quinta-feira, janeiro 13, 2005

Misoginia Dominante

Na sua crónica do último domingo, Ana Sá Lopes , de quem sou leitor assíduo, fala da "misoginia dominante" na política nacional. E o que lá está está tudo certo. Todavia, também falta muita coisa. Suponho que a regra dos dois mil caracteres não a deixou ir mais longe.

É que a misoginia execrável que nos vai governando não existe apenas na política. Quantas mulheres existem nos conselhos de administração das grandes empresas, privadas semi-privadas, com golden shares estatais ? Quantas mulheres dirigem jornais, não especificamente femininos, em Portugal, apesar, de , como diz Ana Sá Lopes, as mulheres terem vencido as barreiras das redacções dos jornais?

Quantas mulheres saltaram nas redacções dos jornais em defesa de outras mulheres, nomeadamente políticas, sistematicamente perseguidas pela comunicação social por causa por das suas relações pessoais ? Mesmo nos casos em que a perseguição para além de um miserável sentimento misogino revelava outros, de natureza racista?
É que a misoginia não é uma atitude exclusiva dos homens. É uma condição cultural que também define as mulheres portuguesas e nos conduz a uma sociedade cada vez mais masculina, apesar de "elas" serem em maior número nas Faculdades, nas Empresas, na Administração Pública, etc. E não só mais - mais qualificadas.
As mulheres continuam a achar natural que elas próprias sejam criticadas e até excluídas porque, para além de competentes do ponto de vista técnico e mesmo político, têm os sentidos despertos, enquanto os homens continuam a ser medalhados - nem que seja pelo olhar extasiado de admiração - pela capacidade de derrubar saia atrás de saia, uma capacidade que pode constituir atributo exclusivo para chegar a primeiro-ministro.
São elas que conjugam o poder no masculino. São elas que aceitam as reuniões de horas e horas dos chamados homens importantes, dos poderosos, para quem o poder é uma dádiva divina - pertence-lhes por direito natural. Elas sabem que aquelas reuniões servem de pouco, representam apenas um dos rituais do poder masculino, que não têm outro tipo de preocupações.
Elas sabem que eles sabem que as questões familiares, com os filhos, com o canalizador, com o electricista, com as compras, as refeições, a atenção aos amigos, tudo, são resolvidas por elas.
Elas sabem que eles sabem que a família já não existe, mas eles continuam a fazer de conta (outro dos rituais masculinos...).
Elas sabem tudo isso. E a maior parte faz o quê? Aceita e imita os gestos, as atitudes, copia comportamentos. O resultado desta misoginia dominante será que um dia vamos ter uma sociedade culturalmente masculina, sem o conhecimento feminino da realidade e a consequente capacidade para resolver os problemas inerentes, uma sociedade apenas com os rituais masculinos, com feminilidades artificiais e com pouco sentido.
Enquanto existem esta capacidade e esta lógica de vida feminina é que deveriamos tentar a conjugação do poder no feminino. E nem lhes falta legitimidade, já que elas são o esteio da vida concreta.
Como é que se chega lá ? Não sei. Mas, a imitação não é, seguramente, o melhor caminho.

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