A informação em Portugal funciona numa lógica absolutamente preversa, determinada por um sem número de factores, cuja identificação rigorosa é indispensável a quem quiser fazer dela um instrumento de comunicação social.
Desde logo a sua natureza de negócio. Tal como a venda de sapatos ou a concessão de créditos. É um negócio. Os seus factores de produção são considerados da mesma maneira que numa empresa de telecomunicações ou num restaurante.
Nessa perspectiva, os seus trabalhadores valem pelo que produzem e pelo que ganham. O melhor trabalhador para um empresário de comunicação social é aquele que produz mais e ganha menos.
O negócio, por sua vez, é alimentado pelos leitores e pela publicidade - em Portugal, mais por esta do que por aqueles, já que os leitores são cada vez menos. Cada vez mais os únicos leitores de jornais são os quadros de empresas que têm direito ao jornal diário, pago pelo orçamento.
Há, todavia, em matéria de leitura, dois concorrentes sérios: a blogoesfera e os jornais distribuídos gratuitamente nos transportes públicos. Para quem quiser saber dos instrumentos de comunicação social, deve dedicar alguma atenção sobretudo a este último fenómeno.
A publicidade é a chamada pescada com o rabo na boca, já que os grupos proprietários de jornais têm interesses nas agências de publicidade e os dinheiros passam de um lado para o outro, engordando ou emagrecendo orçamentos, mas sem resultados importantes.
A informação portuguesa vive da pressão política que faz sobre os detentores dos poderes de Estado. Os grupos económicos, que dominam a informação, vivem, sobretudo, dos favores que obtêm do Estado. Por isso fazem pressão e dão guarida a todo o tipo de lixo, desde que possa representar uma pistola apontada ao peito de alguém.
É neste contexto que se interpreta a ansiedade - quase desespero - da comunicação social a propósito na nova situação política de Portugal. Chega a ser ridículo ficar atento ao que escreve ou diz.
Todavia, é necessário ter alguma compreensão acerca de tal ansiedade. Os jornalistas estiveram habituados, durante muitos anos, aos telefonemas privilegiados, às relações próximas com os gabinetes do poder. Alguns deles foram formados nesse esquema - não imaginam outro. Nunca produziram uma notícia, fizeram sempre redações a partir de ditados do sr. dr (nos últimos anos, os ditados já têm erros de ortografia).
Percebe-se, portanto, que os jornalistas desesperem e que os profissionais da intriga aproveitem o desespero para atirar para as redacções as chamadas análises inteligentes.
Também não custa perceber que o País - todo ele e não apenas os jornais - esteja perplexo com os resultados das eleições do último fim de semana. Eu atrever-me-ia a dizer que a própria Europa está, mais uma vez, de boca aberta. Como é possível uma viragem tão acentuada na contagem dos votos?
Contagem de votos - digo bem.
Essa contagem deve ser lida sobretudo pelo PS. É que ela não representa uma onda entusiastica favorável aos socialistas e ao seu secretário-geral. É, sobretudo, um grito de rejeição. Tão forte que até deu para alguns dos votos socialistas irem alimentar o crescimento do PCP e do BE.
Esta maioria absoluta não pertence ao PS e ao engº Sócrates. Pertence a este povo e à sua esperança na mudança de rumo.
Ao contrário do que dizem os intriguistas profissionais, tais como António Ribeiro Ferreira, Vasco Graça Moura, Luís Delgado e outros, o povo não rejeita a ideia do sacrifício. Está disponível para ele, mas quer ver os resultados. Por isso se mobilizou nesta votação maciça na esquerda - não porque é esquerda, mas porque é a única alternativa.
É aqui que deve entrar a inteligência de quem vai formar governo, de quem vai delinear políticas, de quem vai assumir este cheque em branco, onde é preciso, urgentemente, colocar os números e a assinatura.
Na rua, conversando com as pessoas, percebe-se que é tudo muito simples: toda a gente quer uma vida mais simples, mais cómoda e mais recompensadora e quer entender o que os políticos propõem.
Espero que o engº José Sócrates não confunda amizades com política e tenha capacidade para identificar algumas figuras socialistas que o povo não quer voltar a ver com responsabilidades de governo. Alguns deles até podem ser amados pelo povo socialista, mas não são queridos dos outros.
A outros é o próprio PS que se esforça por esconder nos bastidores, mas o resto do país reconhece-lhes competência, seriedade, amor à causa pública.
Esta maioria absoluta ainda não pertence ao próximo primeiro-ministro de Portugal e ao PS, mas eles têm todas as possibilidades de a ganhar, de a justificar e , quiçá, ampliá-la. Há muitos casos na história de granders líderes que o foram, sendo-o. Não chegaram à liderança através de um caminho longo de conquistas na construção de carismas irresistíveis. Há muitos exemplos na história em que o poder construiu o carisma e a capacidade de liderança incontestável e incontestada. Em Portugal já há algum tempo que tal não acontece.
Sem comentários:
Enviar um comentário