quarta-feira, janeiro 19, 2005

Amilcar Cabral

Faz amanhã, 20 de Janeiro, 32 anos que um tiro ecoou nas planícies guineenses, com um estrondo enorme, se repercutiu nas montanhas cabo-verdianas e acabou por abalar o Mundo. Amilcar Cabral era morto, à frente de sua mulher, Ana Maria e, mesmo a morrer não desistiu de convencer o correligionário assassino do seu erro.
Não foi apenas a morte de um Homem. Foi o assassínio de alguém, que, pela inteligência, pela convicção, pelo carácter, derrotava a teoria de que somos todos iguais. Não é verdade. Amílcar é uma das provas.
E nem sequer vale a pena lembrar o seu enorme contributo para a libertação de uma parte importante de África - qual o destino que, entretanto, seguiu é outra questão e não vem ao caso, até porque se não tivesse sido aquele tiro, provavelmente tudo seria diferente.
Hoje, caminhando por esta cidade com música nos ouvidos para me distrair das coisas medonhas que por aqui se constatam, tive a felicidade de ouvir um dos mais importantes poemas de Amilcar Cabral, nas vozes de Cesária Évora e Caetano Veloso - um associação insuperável, já que à ingenuidade e espontaneidade da Cesária se junta a técnica excepcional, ultrapassada apenas pela emoção que o próprio Caetano coloca na sua interpretação do poema "mamãe Velha".
Mamãe velha, venha ouvir comigo
O bater da chuva lá no seu portão.
É um bater de amigo
E vibra dentro do meu coração.
Venha, mamãe velha, venha ouvir comigo.
Recobre as forças e chegue ao seu portão.
A chuva amiga já falou mantenha.
E bate dentro do meu coração.
A chuva amiga, mamãe velha,
A chuva que há tanto tempo não batia assim.
Ouvi dizer que a Cidade Velha
E a Ilha toda em poucos dias já virou jardim.
Dizem que o campo se cobriu de verde,
Da cor mais bela que é a cor da esperança,
Que a terra agora é mesmo Cabo Verde
E a tempestade já virou bonança.
Aqui fica a minha homenagem ao homem que se preocupava com a estratégia da guerra, com a política de unidade de um partido-dois estados, que foi capaz de fazer reconhecer o seu Estado, ainda ocupado por tropas coloniais, por mais de oitenta outros. Um homem capaz de tudo isso e de se preocupar com o fundamental, com a chuva "que há tanto tempo não batia assim" e com a alegria das pessoas, da mamãe velha já sem força para chegar ao portão.
Aquele tiro de há 32 anos roubou-nos o prazer do convívio, por mais alguns anos, com um verdadeiro dirigente político, um líder autêntico, capaz de transmitir um sonho à sua gente.

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