sexta-feira, junho 10, 2005

SALOIADAS

Que um homem tivesse esposa e filhos era tão natural como ser solteiro, antes de casar. Com o desenrolar do tempo cada vez mais é tão natural ser solteiro, com mulher e filhos, como ser casado uma porção de vezes e ser pai de filhos de outros. Simplifiquemos: qualquer um pode ser o que lhe apeteça. Nem sempre foi assim. Tempos houve que uma criança podia nascer já condenada a um BI monstruoso: filho (a) ilegítimo (a). Ainda conheci um caso em que o bebé foi rotulado como filho de mãe incógnita, apesar de ter nascido numa maternidade pública. Ainda podia haver alternativa nos casos fora do casamento em que o pai, casado, anuisse perfilhar a criança, mas para tal era indispensável a concordância da esposa atraiçoada. Com paciência e alguns anos de de intervalo, conseguia-se. Mas a inversa, ser a perversa adúltera a ter a criança, que não do marido, era muito mais complicado. Basta lembrar que os tribunais (e os juizes) reconheciam o direito à honra. Não foram poucos os maridos que lavaram a honra conspurcada a tiro ou à machadada, conforme a época e arcaram com uma sentença de desterro de 30 ou 40 quilómetros.
Há de resto um caso interessante sobre esta matéria justamente sobre uma herdeira do Diário de Notícias, que teve um devaneio sentimental. O marido, com ajuda de médicos puritanos, tentou interná-la como doida, e inibida do uso dos seus bens. De facto usurpou-lhe a propriedade do Jornal.
Hoje o mesmo matutino critica um candidato à Câmara de Lisboa por exibir a esposa e o rebento do casal. Não terá uma coisa a ver com a outra. Os casamentos não são hoje o que foram no passado. Quando referi o Diário de Notícias, não foi a propósito da apresentação pública do candidato, noticiada como um episódio das próximas eleições autárquicas, mas do editorial do jornal. Nem sei que dizer. Talvez inverter os factores. Então, seria assim. Os editoriais já não são o que eram. Dantes os editorialistas sabiam o que deviam saber. Usavam pesos e medidas e escreviam sobre assuntos sérios, criticavam asperamente, mas com elegância. Liam-se com prazer. Podia-se discordar, mas apreciava-se o estilo e a cultura.Quando os ardinas gritavam:
«Fala o Rocha...fala o Rocha» eu comprava o jornal. Continuei a comprar quando ouvia, depois, apregoar «Vem à Cunha...Vem à Cunha», às vezes quase às 7 da tarde.
Não é lá por Carrilho ter dado uma de David Beckham que se tem editorial. Também acho que o homem de cultura que Carrilho sempre se quis afirmar não se compadece com cenas saloias, por mais interessante que possa ser a senhora sua esposa, também ela muito apegada a cultos e a culturas. Mas daí a espaço nobre no matutino vai alguma distância. A mesma, no fim de contas, que vai desde os primórdios ao presente: um percurso quase sempre a descer...

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