quarta-feira, dezembro 13, 2006

O DIREITO A SAIR DE CENA

Telefonei, por mór da época que atravessamos, a uma amiga que muito estimo e que reside em Madrid. A intenção era dizer olá e desejar bom Natal. Escolhi mal o dia e a hora. O irmão acabava de se suicidar, atirando-se da janela. Um exame médico detectara-lhe um cancro, dos delicados. É o quinto suicídio que a senhora minha amiga soma na família, todos eles de parentes muito chegados. Deve ser um fardo terrível de suportar. Toda a minha simpatia e sentimento não lhe devem servir de muito e eu tenho alguma dificuldade em enfrentar determinadas situações e esta terá sido decerto uma delas.
A morte voluntária é mais dramática justamente por ser interdita. Não fora isso e talvez fosse menos dura de suportar pelos que ficam, pelos que esperam. Estou em crer que é assunto que deve ser mais amplamente debatido. Tem a ver, convenhamos, com os direitos humanos. O direito que cada um tem, ou devia ter, para escolher o momento de partir. O direito a uma morte suave e não punitiva. Se para tal tivesse que ir de burro ajaezado como o poeta queria ou com os vizinhos a bater em latas, não era por isso que me iria ralar e seria preferível a ter de sujar a locomotiva ou a salpicar de entranhas as pedras da calçada. Mas queria, isso sim, saber que podia resolver o desenlace duma vida, a minha, como e quando me aprouvesse, Como pode alguém pretender-se livre e autónomo se não dispõe de si próprio?
Não tento intrometer-me noutra questão, a da pena de morte. Não me interessa discutir isso.
Não sou nem contra nem a favor, nem pouco mais ou menos. Sou emotivo e de vez em quando
parece-me que sim, outras que não. O que me apavora é a injustiça, a probabilidade do erro de julgamento, a ideia de que alguém inocente possa, como já aconteceu, ser aparatosamente apagado. E, por vezes, exaspero-me, como, por exemplo, quando um sujeito foi julgado por ter atropelado - e morto - uma senhora, numa passadeira para peões. O juiz entendeu sentenciou-o em dois anos de prisão, com pena suspensa. O réu, à saída, respondeu aos jornalistas, considerando a pena exagerada. Ainda hoje acho que sim, que foi um «exagero» e acho mais, acho que casos do género têm sido demasiado frequentes. Cheguei a pensar que os juizes pudessem ter problemas de consciência: "podia ser comigo", ou qualquer coisa assim!
Hoje ouvi pela rádio que o sujeito que abusou sexualmente de um garoto surdo-mudo a ponto de lhe causar a morte foi condenado a doze anos de prisão. Provavelmente poderá voltar ao nosso convívio daqui a seos ou sete anos. Poderá ter mais juizo ou voltar com os mesmos ímpetos.
Nos tribunais devia haver um guichet de informações que elucidasse o cidadão do volume da pena que teria de cumprir se quisesse violar uma vizinha de sete anos ou no caso de se contentar com a prima dela, de nove, teria desconto?
O que tudo isto tem de bárbaro ou absurdo choca com a impunidade dos impunes e cria a convicção de que a justiça é cada vez mais como o euro milhões: só sai a alguns...
A maneira mais simples, e provavelmente objectiva, de melhorar a imagem da justiça e emprestar-lhe a necessária tranquilidade é proibir as notícias sobre investigações de crimes e subornos, julgamentos e acima de tudo sentenças. Subsiste o risco de criar dificuldades aos ministros do senhor Sócrates ou embaraços ao senhor de Belém.
Por mim tudo bem. Só queria que me concedessem o direito de poder desistir, quando estiver farto e antes que as maleitas me torturem...

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