Demos graça à força da razão que levou os homens deste país a lutar por esta tão simples forma de decidir quem nos deve governar. Se tivessemos que dar graças a Deus - tal como o concebe D. José Policarpo - ainda estaríamos, seguramente, de joelhos, a agradecer a algum iluminado a nossa condição de homem ou mulher, de português ou senegalês, negro ou branco. Teríamos de esquecer Sócrates, que dava graças por ter nascido livre e não escravo.
A proibição de os católicos serem, em simultâneo, maçãos é, para um homem livre, imcompreensível. Tal imcompatibilidade, a juntar a tantas outras, ajuda a transformar o catolicismo numa seita restritiva, que, um dia, quando constatar o seu completo desajustamento com as sociedades em que vive, terá de voltar à clandestinidade - para aí cumprir as suas regras, defender as suas proibições e praticar a sua hipocrisia.
Mas, não é apenas a Igreja Católica que está desajustada da realidade.
Também os Partidos Políticos que arrancam hoje para mais uma campanha eleitoral não percebem a sociedade que querem governar e perdem-se em análises abstractas, propostas imcompreensíveis, discussões de modelos irrealizáveis.
A nossa sociedade já não está organizada como os seus dirigentes supõem. As medidas que foram sendo tomadas ao longo dos anos conduziram a vários fenómenos de que ninguém fala.
Por exemplo, a nossa Juventude está a entrar em esquemas de trabalho definidores de um modelo de uma escravatura impressionantemente veloz: os estágios não remunerados de que se alimentam pequenas, médias e grandes empresas; os contratos de trabalho precaríssimos, que alimentam os salários de miséria e desmobilizam qualquer apetência para especializações, aprendizagens avançadas; as regras de avaliação monolíticas, espartilhadas, aparentemente exigidas pelo cumprimento de objectivos a favor dos accionistas das grandes empresas, transformam o dia-a-dia de milhares e milhares de pessoas em infernos.
A constatação de que, sobretudo nas grandes empresas, as diferenças são cada vez mais abissais e de que, afinal, os objectivos que obrigam os trabalhadores ao cumprimento de regras ilógicas, absurdas e mesmo estúpidas, contribui para a descrença e consequente crescimento do espírito carreirista, oportunista, quando não para comportamentos de deslealdade e de desonestidade.
A ideia de que um trabalhador aos 50 anos é velho e precisa de ser substituído por alguém mais novo e, por isso, mais disponível para aceitar as regras da escravatura dos objectivos definidos por meia dúzia de gestores de capitais alheios, é outra das realidades deste país que os políticos e as suas políticas foram construindo - pedindo, aos poucos, umas brasas ao inferno dos católicos.
E nesta campanha não há nenhum partido capaz de agarrar o touro pelos cornos. Aos que ouvi só percebo estratégias de poder para a sociedade, cuja existência é fruto das suas imaginações. E, quando fazem o apelo ao voto, contra a abstenção, continuam desajustados. Se a abstenção sobe é porque a população não se reconhece nos problemas enunciados e nas propostas políticas publicitadas.
Os que votam fazem-no por uma questão de jogo. Estão viciados nele. Mas, mesmo esses, acreditam pouco, porque percebem que o futuro depende do presente e, para este, os políticos nem sequer são capazes de fazer o diagnóstico. Trocam tudo, mesmo quando acertam numa palavra: confiança.
Identificam-na com o sistema económico. Nada disso, do que eles precisam é da confiança dos cidadãos.
Tal como a Igreja de D. Policarpo, também estes partidos vão, um dia, ter que viver de si mesmos, logo numa clandestinidade que lhes permita falar das suas fantasias.
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