-se a casa a tempo de ligar o rádio para ouvir Alfredo Quádrios Raposo efectuar o resumo da primeira e o relato da segunda parte do jogo. Algumas vezes do jogo a que tinhamos assistido! Bons tempos!
Quando comecei a ver a bola, o Espirito Santo não jogava e eu nem sabia que ele existia. Existia e era titular no Benfica, mas teve uma lesão grave e ficou pelo menos um ano parado. O Julinho era o avançado-centro, que substituira o lesionado, já então recordista do salto em altura. Não havia, portanto, Estádio Nacional. O que havia no futebol português, de então eram muitos campos carecas e um relvado nas Salésias, em Lisboa, e outro vagamente arrelvado, no Porto, o «estádio do Lima». Podia assistir-se aos jogos sentado em bancadas ou centrais ou laterais, conforme o taco de cada qual, ou no peão, que como a palavra indica, de pé. Por essa altura aconteceu um inverno tempestuoso, com cheias na Extremadura, que gerou o «socorro social», cinco tostões nos bilhetes de cinema e, claro, de futebol, Cinco tostões era o que custava o eléctrico do Rossio a Santos. O elevador da Bica custava dois tostões.
Já agora anotem que vi e me lembro do campeonato que o Belenenses ganhou.
O belenenses do Capela, que com Vasco e Feliciano contituiam as torres de Belém, além do Serafim, que trabalhava na oficina do irmão, na rua das Flores e com o qual eu costumava conversar sobre bola, no Porto de Abrigo. O ponta esquerda era o Rafael, esse já internacional.
Foi nas Salésias que assisti, em 44, à final da Taça, Benfica-Estoril. O Estoril acabara de vencer o campeonato da segunda-divisão e, como tal, subiria de divisão e estou em crer que essa foi a primeira vez de súbida por mérito, em vez das opções regionais. E duas semanas depois, a 10 de Junho (bem entendido) era inaugurado o Estádio Nacional. Houve alguns buracos. O comboio de Cascais não acabou a tempo o desvio para o estádio; nem a auto-estrada saída das Amoreiras chegou ao Estádio. Vivia-se, ainda, em tempo de guerra na Europa e tal servia para justificar muita coisa. O Sporting ganhou então a primeira das taças que passaram a ser disputadas entre os vencedores do Nacional e da Taça. Hoje nem sei se teria sido possível. O jogo começou bem mais tarde do que estaria previsto, Acabou empatado. Meia hora depois era quase noite cerrada. Desiludido, o meu pai comentou: «...é sempre assim... o Benfica joga e... o Sporting ganha!»...
(continua).