sexta-feira, fevereiro 18, 2005

vogar no espaço/tempo

Sempre que tento avançar no tempo é o passado que encontro. É como se nada fosse novo e eu já conhecesse a história.Vou tentar começar pelo princípio, mas não garanto que os tempos dos verbos estejam atempados. Então lá vai...

Eu pecador me confesso.
Também, puritano incompetente, também eu subornei. Subornei funcionários públicos, com o intuito vil de lucrar com informações valiosas para o pasquim (e para mim mim, bem entendido), da capital (geográfica, porra) para o qual trabalhava.
Sejamos mais claros: eu subornava, mas era o pasquim que pagava.
Um deles, corcunda, trabalhava na morgue.
Nunca percebi bem se trabalhava ou se vivia na dita morgue, estava sempre lá. E sempre que aparecia um cadáver conveniente ele telefonava-me.

Um cadáver era sempre um ponto de partida para reportagens de sucesso.

Outros dois da minha folha de pagamentos eram da "Judite". Eram-me muito úteis, sobretudo para desviar as atenções. Nesse tempo tinha boas relações naquelas instalações.
O director mostrou sempre alguma simpatia pelo repórter que cobria o Tribunal de Polícia, no qual o director da PJ era juiz.
Essa relação amistosa manteve-se quando o repórter mudou de
categoria e de periódico e incluia outras amizades com dois do principais inspectores.
Deles nunca tive informação privilegiada, salvo um que outro esclarecimento.
Suponho que eles sabiam que eu tinha informação quente dentro e que provavelmente eles próprios tenham utilizado as fontes anónimas para me fazer chegar informação útil para os dois lados, mas, tal como eles, eu nunca esmiucei isso.
Mas, a propósito dos colos e das insinuações lembro-se do citado director me ter contado, e se me dão licença, vou usá-lo na primeira pessoa: Quando pela primeira vez fui a Londres (contava ele) a homosexualidade era considerada no Reino Unido imoral e era proíbida. Era como aqui(ele é que comparou).
Uns tempos mais tarde tive que lá voltar (ele). Então apercebi-me que já não se sentia a imoralidade, ainda que legalmente continuasse proíbida. Mas à terceira vez que lá fui apanhei um susto: já nem era proíbida! Jurei a mim mesmo (ele, chiça, foi ele que jurou) nunca mais lá voltar..

- E porquê? - perguntei eu (eu este sou eu).
- Tenho medo que já seja obrigatório...

Talvez vocês não acreditem mas contei esta memória num noticiário matinal na Rádio, em Lisboa.Tive que ser eu porque nenhum dos jornalistas- locutores esteve pelos ajustes.

Percebem porque eu digo que é o presente que me empurra para o passado? Por estar na matéria, recordo a primeira vez que fui confrontado com a questão.
Menino e moço e ingénuo e desinformado. Aprendia o b-a:bá do futebol e por via do foot que lí no Século, o jornal que o meu pai, que sabia de sapatos, comprava.
Um treinador de futebol do Sporting tinha sido encontrado morto no Parque Eduardo VII. Naquele tempo creio que não havia conexão. Naquele parque o menino que eu era só sabia que Portugal tinha ganho o primeiro mundial em Hoquei em Patins, com os primos Correia, os manos Serpa o Cipriano e um defesa que nem me lembra o nome mas jogava na Amadora.
O crime foi assunto muito comentado.Devia estar bem explicado nas entrelinhas mas eu não sabia ler isso. E um dia um cara do Século chocou-me: "tanto a vítima, como o criminoso eram dois miseráveis!". Lembro-me de ter perguntado ao meu pai se aqueles senhores eram miseráveis só por serem do Sporting...
Isto passou-se muitos anos antes do director aqui de cima ter ido a Londres, mas deve dar uma imagem de como a moralidade da época podia ser podre.

E valeu a pena eu ter durado todos estes anos só para perceber que hoje em dia ninguém é miserável por qualquer coisinha destas. Chateia é para eleições...

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