domingo, março 27, 2005

DA BAÍA DOS TIGRES A VISEU

Da corda por se destinar a rememorar o passado. Como se sabe, quanto mais passado mais podre. O nosso passado comum é ainda recente e, no entanto, tudo se alterou e nada foi do que se esperava. Mas serviu para forjar um presente envenenado. Calma, calma, não estou a sugerir que o Barbas tenha congeminado de propósito a maldade de lixar os brancos que estavam em África e enfernizar a vida aos pretos que por lá ficaram. Referia-me mais terra-a-terra ao presente que se criou entre a chamada civilização ocidental e o resto, considerando como "resto" os locais aprazíveis onde os civilizados de parte do Ocidente costumam ir de férias, explorar a mão de obra alheia, bem como outras partes da anatomia local.Mesmo mau, o presente que hoje se vive, tem para nós mais e melhores recordações que para o comum dos civilizados que nos rodeiam, que vive os seus problemas sem o polvilhar de recordações. Quem, hoje, se pode lembrar da Baía dos Tigres, onde a pista era de lajes e servia de passeio dominical, porque tudo o mais era areia fina e o motor mantinha a luz acesa até às 22 horas. E onde fiquei pasmado a olhar pasteis denata, tal e qual.Havia também bolas de berlim e outra doçaria corriqueira das pastelarias, mas na Baía dos Tigres não havia pastelarias, nem lojas chinesas, nem pronto-a-vestir. Só havia areia e uns barcos que pescavam e, em algum curto período do ano quase se podia passar a pé para o continente. E havia cães! Cães que comiam peixe, se queriam comer alguma coisa, E gente gira, que sabia valer a pena viver, mas para isso havia que saber sobreviver. Aos domingos as gentes juntavam-se num dos serviços aéro-portuários, com o lanche ajantarado.Passeavam pista fora, arreados por ser domingo.Estive lá mas foi como se não estivesse estado. Não percebi nada. E nem sabia que não precisava de perceber. Estive lá. E sei que, se um dia for rico ou poderoso, gostaria de lá acabar e lá ficar, sob a areia...Entretanto vou pairando por aí. Ontem, ao fim da tarde, passei perto de Viseu.Vinha de Mirandela para a Régua, pela montanha deslumbrante.Missão dura: almoçar na Galafura, no miradouro de S. Leonardo. Nem quero falar disso. Não vão lá; aquilo é demais, não vale a pena. Nem é justo haver uma coisa assim.Miguel Torga é que sabia. É preciso esconder. É tudo mentira. Tudo.Não vão a Galafura. Vão a Viseu. É mais animado. Moral sólida econvencional. É gente tesa e lá os polícias são distraídos, nem sei bem, mas ou são distraídos ou mal pagos. Em todo o caso melhor seria que fossem para as obras ou, porque não? para a Síria, que isso do Iraque já deu...E a mim deu-me para ser infeliz. Queria falar a um amigo sobre o antigamente. Quando eu era menino e moço e aprendia a vida indo às meninas. Meninas era uma espécie de lojas em voga, nesse tempo distante, ainda por cima salazaresco.Por dez escudos podia-se. Nalguns casos de sedução bem sucedida podia-se mais. Havia antros a vinta paus. Aí a escolha era permitida.Uma jovem precocemente envelhecida ensinou-me: "que queres, meu querido, cabeça que não tem juizo, o cu é que paga"...Pronto,pronto. Agora já sabem porque me esforço tanto para ter juizo...

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