segunda-feira, dezembro 25, 2006

50 Kms/Hora

Em Lisboa começaram a colocar em diversos pontos estratégicos da cidade radares que avisam e , depois multam, obrigando os automobilistas a uma velocidade de 50 Kms por hora.
Acho muito bem.
Desta maneira vai ser possível constatar que o Código da Estrada e as suas proibições idiotas não passam de uma armadilha - diria mesmo uma emboscada - para sacar ainda mais dinheiros aos incautos.
Se a limitação da velocidade a de 50 Kms/ hora for cumprida em Lisboa, a cidade vai engarrafar definitivamente e os responsáveis por estas coisas vão constatar que não basta arranjar bodes espiatórios para os seus erros e para a sua ignorância.
O excesso de velocidade é o mito dos burocratas e o alibi dos políticos para a incapacidade de conceberem um código da estrada que consubstancie todas as diferenças existentes na indústria automóvel e na concepção, quer das estradas ,como nos arruamentos dos vários conjuntos urbanísticos em que vivemos.
Veremos.

sábado, dezembro 23, 2006

A OPA

Desde o princípo que se percebeu: tanto a ANACOM como a Autoridade para a concorrência estavam a torcer pela SONAE. Vá-se lá saber porquê. ..

Tenho acompanhado um pouco de longe as peripécias da OPA, mas gostaria de manifestar a minha convicção de que o Engº. Belmiro - um belo merceeiro e pouco mais - não vai conseguir obter o controlo do maior grupo empresarial português.

Desde logo porque a conseguir que os accionistas lhe vendam a maioria do capital da PT, será a France Telecom a dominar o gigante que daí sairá. É preciso não esquecer que a France Telecom ainda é detida em 32 por cento pelo estado...

Só os portugueses e mais dois países europeus, salvo erro a Dinamarca e a Holanda cairam na esparrela montada pelos americanos da liberalização das telecomunicações. Nos EUA não foram nisso. Exportaram a ideia.

O Engº António Guterres garantiu que o Estado sempre ficaria com, pelo menos, 25 por cento, mas como promessa de político é como negócio de meretriz...o Estado lá ficou com 500 acções e uma golden share que toda a gente contesta, excepto quando ela pode valer de alguma coisa.

A PT, desde que o é teve quatro presidentes; o primeiro, o engº. Luís Todo Bom teve que resolver o grave problema de organizar uma empresa que resultou da fusão de duas concorrentes. Organizou e organizou-se, isto é, financiou-se a ele e ao primo e mais ao PSD então do todo poderoso Cavaco Silva.

A seguir veio o dr. Murteira Nabo, sem habilidade para o dia a dia de uma empresa, com talento para a macro economia, mas incapaz de dar garantias a uma equipa. O medo é a sua companhia inseparávél.

O BES impôs, depois, Miguel Horta e Costa, vaidoso, gastador e sem qualquer jeito para administrar o que quer que seja desde que não seja "secretária", jovem e bonita, e o seu próprio património. De resto, seria curioso indagar como é que um homem que sempre foi funcionário público (apenas nos últimos 4 ou 5 anos é que não) tem o património que tem...

Este último presidente é, para mim, uma verdadeira surpresa. Lembro-me bem de aqui ter escrito que Henrique Granadeiro não tinha qualquer capacitação para o cargo e que a sua nomeação apenas se justificava pela sua amizade com Ricardo Salgado.

É certo que a amizade entre os dois homens terá contribuído, mas a atitude de Granadeiro faz dele um verdadeiro presidente de um grande grupo empresarial. A entrevista que concedeu a Judite de Sousa constituiu uma demonstração poderosa de um homem que sabe o que quer, um empresário com um projecto para um grande grupo empresarial. Sem medos, sem jogos.

Nem que seja apenas por isto seria uma pena que a PT perdesse a hipótese de continuar a ser um projecto português.
Ao Governo caberá uma última palavra se, na hipótese, pouco provável, de os restantes accionistas quererem ver a PT governada por franceses.
Há um aspecto curioso em toda esta trama, que é o da comunicação. Continuando Henrique Granadeiro com João Líbano Monteiro a administra-lhe a comunicação - eles são, de resto, cunhados - a comunicação social colocou-se abertamente ao lado da SONAE e as notícias dos últimos dias são a manipulação total - até confrange.
Este facto corresponde a um erro de Henrique Granadeiro. Ele não precisava, comos os três presidentes que o antecederam de "compradores" de jornalistas. Ele apenas necessitava de um sistema de informação aberto e que o tivesse dado a conhecer a tempo. A JLM & Associados foi um prejuizo, porque os jornalistas não incluídos na respectiva folha não perceberam a diferença.

Dois Anos

Foi em 30 de Novembro de 2004 que iniciei este blogue. Depois convidei dois velhos amigos a partilhar o espaço. Um deles, por razões de tecnologia - ainda é um bocado avesso a estas "modernices" foi-se afastando, mas um dia reaparecerá. O Rafael Soares, pelo contrário, tem sido ele que nos últimos tempos alimenta a fogueira e, a bem dizer, a fornalha.

Agora que volto a um curto período de poisio, tentarei descobrir algumas ervas daninhas e delas dar conta, assim como enlevar-me com algumas flores e desse enlevamento vos dar conta. Veremos se serei capaz de cumprir o que a mim próprio prometo.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O DIREITO A SAIR DE CENA

Telefonei, por mór da época que atravessamos, a uma amiga que muito estimo e que reside em Madrid. A intenção era dizer olá e desejar bom Natal. Escolhi mal o dia e a hora. O irmão acabava de se suicidar, atirando-se da janela. Um exame médico detectara-lhe um cancro, dos delicados. É o quinto suicídio que a senhora minha amiga soma na família, todos eles de parentes muito chegados. Deve ser um fardo terrível de suportar. Toda a minha simpatia e sentimento não lhe devem servir de muito e eu tenho alguma dificuldade em enfrentar determinadas situações e esta terá sido decerto uma delas.
A morte voluntária é mais dramática justamente por ser interdita. Não fora isso e talvez fosse menos dura de suportar pelos que ficam, pelos que esperam. Estou em crer que é assunto que deve ser mais amplamente debatido. Tem a ver, convenhamos, com os direitos humanos. O direito que cada um tem, ou devia ter, para escolher o momento de partir. O direito a uma morte suave e não punitiva. Se para tal tivesse que ir de burro ajaezado como o poeta queria ou com os vizinhos a bater em latas, não era por isso que me iria ralar e seria preferível a ter de sujar a locomotiva ou a salpicar de entranhas as pedras da calçada. Mas queria, isso sim, saber que podia resolver o desenlace duma vida, a minha, como e quando me aprouvesse, Como pode alguém pretender-se livre e autónomo se não dispõe de si próprio?
Não tento intrometer-me noutra questão, a da pena de morte. Não me interessa discutir isso.
Não sou nem contra nem a favor, nem pouco mais ou menos. Sou emotivo e de vez em quando
parece-me que sim, outras que não. O que me apavora é a injustiça, a probabilidade do erro de julgamento, a ideia de que alguém inocente possa, como já aconteceu, ser aparatosamente apagado. E, por vezes, exaspero-me, como, por exemplo, quando um sujeito foi julgado por ter atropelado - e morto - uma senhora, numa passadeira para peões. O juiz entendeu sentenciou-o em dois anos de prisão, com pena suspensa. O réu, à saída, respondeu aos jornalistas, considerando a pena exagerada. Ainda hoje acho que sim, que foi um «exagero» e acho mais, acho que casos do género têm sido demasiado frequentes. Cheguei a pensar que os juizes pudessem ter problemas de consciência: "podia ser comigo", ou qualquer coisa assim!
Hoje ouvi pela rádio que o sujeito que abusou sexualmente de um garoto surdo-mudo a ponto de lhe causar a morte foi condenado a doze anos de prisão. Provavelmente poderá voltar ao nosso convívio daqui a seos ou sete anos. Poderá ter mais juizo ou voltar com os mesmos ímpetos.
Nos tribunais devia haver um guichet de informações que elucidasse o cidadão do volume da pena que teria de cumprir se quisesse violar uma vizinha de sete anos ou no caso de se contentar com a prima dela, de nove, teria desconto?
O que tudo isto tem de bárbaro ou absurdo choca com a impunidade dos impunes e cria a convicção de que a justiça é cada vez mais como o euro milhões: só sai a alguns...
A maneira mais simples, e provavelmente objectiva, de melhorar a imagem da justiça e emprestar-lhe a necessária tranquilidade é proibir as notícias sobre investigações de crimes e subornos, julgamentos e acima de tudo sentenças. Subsiste o risco de criar dificuldades aos ministros do senhor Sócrates ou embaraços ao senhor de Belém.
Por mim tudo bem. Só queria que me concedessem o direito de poder desistir, quando estiver farto e antes que as maleitas me torturem...

quarta-feira, dezembro 06, 2006

...MÁS COMPANHIAS

Quando eu era pequeno lembro-me que havia companhias. Ele era a companhia das águas, ele era a companhia das luzes e do gás ou a companhia dos carros eléctricos. É verdade que também havia a Real Companhia Velha, mas disso ainda não sabia. E havia o Alfredo, que me fazia companhia quando cavávamos da escola para ir jogar à bola. O prof. não achava graça e, às vezes, levantava-me do lugar por uma orelha. A minha mãe procurava desculpar-me com «as más companhias», para acalmar a ira do meu velho, o qual, verdade seja dita, ameaçava mais do que batia.
Aos domingos ia-se à bola, quer dizer, levava-me o meu pai ver o Benfica. Por esses dias o Benfica era, claro, o que jogava mais e melhor. Era, bem entendido, o que tinha mais azares. Por isso é que o Sporting ganhava mais vezes. O Benfica era, de longe, o que mais vezes ficava em segundo. Até foi segundo no ano em que o Belenenses ganhou o campeonato. E eu só tinha olhos para a bola. É verdade que lia amiúde o «Mosquito», mas a bola via-se com tudo, olhos, sentidos e coração.
Mas o futebol era, provavelmente, como hoje em dia, o que era a sociedade desse tempo: uma ditadura fascista. Mesmo o Benfica, suspeito de populismo suspeito, não se coíbia de uma ou outra prepotência sobre os seus atletas. O futebol era, já o disse, aos domingos. Começava logo pela manhã, para ver os juniores. Mastigava-se qualquer coisa no Quebrabilhas e ala, ver as segundas categorias e depois as reservas, para acabar nos mais custosos.
Foi assim anos a fio, com o Benfica a esgalhar num campo minúsculo de terra batida, a que se chamava «estância de madeiras» em razão das suas bancadas todas feitas de pau, mas o peão era empedrado. Pelo menos não tinha lama, como nas Salésias ou no Lumiar. Os jogos «grandes» começavam às três da tarde, salvo no verão de Setembro, que era às 16 , até mudar a hora.
O resto da semana era para discutir os «ofessaides» e as diferentes malandrices dos árbitros, todos suspeitos, na casa do meu pai, de serem lagartos.
Já no fim da adolescência tive o primeiro choque ideológico. O presidente encarnado que era cambista na Rua do Ouro, puniu o Felix com um ano de suspensão. Com Rogério condescendeu-se que fizesse a festa e fosse à vida. Qualquer manda chuva de trazer por casa se podia dar ao luxo de armar aos ditadores porque os jogadores eram zés-ninguém e não havia profissionalismo. Ocorreu-me que um xui numa madrugada, junto a um café razoavelmente mal frequentado, deteve e levou para a esquadra, onde acusou de vadiagem, um jogador de futebol.
Futebol não era profissão reconhecida, não obstante os jogadores descontarem para o desemprego, como salientou a notícia do jornal, visado pela comissão de censura.
O Felix cumpriu seis meses de castigo. A amnistia do Natal, que sua excelência o presidente do conselho de ministro, prof. dr. etc. e tal promulgava por essas alturas, engoliu o restante semestre. O Rogério foi para o Oriental, de onde saiu desiludido. Tinha proposto aos colegas uma greve porque não pagavam há um ror de tempo os prémios prometidos e devidos. O senhor director lembrou aos malandros dos jogadores que no país não havia direito à greve.
Posso garantir-vos que, tanto o Rogério como o Felix foram seguramente dos melhores jogadores portugueses de todos os tempos. O Passos do Sporting, já veterano, teve sorte semelhante, foi posto a andar de forma humilhante.
Com o advento do profissionalismo profissional que Otto Glória impôs ao Benfica e por acréscimo
ao País ainda salazarado, o dirigismo no futebol foi-se modificando até chegar aos dias de hoje.
Já não vou à bola. Vejo em casa. E vi, na sexta-feira, à noite, o presidente do Sporting e o presidente do Benfica a fazer companhia um ao outro. Ah! Se um deles tivesse uma mãe como a minha...

quinta-feira, novembro 23, 2006

Uma Organização de Mal-Feitores

Ao longo dos anos, com o andar dos tempos, com o aumento do número de homens e mulheres a dedicarem-se à política, tudo se foi complicando. O Estado foi demitindo-se de algumas funções, aquelas cujas actividades estavam ligadas ao lucro fácil e , à vez, os amigos dos políticos que se vão substituindo na gestão dos negócios do estado, vão ficando ricos (alguns dos políticos também aparecem, de repente, com estatutos impressionantes).

O Estado está, praticamente, despido das suas funções mais importantes, mas continua a cobrar impostos "à bruta", exigindo o respectivo pagamento em dias certos, depois do que cobra juros e coimas.

Estaria tudo muito bem se o estado pagasse os seus compromissos, assumidos depois de complicados concuros públicos, garantias bancárias, etc. O Estado não paga desde Agosto a pequenas e médias empresas, cujas actividades dependem quase exclusivamente de fornecimentos vários ao Estado. Algumas delas terão seguramente que fechar, mesmo aquelas que, entretanto, animadas pela ideia de que alguma coisa ia mudar, criaram postos de trabalho para a Juventude à procura de primeiros empregos e agora verificam que o melhor era terem ficado em casa.

Este Estado não serve para nada. É uma organização de mal- feitores, que só serve para desassossegar os cidadãos.

terça-feira, novembro 14, 2006

IR À BOLA

Fernando Caiado morreu. Li no «Público» e comoveu-me. Também me irritou. Disseram dele que era um «médio com características defensivas». Não era, não senhor, não era! Lembro-me bem dele no Boavista. Internacional português, era avançado num lugar que já não se usa no futebol actual: Meia-ponta, interior esquerdo. Nos tempos idos, quando o futebol era coisa de domingos, à tarde e havia uma semana inteira para digerir. Um off side era coisa séria. Não havia maneira de controlar. O fora de jogo era quase sempre um roubo para um dos lados, até porque o árbitro nunca via os fora de jogo dos outros, como com as grandes penalidades. Agora é pior porque a televisão mostra e o pior cego é o que não quer ver e em geral o estádio está cheio de ceguetas.
Comecei a ir à bola muito miudo. Retive na memória a primeira vez (que fui à bola, a outra foi alguns anos depois...) nas Amoreiras. Nem vi o jogo. No peão só dava para ver as costas dos da frente. Mas depois, na estância de madeiras aprendi a ver sentado ou de pé nas bancadas. Aprendi também com os jornais e até aprendi com eles que eles informavam mal. Por exemplo os jornais (e a rádio, com Alfredo Quádrios Raposo, na Emissora, ou o Domingos Lança Moreira, no Rádio Clube) escreviam (ou diziam) a constituição das equipas mais ou menos assim: Capela, Vasco e Feliciano; Amaro, Gomes e Serafim... Azevedo, Cardoso e Manuel Marques; Canário Barrosa e Veríssimo... Martins, Gaspar Pinto e César Ferreira. Jacinto, Moreira e Francisco Ferreira... No Porto, era: Barrigana,Alfredo e Guilhar (os outros já lá vai!)...
No campo já não era assim, o que se via era o Feliciano a central, como o Manuel Marques, no leões, Gaspar Pinto, no Benfica, e Guilhar, no Porto. Pelos fins dos anos trinta, do Século que já lá vai, começaram a aparecer refugiados hungaros ou checos que puxaram o esquema de jogo para o WM, deixando cair o até então «clássico», mas só se deu por isso, quando se tornou obrigatório numerar as camisolas, ainda que limitados a onze números, porque nesses bons velhos tempos só jogavam onze de cada lado.
Cândido de Oliveira, Ornelas, Tavares da Silva e poucos mais iam dando dicas. Começou-se pelo quadrado mágico, os dois médios e os dois interiores, a comandar a estratégia, Depois, já pelos meados dos anos 50 foi avançando um dos interiores e recuando um dos médios. Começava um tal quatro dois quatro, que no Brasil se definia com Diagonal. De uma vez, um artista seleccionador levou para Espanha uma selecção pomposamente de quatro em linha. O recuado foi, imagine-se o jovem Caiado, empurrando-se Travassos para a extrema esquerda. Correu mal. A Espanha ganhou por cinco-um. Na segunda parte, Travassos passou para o seu lugar de interior e Caiado relegado para extremo, ficando «reduzido à ínfima espécie», escreveu Tavares da Silva no Diário de Lisboa e os «Ridículos» também glosaram com «quatro em linha e um à boa vida».
Para Caiado sair do Boavista não foi fácil. Foi necessária uma assembleia geral e premente que Baptista ameaçasse sair do futebol se teimassem em cortar as pernas ao jogador. E lá foi para Lisboa e para o Benfica. Mas não foi fácil.
No Benfica subsistia uma velha questão: Rogério. Muito jovem revelou-se prodigioso a jogar na ala esquerda do ataque. Jovem, muito rápido e com uma técnica muitos furos acima da média tomou o lugar de Valadas até que, de supresa, foi para o Brasil, onde era mais um dentro da média e onde aprendeu que o seu lugar não era ma extrema, mas na zona criativa. Era a camisola 10 que lhe assentava bem.
Regressou a Lisboa e ao Benfica, que tinha nessa altura um treinador inglês: Ted Smith. Mas tinha também dirigentes mandões entre os quais o presidente, um cambista da Baixa lisboeta. Eles achavam que Rogério era extremo esquerdo. E passavam o tempo a comprar interiores esquerdos, cada um deles pior que o outro. Fernando Caiado viria a ser mais um, não obstante
Smith ter acreditado ter o seu criativo na meia esquerda. Foi com o «dez» na camisola que Rogério foi campeão latino. Com a ansia de arranjar um dez que pusesse Rogério na extrema, o Benfica lá foi buscar Fernando Caiado. E não ficou por aí, ainda foi buscar o Vieirinha ao Estoril Praia
Quando a direcção do clube entendeu prescindir de Felix, um central de grande classe, punindo-o com um ano de suspensão e suspendendo igualmente Rogério, mas permitindo a este organizar a feste de despedida, a meias com Feliciano, do Belenenses, o Benfica teve a chance de comprar Costa Pereira e Coluna, que chegaram para Otto Glória. Este não demorou muito a colocar Caiado no meio campo, a alimentar o ataque. Não tinha colega certo à sua esquerda. De uma das vezes foi Angelo, defesa esquerdo a alimentar o quarteto da frente! Mas por fim o cargo foi entregue a Coluna, que foi evoluindo bem depressa. Caiado instalou-se definitivamente a alimentar o ataque. E podia dar-se ao luxo de exibir alguma veterania, o moçambicano da esquerda tinha estofo por dois!
Mesmo depois de deixar de jogar, Fernando Caiado ainda foi esteio do Benfica. Merecia bem ser melhor recordado pelos jornalistas, pelo Benfica e até pelo Boavista...

domingo, novembro 05, 2006

PRETÉRITOS

Eram por exemplo os verbos no passado. No presente, os tempos mais adequados são necessariamente os do conjuntivo com o indispensável «se» na conjugação. Se não chover talvez o comboio chegue a algures. A conjuntivite é cada vez mais impiedosa, cada vez há mais ses e menos complemento directo. O Século, o Mosquito ou a Vida Mundial perderam-se no condicional. Recordo-me de debitar de pé o pretérito imperfeito; impingiram-me o impossível pretérito mais que perfeito. Naquele tempo só poderia ser o 28 de Maio. O Abril incompatível
conjugou-se depois porque a ordem dos factores é arbitrária.
No mais possível presente do indicativo condenaram Saddam Hussein à morte. Na forma pretérita, presumivelmente imperfeita, amarraram Jeanne D'Arc a um poste, pegaram-lhe fogo a extinguiram-lhe a vida. Além de matarem a senhora, os ingleses fizeram a América e encheram-na de americanos conjuntivos, que haveriam de estragar o chá que havia na Pérsia, que ficou intragável.
Ah!, já sei, já me lembro, era por mór do apagão que me sentei a escrevinhar, tende em mente que ao princípio era o verbo. Li do apagão, em Lisboa e Paris, aqui mesmo, no computa, mas não nos jornais. Foi entre as nove e as dez da noite. Para os jornais lisboetas, mas não só, o «ontem» acaba à roda das oito menos um quarto, ou coisa assim. Acontecimento às nove já não dá. E é isto que vai matando os jornais. Nos abomináveis velhos tempos, a «Censura» fechava às três da madrugada. Depois as notícias eram da responsabilidade do director do pasquim, que nessa altura já estaria a dormir. A tipografia pertencia ao jornal (ou vice-versa) e a distribuidora também. E havia recurso a segundas ou terceiras tiragens, geralmente por causa da Volta a Portugal em pasteleira ou do foot dominical. Tá bem, tá bem... não havia TV e a Rádio dava poucas notícias e raros directos. Pois, pois, é isso. Mas não abusem...

sexta-feira, novembro 03, 2006

OS OUTROS

Eu sei, é o título de filme, bem divertido, por sinal e nem vem a propósito. Só fui de viagem e não foi ao além, nem por lá vasculhei. Foi só até Paris e com alguns devaneios pelo caminho. Ah! querem algumas impressões? Claro, pois e rebuscadas, de preferência. Então lá vai: Paris é enorme; o Louvre, também. Tem muita gente, muita. E alguns são brancos. É uma chatice. Só dá para andar de «metro». As avenidas são quase todas como a do túnel do Santana: alargadas, esburacadas e sem fim (à vista!). O trânsito fica um pandemónio, mas... Vocês sabem, é com obras, muitas obras, que se ganha para os alfinetes! E, caramba!, aquela gente e aqueles partidos precisam de afiar alfinetes como de pão para a boca. Quando lá estive, o ano passado, tinha havido zaragata num bairro periférico e dois adolescentes, que fugiam à polícia,
enfiaram-se onde não deviam e morreram electrocutados. Este ano foram recordados como vítimas inocentes de um sistema canibalesco, que obriga os inocentes a gamar e a agredir quem não se quer deixar gamar. Também se recordou, mas ao de leve, uma senhora do mesmo bairro que foi assassinada, na mesma altura, por outro bando de amigos do alheio.
Muito parecidos comigo estão a ficar, também, os criativos realizadores de telefilmes. Não se matam a andar para a frente, a criar ou projectar o futuro, servem-se do passado, uma vez por outra recente, para a sua obra. Recriam escândalos escandalosos e apimentam o assunto. É giro reconhecer que são assuntos escaldantes, como, por exemplo, a recriação de um caso que nos tocou de perto: o afundamento do «Rainbow Warrior», atracado num porto da Nova Zelândia, o barco pacifista que prometia navegar pela zona escolhida pelos militares franceses para efectuar experiências nucleares, de que resultou a morte de um fotógrafo português, que cobria o acontecimento polémico.
Pessoalmente eu lembrava-me do caso e estava justamente em Paris, para cobrir as eleições presidenciais, naquela altura. O candidato Chirac, então primeiro-ministro, tinha efectuado uma diligência deligente e conseguira a libertação de uma agente militar secreta, que participara no atentado que fez explodir e afundar o navio, que era suposto estar vazio, mas onde dormia o inditoso fotógrafo português. Ela e um parceiro foram desaastrados e facilmente identificados, presos, julgados e condenados. A capitoa, ou coisa que o valha, cumpria pena numa ilha, num regime compreensivo. O marido podia visitá-la ou passear com ela pela praia e por outros sítios, uma vez que a senhora engravidou, quando deu jeito. Tanto quanto me recordo, a gravidez foi o pretexto para ser solicitada a transferência da reclusa, que deveria cumprir o resto da pena num presídio militar francês.
Eu estou a fazer o mesmo que fez o cineasta: a deixar para trás a tónica. A experiência que o barquito procurava abortar era evidentemente o lançamento de um engelho nuclear, a que se chamava quando eu era miudo bomba atómica. Quem era presidente da República francesa era Mitterrand e os militares não iriam por ali fora sem que o ilustre chefe socialista estivesse pelos conformes. Quando o escândalo rebentou quem teve que dar a cara foi o jovem ministro Fabius, que também teve que aguentar com o escândalo do sangue contaminado, não levou muito tempo a ser posto de lado. Tudo isso conduziu a que a Assembleia Legislativa fosse ao ar e a direita voltou a liderar as eleições de que resultou o primeiro e notório acasalamento político: presidente de esquerda e primeiro-ministro de direita. As nacionalizações foram desnacionalizadas, o primeiro-canal de TV privatizado. Uma festa. Chirac pairava e desvairava.
Mitterrand mantinha-se na sombra e ia dando lenha a Chirac. O fiasco na Bolsa afectou muitos países e afogou Chirac. Ele bem trouxe a menina «que se sacrificara» pela pátria e trouxe outros azarentos «pacificadores» de outro lado. Mitterrand sorriu e foi mortífero quando se rcusou a comentar um caso tão delicado em momento eleitoral.
Às quatro da tarde de domingo, nas intalações da Rádio France o telex da Lusa, perdão da France Press dava conta da vitória de Mitterrand, com 54% dos votos. Desde manhã que o Presidente recolhia favoritismo e liderava todas as previsões.
Reeleito, Mitterrand não nacionalizou mais nada. Arregaçou as mangas e passou o mandato a acertar contas com o seus pares socialistas. Esmagou e espezinhou alguns dos mais notáveis políticos socialistas.
O telefilme torceu-se um pouco para nem tocar em Mitterrand. De Fabius recuperou uma imagem do então jóvem membro do governo, absolutamente confuso sobre o que se tinha passado.
E o que se passara fora simplesmente um acto de terrorismo puro e duro. O governo francês considerou ofensivo que o movimenteco dito pacifista tentasse travar o progresso nuclear, agora, como se sabe, ao alcance de qualquer Irão que por aí ande. A senhora, e o senhor que a acompanhou no atentado, eram James Bond's de trazer por casa e foram consumar o atentado no país terceiro, não era bem a heroína que a Televisão quis fazer passar. Possivelmente nem andou à tareia com as outras reclusas, por crimes menores, como a mostraram no televisor, nem isso interessa. O que interessa é o terrorismo. No fim de contas é um acto repulsivo ou heróico. Talvez possa ser as duas coisas, mas nesse caso deve ser assumido. Na América o fime sobre o atentado das torres foi um hino ao pundonor do bombeiro, em França canta-se a valentia
da terrorista. Quem terá chorado pela sorte do fotógrafo?

quinta-feira, outubro 26, 2006

Estou Cansado de Ser Português

Ontem à noite, finalmente, tive que admitir de mim para mim: estou cansado de ser português. Não estou a dizer que não gosto - só que estou cansado.
Nas várias fases da minha vida sempre tive que aturar a condição de português daqueles com quem tive, de algum modo, trabalhar, tentar fazer isto ou aquilo. E foi sempre muito didífil.
Sobretudo com as pessoas que, mais ou menos de repente, sem que se saiba porquê, assumem posições de poder, por pouco que seja. Ficam logo inacessíveis, com secretárias muito "in", muito "tias" a dizerem que o "o sr. engº ou o senhor dr. está numa reunião".
Em Portugal não se pode levar a cabo um projecto diferente, com mérito - toda a gente gosta muito, mas tudo fica a torcer para que acabe, tropece, se estatele... ou então avançam para a cópia de baixa qualidade, na esperança de recolher os méritos...
Os governos sucedem-se nas promessas e nas mentiras. Aproveitam pouco do que está para trás e refazem tudo - sempre com os mesmos argumentos e os mesmos objectivos: servir os amigos de modo a que, mais tarde, também possam ser servidos.
Gostava de, uma vez por outra, ouvir um primeiro-ministro com um tom de voz normal, a falar com os cidadãos, sem dar a impressão que está zangado e a ralhar com toda a gente.
Sei lá... gostava de viver numa comunidade de gente educada, que não está sempre em reunião, naquelas reuniões que nunca acabam, porque eles ou elas nunca devolvem os telefonemas.
Uma das minhas grandes ambições era saber que o ministro da ciência e tecnologia tinha capacidade para perceber que há coisas que ele tem que apoiar - a sociedade civil está à espera que o aumento de orçamento signifique essa compreensão.
Confesso-me cansado e sem jeito para esta condição. Gostava de pertencer a uma comunidade onde as pessoas, para além de se divertirem a beber uns copos e ir à praia, tivessem disponibilidade para apreciar o esforço dos outros, o mérito dos outros - mesmo que não sejam amigos.
Gostava de viver numa comunidade que ao falar de juventude não estivesse a pensar nos filhos dos amigos e nos seus próprios, mas em toda a Juventude, fazendos os possíves por enquadrar os seus projectos.
Estou cansado, mas irritado, porque gosto. Será uma manifestação de masoquismo?

segunda-feira, outubro 09, 2006

JUSTO E PECADOR

... e o polícia malfeitor que só
malvadez contém prendeu a pobre
velhinha que andava a roubar flores
para pôr no túmulo da mãe...

Foi lenga-lenga que me ensinava um tio ainda jovem, e que decorei, enquanto a minha mãe me catava a cabeça, como se fazia no meu tempo de miudo. Tornei-me paciente militante desde que um miudo, na minha aula, apanhou um bicharoco da gola de blusa de um colega e o foi levar ao professor. A minha avó é que levou a novidade do DDT lá a casa. Acabaram de vez os piolhos na cabeça e os percevejos na cama, foi remédio santo. «Podia ter-te morto!», disse-me um droguista algum tempo depois. Desde então fui aprendendo que estamos sempre sujeitos a tudo não obstante as polícias e a justiça subjacente serem uma exigência das sociedades evoluidas (ou quase) tal como a Medicina por exemplo, ou o Ensino (e etc). Sabe-se que nem todos os médicos são honestos ou competentes, que nem todos os profs. sabem o que devem ensinar ou pelo menos o suficiente para passar de classe. Com a Polícia sucede o mesmo. Os agentes procuram manter a ordem e garantir alguma tranquilidade. Não são robots, são gente comum. Exercem uma profissão de risco.Alguns ( e não poucos!) morreram no exercício dela.
Por inerência da profissão o agente da ordem anda armado. Na sua posse, a arma sublinha a autoridade que é devida a quantos zelam para ordem pública. Não é um brinquedo!
Fazer, como fez hoje, «oPúblico» uma acusação implícita à GNR de acção criminosa não é razoável mas vai na linha muito em voga nos últimos tempos: uma notícia não vale nem vende sem estar embebida em molho picante. Tem que ser o menino a morder no cão. Só interessa se for a menina a violentar o sacristão.
Talvez a intenção da notícia não fosse o direito de cada um roubar por aí as viaturas que quisesse e não se dar ao incómodo de travar à ordem policial de parar! Quando -- e já tem acontecido -- as viaturas policiais não conseguem alcançar os carros mais potentes em fuga, os jornalistas criticam, com desdém, a falta de meios ou a inabilidade das forças da ordem..
Quando dá para o azar, coitado do ladrão, levar um tiro por roubar a porcaria de um carro, onde é que já se viu! É o abuso do poder e a prepotência da autoridade a pagar as favas, pois claro.
E quando ocorre o contrário, como aconteceu, não há muito, um agente ser morto por um bando de honestos assaltantes de bancos e de caixas multibanco, a culpa foi do colete!
É evidente que qualquer instituição (como qualquer jornal!) pode e deve ser criticada, isso está fora de questão. Não é um agente da GNR que faz a primavera. Não é decerto a encolher os ombros que se assegura o respeito à autoridade. Mas prefere-se pôr a tónica no infeliz gatuno, que gozava como podia a liberdade condicional, pois que seja e viva o jornalismo redentor...

quinta-feira, outubro 05, 2006

QUE OS PARIU

Não, gaita! Não quero falar das origens de ninguém em especial, nem sequer vou botar futeboleiras arrebatadas, mas da surpresa pelo encerramento de maternidades e as deslocalizações de parturientes. Mandar para Espanha um parturiado de concepção portucalense faria por certo o Afonso vimaranense saltar da cova, se fora mais novo. As maternidades dos automóveis estão todas a mudar-se sabe Deus para onde e isso provoca crise e angústia a tal ponto que até os ministros fazem o favor de mostrar preocupação.
Sou de um outro tempo. Do tempo em que não sabia que esta palavra saudade infelizmente existia. Bolas! Lá caí eu no fado. Queria, na minha, lembrar que me recordo das vizinhas estarem em casa, à espera que a cegonha trouxesse o rebento. Pelo menos era assim que me explicavam. Depois apercebi-me melhor. Era em casa que acontecia. Com parteira ou sem ela, mas quase sempre com elas. Já havia Alfredo da Costa, sou de lá, mas quase tudo acontecia no aconchego do lar.
Primitivismo, estou em crer. Mas até um país salazarengo podia evoluir. Evoluiu e a par de aljubes, tarrafais e coisas que tais foram aparecendo maternidades e salas de parto pelos hospitais. As parteiras passaram a ter outra função. Era feio ir na parteira, mas fazê-lo na Suiça ou coisa assim não escandalizava.
Agora é o ministro ou o governo a empurar as parturientes para Espanha, porque em Elvas
não se pode. Em Mirandela não dá. Em não sei onde também. Só o senhor ministro é que sabe onde se pode arrancar às mães os frutos dos respectivos ventres. Ele é certo que as questão de Saúde são delicadas e com a Economia doente como anda não se espantem se surgir por aí um saudável surto de propaganda da interrupção voluntária da gravidez...

quinta-feira, setembro 21, 2006

DEGELO

É no poupar que se lixa o ganho. Quando a Carris era dos ingleses, os ingleses ganhavam. Quando Salazar comprou a Carris, os ingleses arrecadaram. A Carris portuguesa já estava feita. Possuia eléctricos e autocarros, mas...
...Mas, no entretanto a cidade enchera-se de popós, de vários tamanhos e diversas qualidades.
Até ao fim da guerra, os automóveis eram difíceis de obter e havia enormes listas de espera. As viaturas europeias surgiram em quantidade e com acessibilidade de preços. O que não era acessível era o tráfego. Os carros tropeçavam nos eléctricos. A engenharia do princípio de Século passado era pouco renitente em aceitar o progresso ou prever o futuro próximo. Os carris por onde os eléctricos serpenteavam foram colocados bem no meio das vias, ruas ou avenidas, o que forçava os automóveis e camiometas ou a seguir na cola dos «amarelos» ou a ultrapassalos pela direita!
As avenidas, ditas novas, possuiam, além de muitas e frondosas árvores e dos passeios laterais,
uma acolhedora vereda, bem no meio, muito agradável para quem andasse por ali a pé, como eu andei muitas vezes. Menos no meio, mas puxada para a esquerda, a linha do eléctrico e o dito por cima permitiriam que os carrros ultrapassassem as eléctricas viaturas. Permitiriam, disse bem. Na realidade não permitiam muito: as pessoas (não se ofendem se os disser clientes?) esperavam junto às paragens, em plena faixa de rodagem. Tempos houve que em certas calçadas outro tipo de transporte muito em voga levantava problemas: as carroças puxadas por cavalos ou burros, As pedras polidas faziam escorregar as bestas, que amouxavam. Era preciso
Desaparelhar a carroça do lombo do animal e ajudar o bicho e reerguer-se, recolocar a carroça e zarpar. Levava o seu tempo. Exasperava os neo-apressados prestes a tornar-se furiosos da velocidade. Se bem se recordam os mais idosos, a cidade estava cheia de chafariz e eles possuiam além de bicos ou torneiras, tanques, onde os animais aliviavam a sede.
Além da engenharia distraída, também a economia e os economistas se afiguravam um tudo nada primários. A Carris estava repleta de trabalhadores. Um para conduzir, outro para vender bilhetes e, de vez em quando outro para controlo, o chanado revisor. O que eu nunca entendi era o condutor, ser o que vendia bilhetes e o que conduzia o veículo, ess, ser o garda-freio. O mesmo, depois, nos autoccaros, mas, nestes, o guarda-freio era motorista.
Passou-se o mesmo quando, finalmente, chegou o «metro». Muita gente a trabalhar. Era como no comboio: vendiam-se bilhetes na bilheteira,vejam lá! Havia pessoal para controlar a entrada e o detestável revisor.
Foram-se fazendo tentativas para melhorar a circulação, umas conseguidas outras nem por isso.
Do Chile para o cemitério do Alto de S. João, os carris foram encostado à esquerda, junto dos passeios, ficando o centro da via livre para automóveis. Não valeu a pena o trabalho laborioso: a carreira por ali terminaria pouco depois.
Com a chegada da sacrossanta economia de ponta asa coisas mudaram, deshumanizaram-se. Grande parte do pessoal da carris, «metro» e «CP» foi dispensado. É a versão nova do «meio do caminho» de outrora. Menos gente gera mais lucro. Nem é verdade. As maquinetas custam caro e não substituem a mão de obra. Os preços foram inflaccionados porque sem controlo apertado é muita gente que se exime de comprar bilhete. Grosso modo, o motorista dos autocarros não pode, e se calhar não quer, controlar os passageiros. No «metro», basta ir ver: são imensos os que penetram sem ticket. «Eles» não são distraídos, sabem bem como é, mas preferem assim: paga o justo pelo pecador, aumenta-se o preço.
Podia ter-se optado por uma linha de salários baixos, que desse emprego temporário, para jovens, por exemplo, que dantes iam para o serviço militar obrigatório. Ñão seria necessário importar tanta maquineta. O aumento de pagantes compensaria a mão de obra, mesmo algo excessiva. Mais gente a trabalhar é mais gente sem tempo para passear por maus caminhos. O problema é que a economia não tem coração...

terça-feira, setembro 19, 2006

PERDER OU DESPERDER

Perco-me frequentemente a ver a bola. Admito que já lá vão uns anos desde que vi o último jogo, no seu habitat natural - no estádio, isto é: no campo, como se dizia, no tempo em que eu ia à bola. Dizer campo do Benfica tinha a vantagem de não dizer «campo 28 de Maio»! Mas aconteceu ao Braga, vejam lá, jogar num sítio que se chamava «estádio 28 de Maio», inaugurado, creio eu, em ano redondo:1950. E foi precisa muita imaginação para lhe mudar o nome, logo a seguir à revolução de Abril!
Por essa altura, o nosso clube quando perdia era sempre por culpa do árbitro. O meu vizinho dizia a mesma coisa, mas o clube dele era outro. Não havia televisão e, por isso, eramos todos
ferrenhos do nosso clube e os árbitros uma boa e honesta desculpa para as derrotas. Nunca um clube nosso ganhou por ajudas alheias. Era assim. Foi assim um monte de anos. Uma vez um árbitro desapareceu de cena. Creio que se esforçou demais para que o Benfica fosse campeão. A influência vinha de cima. Nesse ano os encarnados empataram no Restelo, logo no início do campeonato. O Benfica protestou. A decisão foi-se diluindo no tempo até que, já perto do fim,
os encarnados complicaram e ficaram à mercê do Porto, que igualara o Benfica no topo da tabela, mas com melhor saldo.
Por esses anos «gloriosos» a Federação era isenta até dizer chega. O presidente ou era do Benfica ou do Sporting, salvo uma vez por outra que podia ser do Belenenses. A democracia de então não dava para mais. Nesse ano a Federação acabou por dar razão ao Benfica. O tal jogo com o Belenenses foi anulado e repetido, uma quarta-feira antes da última jornada!
Por acaso eu vi o jogo. O que o futebol tem de bom é que por vezes passa a imagem de que no seu seio tudo se perde nada se transforma! O Benfica «arrancou» um empate a um golo, exactamente o mesmo score do jogo recorrido. Tudo ficou na mesma. Aos lisboetas bastava ganhar à Cuf aí por uns seis ou sete golos e o Porto ir a Torres Vedras não ganhar mais do que por um. Os rapazes do Torreense iam-se encher-se de massa se empatassem. Mantiveram o empate bastante tempo e, depois, o zero-um até quase ao fim. Na Luz, o árbitro acho que assinalou uns dois penaltos e os encarnados conseguiram falhar um. Na ânsia de marcar golos, os encarnados remataram muito para muitos lados menos a baliza. Mesmo assim, e com a pertinácia do árbitro, o Benfica chegou aos sete, se a memória não me falha. Mas a Cuf ripostou com três. O Porto foi campeão. O árbitro nunca mais apitou. Também não foi convidado para fazer comentários. Sumiu-se...
O árbitro que validou o golo do Paços, obtido com a mão, não deve ter visto a falta. Também Maradona usou a mão. Acontece, não é o fim do mundo. Não será por isso que que Pinto da Costa lhe oferecerá umas férias noutro Continente. Ao intervalo o árbitro soube que tinha metido água. Em todo o jogo o Sporting meteu água e não meteu nenhum golo. Eu e os senhores da Televisão só vimos a mãozinha marota na segunda repetição do lance. O juiz não tem TV.
Eu tenho e no dia seguinte voltei ao sofá para o Nacional na Luz. Vi um bocado. Quando a mulher me acordou o jogo já tinha acabado. Pela manhã vim ao computador e fiquei a saber e o amigo que me telefonou foi mais explícito: «Sim,sim, o Benfica ganhou, mas tu não perdeste nada»...

sábado, setembro 09, 2006

DESINJUSTIÇAR

Pessoalmente não me importava que a «justiça» não fosse cega, nem fosse surda ou até que botasse, de vez em quando, o seu palavrão. Preferia mais que fosse expedita, eficaz e, de vez em quando, justa. As mais das veses o clube dos magistrados «joga» como o Benfica: para os lados, para trás e para fora. Raramente nos jogos grandes, a Justiça, chega aos golos. Frequentemente nem entra em campo, esconde-se no balneário.
Ainda admiti que um pacto a dois, novinho em folha, podia ser como um treinador novo: tirar dois defesas para povoar o meio campo e reforçar o ataque. Ilusão, pura.
Não vamos saber nunca se o senhor Pedroso foi ou não foi, se os outros que tais são ou não são o que se diz que são. Afinal o que moveu a dupla da maioria alargada foi evitar que pessoas políticas e afins voltem a ser molestadas e incomodadas por magistrados sem sono. Nem os telefones das pessoas importantes usados para escutas.
Teria preferido ficar a saber que qualquer apressado automobilista que atropele (e mate) uma senhora numa passagem para peões não volte a ter direito a ser condenado a dois anos de prisão com pena suspensa; que um infeliz peão que venha a ser atropelado nas Amoreiras e fique paralizado para o resto da vida não volte a ter de esperar anos e anos e anos pela setença e, sobretudo, pela justiça. De facto, têm razão os que creem que a Justiça é como a água benta: cada qual toma a que quer. Ainda há dias li que duas funcionárias de uma escola-albergue
de índole religiosa que denunciaram maus tratos exercidos sobre alunos foram despedidas. Mas deviam ser aconselhadas a evitar as imediações de outro centro de reabilitação de menores do Norte onde os garotos, coitados, se entregam a brincadeiras trágicas. Valeu-lhes o sentido pedagógico e humanista do juiz. Deve ser preciso ler muito para perceber a juventude descolarizada como a de um juiz do Sul, mais para os nossos lados, que não julgou por homicídio
o jovem de 17 anos que violou, não sei com que carinho, um menino de seis, que acabou por morrer. O autor da violência não teve, concluiu o juiz, intenção de matar. Talvez o garoto mais pequeno não tivesse intenção de morrer, mas isso que interessa se desde ontem a Justiça mudou: Pedroso algum jamais será incomodado...

sábado, setembro 02, 2006

REVIANDÂNCIAS

Da primeira vez que jornadeei foi claro por causa dele, do meu andante vizinho. Abalara de férias para o Leste desvalido e eu sou um invejoso desvairado. O gajo não se fica a rir. Prometi-me. E fui e quase que cheguei a Almada. E não é que o tipo, deve ser ele deve, ainda que disfarçado, reabalou para o Leste, o próprio, o supra.
Fiz a trouxa e matutei: «e agora?» Agora matuta, desenrasca. Matutei e deliberei. Ala para o Peso da Régua. E já.
Já fui. Comecei, bem entendido, por ir ao Porto e como quem não quer a coisa descer á Ribeira e perguntar ao gajo dos botes como era isso de ir à Régua. Fácil: 50 paus, com pequeno almoço. almoço e regresso de comboio.
Simples demais. Já que estava ali, comi umas lulas recheadas e voltei a Lisboa. Convidei a filha a convidar-me a ir na carro dela. E lá fomos, pela manhã. Em Vizeu parou-se para mastigar. Para alguma coisa há-de servir O Cortiço! Depois Lamego, a espreitar, debaixo, a Senhora
dos Remédio. A cidade engalanada por mór das festas. Finalmente a Régua, de passagem, rumo a Mesão Frio e parar numa de turismo rural. Um acolhimento simpático e um quarto com vistas para o Douro, a serpentear lá embaixo, por entre os montes. Não tem nada a ver com S.Pedregulho sabe Deus de quê mas possui mistérios deliciosos, como o de encher o Marão de socalcos, plantar vinhas e fazer Vinho do Porto. Dá para perceber que também sei de culturas. Fica-se enbevecido a espreitar o rio, sentado na varanda a beberricar um copo.
De manhã cedo, finalmente o comboio do Tua e dali para Mirandela. É do caraças! Não sei explicar melhor. Houve na Régua um escritor,que também era médico que sabia explicar muito bem o que era a paisagem, mas ele enfiava o homem trasmontano de tal maneira que parecia o Deus da Amália a perfumar as rosas e pratear o luar. O trem que desce a serra montanhosa por entre rochas graníticas, à beira de precipícios medonhos não é só uma imagem soberba. Fica retida na memória. Não sei gabar aquilo. Se quiserem façam o favor de ir ver.
À noite fui comer a Vila Real. Antes, enquanto a filha fazia a ronda das lojas de trapos, eu fui à tasca do Alemão. Não sei se Miguel Torga alguma vez escreveu sobre a tasca, a última, desoladoramente esvasiada de frequentadores. Se ele que cantou como ninguém aquele soberbo naco da Natureza não citou a taberna do Alemão, não sou eu que vou ser capaz de o fazer, mas posso garantir que vale a pena trepar lá atrás dos montes só pra disfrutar a Tasca e, já agora, ir nos comboios do Tua. Não troco por Moscavide, seja lá ela onde for.
Jantei na rua, à fresca. Descontraído. É bom quando é a filha que conduz...
E fui com ela, a S. Leonardo, só para ver o rio lá de cima. Vi, claro e não vou perder tempo a contar que é bonito. Que se lixem os que nunca viram e se lixem mais os que não forem ver.
Deu para perceber que sou um portuga nato,hein! E se eu vos dissesse que uma semana depois,voltei à Régua, ao hotelzinho campestre, que cambaleei no comboio da montanha e fui à Tasca do Alemão e rejantei na rua. Desta vez com o filho mais novo, que também conduz, que, como a irmã, habita a África.
As viagens são para quem as merece. Mesmo assim nada sei do Mateus, nem da família dele. Menos ainda se o Valentim é Valentão. Duvido da lealdade à Cunha. E se só um terramoto pode
derrubar Madail, que não sabe não viu, nem estava lá, então senhor Blatter, sirva-se e se quiser ir à Régua, faça favor, mas lá que um processo judicial lhe ficava a matar, lá isso ficava. Se o bom Deus assim o quisesse e os meninos da fifa tivessem que responder em juizo e eu prometo que faria uma viagem à Suiça e havia de acender uma vela...

sexta-feira, setembro 01, 2006

CARACOL

É um bichinho simpático. Um exemplo de placidez. Leva o seu tempo para encher a vida - a dele!
A miúde fica-se pelo caminho. Estorricados pelo fogo terrorista e mesmo sem isso muitos deles acabam na panela. No seu horizonte não há, nunca houve, televisão. Nem futebol ou crise económica. Tanto quanto se sabe não têm governo, não se manifestam. Aguentam ou sucumbem! Ao cabo de milhares e milhares de anos não nos legaram qualquer mensagem. Não se sabe porque existem ou para que existem. Receio que tenham escutado, sem querer, o hino do Altíssimo: «Levanta-te e caminha». Em si, acho a mensagem equívoca: «caminha» tanto pode significar mexe-te, anda por aí, como vai dormir. O bicharoco que carrega a casa às costas deve ter entendido mal ou não soube fazer ouvidos de mercador.
No caso humano, a mensagem foi aceite mas não entendida. Sem horizonte a estrada não tem fim. Lá andar anda-se, mas sem chegar. As dúvidas são como os tachos para os caracois: dizimam. Quem são os maus, quem são os bons, os terroristas ou os justiceiros?
Não há notícia de que Viriato comesse caracois. O pastor dos Montes Hermínios fazia enormes maldades aos romanos que, na península, construiam estradas romanas e pontes romanas e estâncias de férias em Loures e arredores. Os romanos eram os americanos da época. Gostavam de ir ao Coliseu, como eu quando era pequeno e uma vez fui lá ver o Cerdan bater no Agostinho. Os romanos usavam carne para leão, nos espetáculos festivos e o veneno, para eles, era uma arte e devem ter sido eles a inventar a politiquice e foram-se dizimando e sumindo na poeiras das intrigas.
E os marinheiros aventureiros que levaram os primeiros espasmos europeus às negras atónitas e a eles se foram com grã cópia de gritos e avés marias para lhes ficar com a terra e o mando sobre ela e o posso sobre tudo. Quem eram os bons e os maus?
Como resistiu, em Paris, a resistência à ocupação alemã? Com bons modos? Ou com bombas à surrelfa? O tinha que ser tem muita força. E teria, decerto. Não conheço as boas razões da ETA, mas aceito que as tenha, como aliás entende o governo espanhol ou Rei, que chegou a estar na mira!
E no Golfo como se vai, por fim, aceitar quem é o Deus bom e o Deus mau, se é que há algum bom? Ali é difícil julgar porque não são bons os que morrem e maus os que matam. De um lado, para matar é preciso morrer. É o terrorismo elevado ao martírio, o que só por si não purifica mas confunde. Os tipos que desviaram os aviões para estoirar com as torres nova iorquinas sabiam que iam morrer e foram e destruiram. Não deixou por isso de ser um atentado terrorista, tal como bombardear uma cidade inteira não pode, nem deve, ser aceite como retaliação justificada.
Ao cabo de dois mil anos a humanidade não aprendeu a proteger-se. Optou pela via da ameaça. Os poderosos perderam, mas ninguém verdadeiramente ganhou...

segunda-feira, agosto 28, 2006

Os atrasos e a sofreguidão dos lucros

Num primeiro post e ainda em S. Petersburgo prometi uma espécie de relato de viagem, tal como havia feito o ano passado. Rapidamente cheguei à conclusão de que não valia a pena entrar em tal stress - o que me custaria as férias.

Nos Hotéis russos, quer em S. Petersburgo, quer em Moscovo, a utilização da Internet wireless custa pelos menos 16 euros por hora, que tem de ser utilizada toda seguida. Os serviço de Net comum, na maior parte gratuitos, só dão para ver os e-mails.

Desisti da ideia de contar as maravilhas que ia vendo, mas registei a ideia de que os hotéis russos ainda funcionam como os portugueses há uns anos, de cujo montante das receitas, oito por cento era de telecomunicações.

Prometo falar-vos do Hermitage com mais tempo e dos museus de Moscovo, bem como da Praça Vermelha, não da múmia de Lenine, mas do seu enquadramento. Depois de descansar das férias...

quinta-feira, agosto 10, 2006

Os Renascimentos sucessivos

O que mais impressiona a quem visita S. Petersburgo como turista e percorre museus e palácios à procura do passado é encontrar o presente:porque os palácios e os museus valem a pena pelo passado, pelo que mostram do fulgor das Rússias dos Czares, mas também impressionam pela reconstrução a que foram sujeitos depois da destruição gigantesca da Segunda Guerra Mundial.
Esta reconstrução impressiona pelo rigor e pelas contas que sugerem, já que a URSS deve ter gasto milhões sem conta para esta reconstrução. Uma reconstrução que pôs de pé os símbolos de um poder contra o qual os construtores da República Socialista tão ferozmente se tinham erquido.
Por outro lado, esta reconstrução impressionante não pode deixar de lembrar a grande capacidade para os sucessivos renascimentos da Rússia.
Olhando a vida agitada, acelerada, percebendo pela construção activa de novas fábricas e pela adaptação rápida da população russa a um outro ritmo de vida e a outras regras de convívio, depressa se percebe que está em curso outro renascimento da Rússsia, um país que desde Pedro I, o grande, se habituou a queimar etapas históricas, ultrapassando e surpreendendo os outros povos que desde sempre olharam a grande estepe como um Mundo àparte e, em certas circunstâncias, atrasado, num mundo atrasado.
Será bom abrir os olhos...

terça-feira, agosto 08, 2006

S.Petersburgo

Sair de Portugal é sempre um desafio. É que o raciocínio por analogia é sempe uma tentação e, por exemplo, chegar a S. Petesburgo, em pleno Verão, e descobrir uma cidade monumental, a recompor-se de mais de setenta anos de paragem no tempo, perceber a vitalidade que se desprende do comérico que ocupa as principais avenidas da cidade, sentir o vigor de uma juventude que se descobre a si própria, sem complexos e já muito longe de tudo quanto seus pais aprederam e lhe ensinaram é perceber que connosco - portugueses - é sempe a andar para trás.
S. Petesburgo é uma cidade que lembra um império, que mostra os vestígios de Pedro, o grande, que exibe ainda a ambição da aristocracia russa, os seus caprichos e o seu poder e também evidencia a pobreza do regime que durante setenta anos foi roubando das igrejas e dos palácios metais e pedras preciosas, transformando templos, pagos por subscrições públicas de todos os povos de todas as Rússias, em armazéns de batatas e de materiais de construção.
S. Petersburgo é uma lição de que conto dar algumas notas nos próximos dias.

domingo, julho 16, 2006

Lisboa Existe -Diz a Loira da Rua 48

Agora até os finlandeses chegam a Lisboa e ficam fascinados. É a cor, indiscritível, o Rio, onde apetece ir, à sexta-feira, ao domingo... o Parque Eduardo Sétimo, visto lá de cima com o Marquês como primeira figura e o Cais das Colunas, desfeito, à espera de uma solução que nos permita imaginar Lisboa tão bela como sempre foi mas mais adaptada aos nossos dias , aos dias que caminham inexoravelmente para a exploração de cada minuto da vida de cada homem que não tenha uma caneta para assinar um cheque.

É nos primórdios dessa Lisboa que existimos - explica a Loira da Rua 48 à vizinha, pendurada no mesmo varão do autocarro, cheio de gente calada, sem capacidade para reclamar ar condicionado, mais viaturas na carreira porque o Metro entrou em greve, tem linhas avariadas e porque a Carris resolveu poupar com as férias dos estudantes.

-"Dentro de algum tempo - poucos anos - o Terreiro do Paço abate, os Ministérios afundam-se, lá se vão as facturas que ainda não pagaram, o sonho do Metro, como uma espécie de marginal de um aquário vivo, desaparece, mas, em contrapartida, talvez possamos ver as flores de estufa do Ministério da Agricultura e florescer no Rio, batidas pelas ondas suaves, a abanar, a abanar..."

- "Oh mulher, você está doida! Só pode ser do calor..."

- " É do calor, isso mesmo... um dia destes vamos ver os homens todos tapados, comos os tuaregues do deserto, os padres a fugir, os políticos a perguntar "que fazer?" Ninguém nos preparou para isto e Lisboa a crescer em deserto, a água a sumir-se por debaixo da pombalina e nós todos admirados - como deixámos que nos governassem assim...?

A viagem do autocarro chegou ao fim. Havia um pesado silêncio entre os passageiros que foram descendo. Alguns deles interrogando-se seriamente sobre o que estaria a acontecer debaixo daquelas pedras que pisavam como todos os dias. Alguns deles ainda ouviram a Loira dizer: "Lisboa Existe! - Lutemos por Ela"

quinta-feira, junho 15, 2006

FEIOS PORCOS E MAUS

Com o exlusivo quase exclusivo da TV-Cabo, através da TV-Sport, ficamos tramados. São negócios. Não há moralidade. Não comem todos. Só alguns vêem -- os que pagam! Eles comem tudo, comem tudo e não deixam nada, como cantou um que sabia. Os donos da bola, montam o circo como lhes apetece. De vez em quando metem água e fazem birra.
Logo no início da sua actividade, a Cabo viu-se com um concorrente à transmissão de um jogo entre uma equipa portuguesa e outra italiana. Acontecia que, ao tempo, existia na rede um canal italiano, que, por acaso transmitia o jogo. Fizeram, na altura, o mesmo que desta feita: cortaram a emissão. Devem ter metido água porque deram umas desculpas esfarrapadas e, de raiva, cortaram o mal pela raiz: despejaram o canal no lixo, trocando por outro que não dava nada que preocupasse.
Agora repetiram a graça: cortaram a emissão, sem dar cavaco e, nos dias seguintes, à hora do jogo, fecharam o canal com uma explicação ambígua.
Não sei se devo ou não por em causa o direito, mas contesto o rigor. A transmissão pelo «M-6», em francês, era um pequeno lenitivo para quem está fechado em casa e não tem taco para mafiosos. Não competia com o «20». Só tinha a vantagem de não ter que gramar Peseiro e outros do mesmo peso, chatos como burro. A emissão é, grosso modo, má. Aquela maneira do comentador comentar tudo menos o que está a acontecer enerva. Raramente vejo a SIC e ainda menos a TVI. Praticamente só espreito os telejornais, a saltitar de um para outro e aí dez minutos, depois já não há saúde. Mesmo assim, nos jogos com Portugal, prefiro a SIC, tão má me parece a emissão desportiva na Sport-Tv
Curioso é que, frequentemente tenho visto em Paris jogos de clubes portugueses ou da selecção portuguesa, através da TV e não estou a imaginar o «Canal Plus» bloquear os canais dos vizinhos. De resto não é novidade em países africanos ver-se jogos cujos direitos nem sequer foram negociados: uns aproveitam, outros fecham os olhos. Que mal viria ao mundo se meia dúzia de criaturas espreitasse o Irão ou a Tunísia, a Costa Rica ou a infeliz Polónia. No fim de contas a comunidade europeia é bem mais económica que solidária. Dar aos ricos o que se rouba aos pobres já não se usa. Mas é por estas e outras que não se deve ir à bola com Oliveiras...

A PEDIR CHUVA

... Não andava eu, quando ela me caiu em cima, esta manhã. Desatei a mandar vir com os comentadores, com a mania de se meter em tudo, até no treino alentejano de Scolari. Mas desde que descobriram os trinta e tal de caloraço, que o Barbas lhes mandou para cima dos estádios germânicos, meteram a viola no saco e o treinar em Évora desapareceu dos horizontes. É injusto: eles a pedir chuva e frio e eu é que gramei com ela. Mas quando vi a manif não fui de modas fiz de comentador para mim: «lás estão os malucos da bola». Asneira! Eram agricultores de culturar subsídios, cheios da razão deles: sem subsídio não há pão, nem feijão. Pois não, mas nos supermercados expõe-se fromage à fartazana, fraises por grosso e atacado made in Spain,picanha congelada ou por congelar, argentina ou brasileira, viande irlandesa. O bordeaux é menos caro que a pinga do Douro e mais barato que o alentejano. Não se espantem. Deve ser por escassês de subsídio.
Os profesores podiam ensinar isto melhor, mas estão ocupados. O governo também, mas também está ocupado a denegrir a classe. A classe é média baixa, é, sim senhor, mas alguém mediu o índice do governo? Dos governos todos que a democracia nos porporcionou e que deixaram, na matéria, a obra que está à vista. A política, infelizmente, não é como o futebol: não tem árbitro munido de cartões vermelhos. Se qualquer membro do governo pode dizer que os professores não são competentes, sem qualquer espécie de pudor, por que fazer crer que é indelicado dizer que o ministro tal foi um filho desta ou daquela, que este ou aquele governo foi pior que um terramoto. Muitos dos ministros, ministras e afins que passaram pelo Ministério da Educação não saberiam dar uma aula, quanto mais avaliar um sistema de ensino. Os velhos sabiam que não se podia meter o Rossio na rua da Betesga. Os ministros e os governos nunca quiseram crer nisso. Orçamentos curtos e professores baratos é demasiado básico para ir longe.
É evidente que é forçoso arrepiar caminho. Não bastará à ministra ter a melhor das intenções. É preciso o envolvimento de todo o governo. Nada de solidariedade ministerial, nada disso. Apoio e contribuição de todos os ministérios a dar corpo a um movimento nacional. De outro modo não se vai longe. A pintar a fachada não se vai longe...

sexta-feira, maio 26, 2006

DIREITOS E LIBERDADES

Nem é sequer a propósito do livro do esposo da esposa e menos ainda do esperançoso treinador das esperanças perdidas. É simplesmente a propósito de direitos e de liberdades. Ocorreu-me que a filha de madame Curie, que também teve o seu prémio Nobel, foi juntamente com duas outras senhoras, titular de uma pasta ministerial. Integrou o governo, se a memória não me trai, de Leon-Blum. No entanto as senhoras puderam pertencer ao governo, por acaso de esquerda, mas não podiam votar: não tinham direito. Esse direito, creio eu, viria a ser concedido por De Gaule, já depois da segunda guerra mundial.
A liberdade de escolha é suposta ser também um direito, mas não garanto. Um cidadão, desde que se disponha a pagar o preço, pode matar o próximo. É livre de o fazer com violência ou com piedosa suavidade. Pode violentar criancinhas ou idosos, trucidar deficientes, com requintes de malvadez. Alguns, que eu sei, mataram a própria mãe ou optaram por desfazer-se do presumível pai. Podem beber demais e conduzir na broa.
Seja qual for o crime livremente escolhido, a sua prática concede-lhe o direito a julgamento
justo. O Estado deve propiciar-lhe cama, mesa e roupa lavada a que tem direito. Manda o humanismo que se disponha de televisão no refeitório; que se possa assistir ao mundial de futebol.
Que direitos tem uma vítima? Funeral decente? Missa do sétimo dia? Como se compensa uma mãe a quem mataram um filho?
É proíbido fumar? Não! Claro que não! Pode-se fumar desde que não se incomode o próximo. Mas o tabaco mata, faz mal à saúde, de quem fuma e de quantos se abeiram do fumador ou quando o fumador se abeira deles. O que faz mal é o tabaco. Mas o tabaco continua a fazer-se e a vender-se. Como a velocidade: não se pode conduzir a mais de 120, mas os carros vêm de fábrica mais possantes e matam mais depressa que o tabaco, mais depressa que o alcool.
Quando um governo quer mais farmácias e menos maternidades está a exercer um direito: o direito de lixar a vida aos cidadãos: Por haver mais farmácias não haverá mais doentes, nem se vão vender mais remédios. No antigamente, que bem me lembro, as mães tinham os filhos em casa e tratavam de interromper os descuidos no alojamento das parteiras. Não se trata de pregar moral: era assim. Deixou de ser. Agora também. Ir a Espanha ter filhos não é nada de outro mundo, já para lá se patinhou por razões inversas. As coisas são como são: os governos
governam com a legitimidade que lhes é devida e os cidadãos são livres de pagar as consequências...
Nem era de consequências que desejava tratar. Quantas vezes na melhor das intenções se dizem inconveniêncis? Não é por causa das selecções perderem que o futebol deixa de andar para a frente. Para a frente do Benfica vem o Rui Costa e ninguém perguntou a Pinto da Costa se ele ficou satisfeito. Os clubes são livres de ficar a dever e é manifesto que têm o direito de não pagar seja qual for a cor do apito. Um Benfica forte é o que se quer. O Rui já cá está e amanhã vão ficar a saber do melhor: com vista ao futuro os dirigentes encarnados não olham a sacrifícios e vão anunciar a contratação dos esperançosos Costacurta e Maldini para a defesa, porque a defesa é o melhor ataquer.
Liberdade não é só matar ou estropiar é também o direito a ser enganado, enquanto sonha alto.
Como se pode pensar em crianças ou no bem estar delas se os adultos são o que são? Se a Justiça é o que é? Se as coisas são o que são? Se os valores valem o que valem e cada vez valem menos?
Fico por aqui. É um direito que me assiste...

domingo, maio 21, 2006

Um "Presunto" na Carreira da Loira da Rua 48

O homem começou a ficar pálido, verde, e a escorregar sobre uma senhora gorda que já não devia sentir mão de homem há um par de anos.
- " oh! senhor!!! está a meter-se comigo???
Não sabia se fugir ou se o puxar (falta de treino...)
E o senhor, de fato cincento, gravata encarnada, de pasta de executivo, espalhou-se pelo chão, de olhos arregalados e brancos... sem cor, desfalecido, braços sem força, a abanar.
"pahh" - a pasta despencou no soalho do autocarro da Carris atolhado de gente.
Gente que transpirava, suspirava e apenas uma entre tantas gritava:
- " Mas, afinal o que é isto, o meu passe diz que tenho direito a lugar sentado e com ar condicionado.-.. oh! senhor motorista, ligue lá essa porcaria que ainda morre p'ra aqui alguém!"
" Shhhlaapp". Homem ao chão.
Um alvoroço.
- "oh! senhor motorista, pare lá a carroça e chame um ambulância que está aqui um sujeito esticado..."
- " Isso passa" - diz o motorista, naquele jeito que todas as autoridades têm sobre todas as matérias, mesmo as que não lhes dizem respeito.
- "Qual passa, qual carapuça..." levantou-se uma voz que todo o autocarro conhecia. Era a loira da Rua 48 a comandar a rebelião da carreira da Carris.
- "faça o favor de parar já essa traquitana, ligar o ar condicionado e telefonar a pedir uma ambulância. Está aqui um cidadão esticado, que desmaiou, seguramente por causa do calor que aqui faz dentro e pela falta de circulação de ar puro que vocês já nos negam para pouparem uns míseros tostões no combustível destas carroças..."
O motorista parou o autocarro (ou seria uma camioneta, ou um machimbombo?) e telefonou para a central:
- " Oh! colega, estou aqui com um problema, tenho um passageiro no chão, parece desmaiado, acho melhor chamar uma ambulância..."
E, do outro lado:
- "oh! colega! isso é uma carga de trabalhos... abanem o homem que isso passa.... a gente liga para a ambulância e fazem-nos um monte de perguntas..."
Enquanto isso, alguns dos circunstantes propuseram-se ajudar o cavalheiro estatelado, pediram lugar para o sentar, abanaram-no e perguntavam-lhe coisas.
- " para onde é que o senhor vai...?"
- "será que tomou o pequeno almoço...?"
- "É melhor deixar o senhor aqui perto daquele posto clínico. Alguém pode ir lá com ele. Rápido, rápido..." dizia a Loira da Rua 48, que tinha reconhecido, naquele homem, com ar de executivo, um dos habitantes da sua rua.
- "Vá, senhor motorista, andando, andando... será que vocês não têm normas de execução para casos de emergência como estes? Que raio de companhia é esta que transporta milhões de pessoas, entregues a gente que acha que o ar condicionado dos autocarros só deve ser ligado quando eles próprios se sentem incomodados...?
A Loira protestou e o resto do pessoal assentiu (só com a cabeça - os portugueses estão a ficar mudos).
O senhor executivo, todavia, conseguiu, entretanto, recuperar do que parecia ter sido uma quebra de tensão, desceu do autocarro e pegou num telefone portátil. Os passageiros, que ficaram a olhar para trás perceberam que ele não falava e ficaram com a sensação de que não sabia, sequer, onde estava.
Continuou a viagem e, de repente, ouve-se o motorista, que, entretanto, tinha parado o autocarro (ou seria uma camioneta, ou um machimbombo?) no meio da estrada e estava a perguntar ao interlocutor do outro lado da linha: "mas, ouve lá, achas que aquele cinquecento vale alguma coisa...?
Foi preciso, de novo, a intervenção da Loira da Rua 48:
- " Mas, então o que vem a ser isto?... agora temos que estar aqui à espera que o sr. motorista feche o negócio do cinquecento?...não pode esperar por mais logo, quando não tiver a obrigação de conduzir esta gente aos seus destinos..."
O homem desligou o telefone, mas, entre dentes, sempre foi murmurando qualquer coisa contra aquela loira que lhe apoquentava quase todas as viagens daquelea hora da manhã.
Hoje, fim da tarde, estava a Loira a comentar o incidente com a sua amiga de todas as manhãs, quando, correndo e com ar bem disposto, com um saco de desporto ao ombro, apareceu ao cimo da Rua 48 o tal "presunto da carreira".
- "O homem deve andar a fazer exercício demais..." comentou a Loira

sexta-feira, maio 19, 2006

MACAQUICES

Placidamente sentado num banco do hall do aeroporto, esperava duas amigas, que chegavam de França. Já tinha folheado o jornal duas vezes e bocejado umas quatorze (será assim que se escreve?) ou quinze vezes,quando notei (hoje quero crer que tenha sido pelo olfato) uma cientificidade sobre relações presumíveis entre humanos e chimpanzés, na pag. trinta e uns trocados. O tom era o que vai sendo moda: sugerir um pecaminoso atentado ao pudor. A começar pelo título: chimpanzés e humanos fizeram sexo. Como são tendenciosos (jornais e jornalistas) não mencionam qual dos sexos fez sexo com o outro sexo. E evoquei algumas revelações sobre pastores, que sofriam com a solidão e abusavam (aproveitavam?) das ovelhas e ocorreu-me pelo menos um caso de jovem que ganhou o gosto pelas galinhas. Mas também vi, na fase de ver cine-porno, umas senhoras desembaraçadas mesmo com cães!
Quando amigas, finalmente se soltaram da zona restrita, alem das malas vinham cheias de jornais. Uma trazia o «humanité», o «figaro» e o «canard»; a outra o «le monde» e o «liberation». Foi a primeira página do último que me fascinou:O caso dos chimpanzés com fulanos de tal inundava a primeira página e tinha um tom sério. Dormi mais tranquilo. Vinha sendo, há uns anos, alvo do furor da patroa pelo vício que adquiri de remexer no interior do nariz. Afinal nem é nervosismo nem falta de higiene: é genético, gaita! É genético! Já não preciso de ter vergonha e já não iria a tempo de renegar os ancestrais. O Le Monde puxava pelo corvo, o denunciante anónimo, que o deixava de ser. Cheira-me a arranjo e façam o favor de respeitar o meu olfato, tem raízes! Com um culpado próximo do primeiro-ministro é o presidente que se livra. De onde diabo lhe vem aquele jeito dos saltinhos?

segunda-feira, maio 15, 2006

QUEM FEIO AMA

Melhor dizendo: se és bom junta-te aos maus, que é deles o reino. Comprei a revista para me regalar com os desenvolvimentos do escândalo que envolve o presidente francês e o seu (dele)
primeiro-ministro, a senhora dos Negócios Estrangeiros e o artista do Interior. Mas caí, por acaso, num artigo delicioso, que nem chamada tinha na primeira página, sobre a Fifa. Um book sobre os personagens da organização, acabado de sair em Londres, com autoria do jornalista britânico Andrew Jennings. O livro é demolidor e revela uma porção de escândalos. Tem todo o ar de ser um ajuste de contas. Não é exactamente um texto crítico sobre o organismo que tutela o mundo do futebol ou sobre a actuação dos seus dirigentes, mas a denúncia de quem efectivamente controla, e porquê, a instituição.
Tudo terá começado por um tal Dassler, patrão da Adidas, que soube ganhar influência dentro, foi ganhando espaço, controlando cada vez mais os dirigentes do mundo do desporto, que cada vez mais recorriam à sua influência para subir no escalão do dirigismo. Para evitar algumas resistências decidiu designar o presidente. Nem houve problema para substituir João Havelange, designado presidente honorário, com salário convenientemente elevado.
O escolhido já se sabe quem foi: um tal (e que tal!) Seep Blater. Não sei se se lambram dele. Serviu no Sporting, no tempo do despachante. Contratado para projectar o clube de Alavalade nas altas instâncias futeboleiras, mas ocorreram alguns azares, sobretudo na regularidade com os vencimentos. Blater acabou por zarpar e ameaçar os lagartos com a Fifa se não pusessem as contas em dia. O despachante, ele próprio, teve de se despachar e abalou para Angola e Seep acabou, como se viu, por ascender na vida. E que vida! O ordenado é imenso, ao nível de qualquer sultão petrolífero. Despesas de viagens e estadias e festarolas são todas pagas pela Fifa, que ainda agracia o viandante com 500 dólares por dia! o ilustre presidente pode fazer-se acompanhar, e é conhecida uma vasta lista de jovens senhoras interessantes, por quem bem entenda que deve viajar com ele, ou mesmo sem ele, por esse mundo fora. Jennings conta tudo. Não faço ideia se o livro já terá ou não sido comentado na imprensa portuguesa. Nos jornais parisienses não vi nada. Mas não li todos e não li, admito nenhum dos desportivos. O que se descreve e comenta é verdadeiramente escandaloso e pode, eventualmente por em causa o organismo que explora, no sentido literal do termo, o mundo do futebol. Presumindo que os dirigentes das federações não sejam do género de dormir na forma pode concluir-se que também eles devem exorbitar nos consumos. Pelo menos podem tornar-se suspeitos. A nível de clubes a transparência é a que se conhece. Não estou a ver qual dos nossos presidentes clubeiros se pode dar ao luxo de ir à Suiça atirar pedras a Seep Blater.
Em todo o caso acho que deviam ler o livro. Não para aprender, nem invejar, mas para ponderar.
Se quiserem homenagear o homem com uma estátua, façam-no. E dêem vivas! Se forem capazes de dizer basta, talvez o futuro lhes faça justiça...
Mas a avaliar que que se passa na Itália, andar com garotas bonitonas talvez seja um mal menor
e bem mais suave que arrancar dentes...

sábado, maio 13, 2006

RUMOR E CALÚNIA

É como a água benta: cada qual toma a que quer. Fui de viagem, de carro, até Paris. Até sair não tinha dado pelo escândalo na alta política francesa. A autovia de Salamanca vem vindo até nós com agradável persistência. Já vem até Ciudad Rodrigo. Por isso, cada vez se chega mais cedo a
St. Jean de Luz, para jantar e ficar até à manhã seguinte.
Foi então que comecei entrever os contornos do escândalo político do momento. É uma intriga que deixa Fátima Felgueiras a perder de vista, que faz de Ferreira Torres um pobre de Cristo. Pia mais fino!
Mas nem por isso constitui novidade. De há muito que Chirac vem sendo denunciado por financiamento do partido com fundos públicos, aquando presidente da Câmara de Paris. A condição de presidente da França permite-lhe manter-se à distância, mas não sem que, de vez em quando, tenha de haver carne para canhão. Mais recentemente, em 2000 a Justiça confirmava a «irresponsabilidade penal» de Chirac,a propósito justamente de irregularidades cometidas no município parisiense e condenou Alain Juppé, que acabou por se ver constrangido a emigrar para o Canadá porque a perda de direitos cívicos o inibia de fazer fosse o que fosse em França. Outros, antes deste, tiveram pior sorte mas, menos sérios preferiam fugir a prestar contas. De um deles veio a saber-se que investiu numa «dona Branca», que actuava no Mónaco e que estoirou de repente, deixando o pobre fugitivo em aflições, às quais os seus pares, instalados no poder, fizeram ouvidos de mercador...
Desta feita a intriga é mais insidiosa e sobretudo baixa, que vai fazendo estragos e não se vislumbra bem como vai acabar. Uma lista com nomes sonantes com contas suspeitas num Banco do Luxemburgo foi enviada para os jornais. Gente conotada com a Esquerda e com a
Direita, mas sem personalidades do Partido de Chirac causou perplexidade. Veio a concluir-se que teria sido concebida por encomenda a «alguém» dos «serviços secretos» do Estado para comprometer muitos adversários políticos em geral e Sarkosy, em particular.
MAM - Michèle Alliot-Marie, que tutela a Defesa, era suposta não estar por dentro da maquinação, porque o marido era tido por ser amigo de Sarcosy. Aliás, este Sarkosy é um poço de inimizades. A sua pouco clara relação com a filha de Chirac e o brusco afastamento dela, não favoreceu a ligação amigável entre os dois políticos. O problema, por outro lado, é que ser amigo de Chirac era pior do que ser visita frequente da casa de Mitterand, como Juppé haveria de reconhecer e muitos outros o puderam também avaliar...
Aos poucos muita sordidez chegou à sacrossanta comunicação social, confundindo mais que clarificando. Perante o escândalo , Chirac começou por fazer o que costuma: distanciar-se!
A Villepin deixava-se o papel de vilão. Ninguém acreditou. Ele é, tem sido, o moço de recados. Percebeu-se que rapidamente seria deixado cair. Não funcionou e a crise inchou e a ministra amuou e nuitos dedos apontaram mais para cima. Gerou-se a convicção de que o Presidente não encontrava substituto para Villepin. A precaridade tem limites e eleições a um ano de vista desmotiva qualquer um. Ao mesmo tempo fez-se crer que nem Sarcosy ia aceitar.
Enquanto isso o general da Secreta «descuidava-se» com umas anotações que comprometiam
Chirac, o que significava que Villepin também se podia vitimizar! A par, um ex-colaborador do Presidente aparece com um livro de memórias: «O gendarme de Chirac». Mais um que foi encaminhado por Villepin para um dos advogados de Chirac, que o aconselhou a pôr-se a andar e ir para Marrocos! Não foi e respondeu pelo crime de corrupção. Cumpriu a pena e agora apresenta a factura. Segue-se um juiz a admitir ter sido manipulado por um afim de Villepin.
A oposição, à esquerda e à direita, manifesta-se. A Comunicação Social relata e Chirac queixa-se da ditadura do rumor, da ditadura da calúnia.
Será mais legítima a conjura social? Sonora e maquiavélica?Mas, bem entendido, democrática?...

segunda-feira, maio 01, 2006

Baile para maiores de OITENTA

Madrid. Faltam 15 minutos para 18 horas. Calle de La Salud. Uma pequena multidão de homens e mulheres já muito para além da chamada terceira idade faz uma fila, no passeio e para baixo de uma porta que, em grandes painéis, anuncia "Baile Estilo Orquestra".
À volta da praça, com um pequeno jardim e uma esplanada, há pequenos círculos de homens com idades comparáveis à dos que permanecem na fila. De todos os lados da praça aparecem mulheres bem arranjadas, pintadas, vindas do cabeleireiro há poucos instantes. Aos pares. Também há casais, que, por vezes, trazem "de pendura" uma amiga.
Junto à entrada, o porteiro, um homem dos seus trinta e poucos anos, olha com ar divertido os seus "clientes", vai conversando com os que estão mais perto e às 18 horas em ponto dá a ordem de partida. Em pequenos grupos, homens e mulheres vão entrando. Eles, com gestos calculados, levam a mão ao bolso interior do casaco, elas metem a mão nas carteiras. A maior parte delas leva um saco nas mãos. Alguns deles - poucos - também.
A partir daquela hora e por muito mais tempo , chega gente de todos os lados, de Taxi, a pé, mas com um único objectivo: entrar naquela porta.
Muitas das senhoras que ali vi tinham, seguramente oitenta anos, ou perto. Alguns deles também.
Reparei especialmente num senhor, bem vestido, com casaco e calças claras, camisa azul escura e uma gravata também azul, muito clara, e que permaneceu longo tempo, com ar tímido, de verdadeiro adolescente, a olhar os outros que, afoitamente, entravam na sala do baile, "tipo orquestra". Era dos mais novos.
Estaria à espera que a dama dos seus sonhos chegasse?
Avaliaria ele, no seu conjunto, a frequência daquele dia?
A verdade é que tinha um ar triste, a contrastar claramente com o tom da roupa que vestia.
De repente, surge em cena um cavalheiro com um fato entre o castanho e o amarelo, com uma camisa salmão, aberta, de cabelo completamente branco, de tez bronzeada. Pára à beira da porta, encosta-se à parede, olha em redor, pucha de um telefone portátil e, pouco tempo depois de ter trocado meia dúzia de palavras, entrou decidido naquilo que só pode ser um salão enorme - tanta gente lá entrou.
Na fila inicial há uma figura de banda desenhada: fato branco, camisa preta e gravata branca, cabelos compridos completamente brancos, tem um olhar dominador. Pressente-se nele uma cabeça agitada pelas recordações de outros tempos em que faria rodopiar nos braços as mais belas de Madrid.
Na Calle de La Salud, a caminho da Gran Via, aparece um cavalheiro de cabelo e barba brancos, com ar distinto, olhar dirigido para lá do horizonte, a fumar com gestos estudados noutros tempos. Apoia-se numa bengala e permanece longo tempo a observar o movimento gerado em direcção ao "Estilo Orquestra". Passeia pelas mulheres que chegam um olhar enfastiado. Dá alguns passos em direcção à porta, ainda do outro lado da rua, mas, lentamente, um pouco mais tarde, atravessa a rua e, quando tudo indicava que iria entrar, passou ao lado, descendo em direcção à Alcalá.
Entre aquela gente de tanta idade, mas ligeira, algumas menos idosas e muito mais ligeiras conseguiram entrar no recinto. Percebeu-se que são conhecidas do porteiro, que, todavia, impediu a entrada a um grupo de três mulheres de origem africana que se faziam acompanhar de um jovem que ostentava um boné. Fiquei sem saber a razão da proibição. Talvez fosse o boné do jovem...
E quis saber o que era aquilo. Um madrileno bem disposto explicou-me que era "um baile para maiores de oitenta" e que acontecia todos os sábados e domingos. Reunia-se ali uma verdadeira multidão de gente com idade para desejar estar em casa e "bailam, bebem, riem, cantam, sentem-se acompanhados... e alguns arranjam companhia para o resto da vida..."
Um dia destes - contou ele - morreu um velho com oitenta e três anos; dançou muito e o coração não aguentou, veio a ambulância, foi uma tristeza, mas o baile continuou. Toda a gente que estava lá dentro pensou o mesmo: morreu feliz.

terça-feira, abril 18, 2006

FICÇÃO (?)

Recebi uma carta razoavelmente injuriosa, com um rabisco indecifrável no fim. O papel tinha manchas de dedadas. Lamentei não conhecer ninguém no CSI, havia de ser canja. Em todo o caso é reconfortante ter quem nos leia, ainda que seja alguém pouco recomendável. Passo a transcrever, depois de excluir alguns palavrões e semear algumas vírgulas:
Olá, meu - Vocês têm a mania, é o que é. São uns safados uns filhos da...Passam o tempo a falar mal do governo e dos ministros. Porquê? O que é que vocês, cambada de velhadas sabem do sistema? Nada!
Eu sei. Sou gatuno, vivo, e não vivo mal, de gamar. Não trabalho muito, não preciso. Preciso é de trabalhar bem. De ser avisado e exigente e de tar a pau! Quando compro um jornal gosto de ver a informação que dá conta das preocupações do xuis, das prioridades deles. A «liberdade de expressão» faz-me um jeito que vocês nem imaginam! Deu-nos uma trabalheira aprender formas de prevenção e de cautelas. Temos de ser pacientes com a bófia.Quando eles avisam que vão fazer isto ou aquilo, a malta percebe. Toca a arranjar uns excedentes e encafuam-se num camion manhoso mal guardado, de modo a ter ar suspeito. Atrai-se alguns do «problemáticos», daqueles que exageram no consumo, dão barraca e estragam o mercado, para as imediações do camion e os xuis juntam o útil ao agradável. E, claro, o malão a sério,esse, passa,tranquilamente!
Os gajos do lado de lá também fazem isso aos agarrados. Metem dois ou três num Boeing-tamanho família. Os patetas escondem o produto nas cuecas ou na barriga. Seja onde for estão lixados. São denunciados sem piedade. Um gajo qualquer dos jornais disse uma vez que eram carne para canhão. O que eles passam a ser é mão de obra. Na choça tem que se trabalhar, sem preconceitos, para se sobreviver e fumar.
Cada vez há mais sítios para vender e mais malta para comprar. Não se pode andar nesta vida e ser piedoso. Há que alimentar o mercado e dar abébias às polícias e tem que se dividir o mal pelas aldeias. Os xuis que consomem não são de fiar. Mesmo que seja preciso rezar, há que evitar que nos apareçam nas aflições. É malta lixada que só arranja caldinhos. Sáo como o Freitas: não têm sentido de estado...
Trabalho frutuoso tem sido o do governo Sócrates. Graças a isso, volta que não volta os xuis entram em greve e enquanto dão asas à dita a mercadoria expande-se não sei quantos por cento: uma festa!
A mim até me deu, um dia destes, para comprar um bilhete para a bola na candonga, no mercado negro, é melhor dizer assim, porque não convém muito usar o calão senão topam-nos à distância. Custou-me quase três gramas, mas deu para ir a Barcelona!
O Koemans é um merdas, não percebe patavina daquilo! Se ficar mais três meses na Luz ainda acaba cliente da malta e vai ter que pôr os rapazes a fumar se quer que eles façam alguma coisa.
O patrão dele devia saber isso melhor, olá se devia! Isso de apalavrar uns árbitros foi chão que deu uvas. É preferivel um traficozinho do que acabar em terceiro...
Vê lá, meu, se abres os olhos e deixa-te de lérias. Quem te avisa...

Não entendo se é um recado ou uma ameaça. De facto fez lembrar uma velha, muito velha, anedota, ainda do tempo do antigo regime. Numa empresa magestática um funcionário recém admitido é censurado pelo chefe, por ter entrado tarde e deixado dois terços do trabalho por fazer. «Oh, homem!» disse o burocrata «Vá cortar o cabelo!». O chefe dirige-se ao director, ao qual expôs o assunto. O director chama o subordinado ao gabinete e na presença do chefe interroga-o. O interrogado responde-se «Vá levar no c...oiso»! E sai. Dentro, os dois homens fixam-se. O director telefona para a direcção de pessoal e pede a folha do artista. De posse dela descobre que o sujeito vinha recomendado por Salazar. «E, agora?», pergunta o director. «Olha, eu vou cortar o cabelo, tu faz o que quiseres!», respondeu-lhe o chefe. Talvez me vá deixar de lérias, estou em crer.






segunda-feira, abril 17, 2006

DEPUTAR

Que fique claro que não se trata aqui de ir de visita a meninas, qualquer que seja o estrato social das ditas. Disso um cavalheiro não fala -- a não ser em surdina! De facto vou ter alguma dificuldade em expressar-me. Além do mais nem sei ao certo como são os deputados nos outros países. Não sei se quer se são como os nossos, na semelhança com o comum dos cidadãos. E como cidadãos quero dizer criaturas que vivem de saber viver, que cedo aprenderam a arte de sobreviver. E isto não tem a ver com política, políticos ou politiquice.
Sobreviver na política é outra arte. O desenrascar é arte portuguesa típica. Não se falta ao trabalho, não senhor, mesmo que seja o de estar sentado a ouvir os outros: mete-se baixa. Nenhum contribuinte cá do burgo se esquece de declarar o que deve. Às vezes não se lembra.
Talvez o problema mais agudo seja a ponte. É isso, é! A ponte é um vício nacional e é já um direito adquirido e tão legítimo como qualquer outro, ainda que de legalidade duvidosa. Um feriado à terça está mesmo a pedi-las e se for à quinta é o mesmo. Não vale a pena atirar as culpas aos deputados pelas leis não discutidas ou por aprovar.
Naquele ambiente produtivo em que habitam os deputados, que nos habituaram a vê-los sentados no hemiciclo ou a patinhar pelos passos perdidos, quando lá vão... Ponte? Não senhor!
Ponte não perdem, nem que chova, nem que se vote. Quem quer que se vote «debaixo da ponte» ou é aquilo que parece ou não tem arte...
Bem vistas as coisas, a Assembleia é o que os deputados querem que seja e como está. E isso dá muito jeito ao governo na maior parte do tempo. O senhor Presidente da Assembleia podia sugerir que se instituisse um regimento mais austero. Que se fugisse da ponte com o mesmo empenho que o Diabo foge da cruz. Que se deputasse com zelo, que se votasse em consciência ou de olhos vendados. Tem que haver latitude, deputado não tem que ser mártir, nem santo, sete dias na semana. Mas não deve andar a saltar de ponte em ponte, que dá nas vistas e entristece o dr. Gama...

domingo, abril 09, 2006

JORNALAR

Quando eu era pequeno (de idade) matava-se o bicho pela manhã, no Cais do Sodré. Haveria, por certo, outros sítios onde fazê-lo, mas na minha pouca idade não os podia ver a todos. Mas sabia. Era gente de trabalho masculina de lide matinal, pela Ribeira (mercado abastecedor) ou junto à beira rio. Havia frio e humidade que o calor do trabalho só por si não eliminava. Era necessário aquecer a alma e o estômago. Nada que um bagaço (ou dois) não acalmasse. Era a isso que se referia o mata-bicho. Os quiosques no Cais do Sodré abriam pela madrugada, à espera da manhã e praticamente só vendiam ginjas e bagaços, além de um ou outro «copo de três». É verdade, confesso, que também se comercializava algum moderado «copo de dois», mas menos. O frio (e a sede) eram impedernidos.
Foi só quando cheguei a Luanda, à beira dos trintas, que dei pela expressão «mata-bicho» como pequeno almoço. E mais pelo verbalizar da expressão. Dizia-se «mata-bichar» no presente (do indicativo), no pretérito, mesmo que «mais-que-perfeito» e até no «condicional», tanto no singular como no plural.
E havia, logo de manhã os jornais. Os matutinos, bem entendido. Quando falo de matutinos vem-me à memória o João Rodrigues, desenhador fabuloso, que por acaso veio a ser ilustrador num pasquim que nem era matutino nem vespertino, ainda que fosse o diário da hora do almoço, era o «Diário Ilustrado» se a memória não me trai. Tinha dormido no quarto de alguém, à Praça do Chile e acordou ao som inexplicável de um monótono pregão: «Selos e cortiça, selos e cortiça, selos e cortiça». Que seria aquilo? Depois de levantar-se, arranjar-se e sair, deparou com um
ardina razoavelmente idoso, que vendia o «Século» e o «Notícias»!
(continua - há-de continuar, sDq)


ESTAMOS FALADOS
Era mesmo de jornais que eu ia botar paleio. É fácil, lá isso é, descortinar que os pasquins já não são o que eram, nem como eram. Pois! No tempo em que a Rádio não dava notícias, apesar de cobrar taxa (imaginem!) e nem se sonhava com a Televisão, os jornais eram uma coisa. Tinham o necessário. Era necessário dispor de uma oficina: os jornais tinham, cada um a sua!
Era premente uma distribuidora para distribuir. Os jornais tinham, cada um a sua. Se fosse preciso jornalistas também se arranjavam. Para director era preciso um doutor ou um engenheiro ou, até, um oficial militar. Conhecimento de Comunicação Social, que era como não se dizia, não era preciso, os senhores censores sabiam tudo, até colorir prosas com lapís de cor.
Esperava-se pelas notícias, a informação escorria lenta. Ninguém se suicidava: caía da janela à rua!Às vezes um burro ou até um cavalo de puxar carroça escorregava na calçada e amouchava. Era preciso um monte de gente barbada para ajudar a besta a erguer-se. E o eléctrico esperava. Bastava que se ajuntassem dois ou três eléctricos para haver matéria. Era melhor quando alguém se esquecia da beata acesa e o quarto ardia. Era tudo paulatino. Por essa altura andava de bibe e ia para a escola. O que eu lia era o «Mosquito», mas em casa, que sorte, havia sempre «O Século», ao fim da manhã e o «Popular», à noite, quando o meu pai vinha jantar.
Não se falava em casa da guerra, os jornais pouco escreviam. O meu pai de vez em quando ia assistir a sessões com documentários sobre a guerra, a convite da embaixada inglesa. Os alemães tinham um centro de propaganda a meio do Chiado e também passavam filmes e documentários, no «Ginásio», à Trindade, mas o meu pai não tinha convites. Era assim: os burgueses iam no «Ginásio»; os malteses numa sala algures entre Campo de Ourique e um cemitério, que havia por ali. Só para dizer que disto os jornais não botavam opinião e muito pouca notícia.
Foi assim. A partir de 43 já se podia dizer, mesmo no café, que o Hitler era um malandro do caraças. Mas que ele matasse judeus não se sabia. A aproximação oficiosa, mas quase oficial, às teses dos aliados implicava riscos. Era inevitável, mas assustava. Franco foi mais teimoso e o fim da guerra trouxe-lhe alguns amargos de boca. Desse ponto de vista, Salazar safou-se melhor.
As emissões em Onda Curta davam para ouvir a BBC e Fernando Peça, ele, sim, um enorme repórter, que descreveu muito da resistência londrina.
Entretanto, os jornais continuavam a sair, com tiragens elevadas. A história da guerra terminada ia-se refazendo, com grã cópia de pormenores. O futebol começava a ganhar espaço. No Porto três diários, «Jornal de Notícias», «Comério» e «Primeiro de Janeiro» barravam a entrada dos «mouros». Em Lisboa vendiam-se poucos dos jornais «lá de cima», mesmo assim mais do que o inverso, pela razão simples de Lisboa ser destino de nortenhos, que ,depois, fariam, em massa, agulha para a Europa!
A Emissora Nacional começou a fazer noticiários. Às treze e à meia-noite, se bem me lembro, que terminava o com o Hino. Por essa altura não era conveniente ouvir a Onda Curta. Já não havia guerra e a guerra, agora, era outra: nada de escutar a «rádio moscavide», como se dizia na gíria. Portugal «perdia» as colónias, passava a ter províncias ultramarinas. Os jornais davam-me muito jeito para saber o que ia nos cinemas e nunca se esqueciam de lembrar que era «visados pela Comissão de Censura», também os filmes eram!
Em todo o caso, podia-se saber do que se passava aí até às três da manhã. A essa hora encerrava a Censura e qualquer coisa mais que se publicasse era à responsabilidade do senhor director. O senhor director costumava avisar que não queria que se publicasse nada, depois dele sair.
Da oficina os jornais eram metidos em carros e ala que se faz tarde país fora. Em 75 ainda era assim e ainda se vendiam jornais.
Para mim era quase um vício. Continuei a comprar jornais, mas fui-me zangando. Quando eu era pequeno ainda havia «artistas» a vender a «banha da cobra» . Tinham que ter paleio para segurar uma roda de gente. Os jornais, agora, são assim: «Hoje é mais caro porque tem isto ou aquilo». Quando esta moda começou estava em Espanha. O «El paiz» juntava uma revista gráfica, mas vendida à parte. Quem quisesse só o jornal não pagava excesso. No Brasil, os quiosques dispunham de tambores vazios para despejar o «lixo», gratuito, intercalado no pasquim. Comecei por não comprar o matutino ao domingo, depois também ai sábado. Agora também à sexta e ainda há um à segunda. Eles é que sabem e como já quase não vou ao cinema não preciso de notícias requentadas. Por vezes amuo por outras razões. A exploração das deportações canadianas foi um bocado baixo.É verdade que Freitas Lopes, não é assim,gaita: Santana do Amaral, nem assim, bom o ainda ministro ajudou à festa com os seus, dele, disparates. Mas, depois, fez inversão e tratou das deportações de cá para lá de maneira irresponsável. Não se expulsa seja quem for por ser escuro ou claro, por ser do Leste ou do Brasil. Emigrantes temos sido nós todos os ainda menos; emigranes temos sido nós todos desde pequenos. Que me perdõe o poeta...

sábado, abril 08, 2006

Os Vampiros

O Texto que aqui transcrevo chegou-me via mail. Aqui está a minha colaboração para a sua divulgação. A meditação é dolorosa: estamos a ser governados por vampiros disfarçados de socialistas:
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que deveria fazer corar de vergonha os administradores - principescamente pagos - daquela instituição bancária.A carta da CGD começa,como mandam as boas regras de marketing, por reafirmar empenho do Banco em «oferecer aos seus clientes as melhores condições de preço/qualidade em toda a gama de prestação de serviços», incluindo no que respeita «a despesas de manutenção nas contas à ordem».As palavras de circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre «racionalização e eficiência da gestão de contas», o «estimado/a cliente» é confrontado com a informação de que, para «continuar a usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção», terá de ter em cada trimestre um «saldo médio superior a EUR1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras» associadas à respectiva conta. Ora sucede que muitas contas da CGD, designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR343,45 - que para ter direito ao piedoso subsídio de EUR3,57 (três euros e cinquenta e sete cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social. Como se compreende, casos como este - e muitos são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem, de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo de pagar «despesas de manutenção» de uma conta que foram constrangidos a abrir para acolher a sua miséria.
O mais escandaloso é que seja justamente uma instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores,mesmo quando efémeros, com «obscenas» pensões (para citar Bagão Félix), a vir exigir a quem mal consegue sobreviver que contribua para engordar os seus lautos proventos. É sem dúvida uma sordície vergonhosa,como lhe chama o nosso leitor, mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade. Esta é a face brutal do capitalismo selvagem que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa.Sem respeito pela dignidade humana e sem qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os administradores de sucesso a quem se aplicam como uma luva as palavras sempre actuais dos«Vampiros» de Zeca Afonso: «Eles comem tudo/eles comem tudo/eles comem tudo e não deixam nada.»
Medita e divulga . . . )