quarta-feira, junho 29, 2005

IMPUNIDADES

Se é verdade que todo o crime merece castigo, não é menos verdade que muito dele fica impune. Claro que há outras verdades. As verdades devem ser como as cerejas e, aqui, surge a primeira contestação: as cerejas ou são doces ou não são; ou são rijas e deliciosas ou moles e desoladoras. O principal problema com a Lei (com as leis) começa logo pela confusão entre o espírito e a letra. Nunca se estabelece um critério e as mais das vezes os próprios juizes se confundem entre ajuizar à letra ou interpretar o espírito. E não raro fazem a opção errada porque... claro,claro: errar é humano.
Era por ser humano que o senhor Chirac, quando era presidente da Câmara, pagava salários simpáticos a correlegionários, como se os ditos trabalhassem no município local. Daí não teria vindo mal ao mundo se os adversários políticos não fossem gente de coração empedernido e tivessem clamado pela Lei. A Lei é como o Sol quando nasce: é para todos, menos para alguns, bem entendido!
Estabalecido que as coisas são como são há que agir em conformidade. Uma das conformidades é evitar chatices. Há coisas de que não se deve falar. Justiça e política devem coexistir e nunca afrontar-se. Cada uma das partes não deve esquecer-se do que acontece quando o mar bate na rocha...
Tivemos recentemente dois casos muito badalados, em áreas diferenciadas. De uma vez o ministro Sarkozy clamou contra um juiz, o qual concedera liberdade condicional a um condenado e que este aproveitou para cometer um assassínio violento. O ministro ameaçou mesmo ir agir contra o magistrado. Villepin ainda deu um bafo qualquer sobre a independência da Justiça, recado do senhor de cima, o presidente Chirac. Ocorre-me uma velha história que me contou um poeta madeirense sobre uma curiosa afirmação que um tribuno proferiu numa assembleia da região sobre uma daquelas coisas de que se não fala alto e que é suposto ser muito do agrado das senhoras:«Meus senhores, não sei como é, mas a verdade é que todos os dias aparecem feitos, na Madeira, duzentos, eu faço dois, quem é que faz os outros?»
Isto para acentuar que ele há coisas de que se não deve falar. Os erros de juizes não são erros da Justiça, são erros humanos. É dever de quem governa agir de forma a corrigir, mas fazê-lo sem alarido. Pode empandeirar o juiz um serviço qualquer mais chato ou exigir a abertura de um processo. Ao desautorizar o seu ministro Villepin fez pior: recolheu a ira popular e alargou o populismo de Sarkozy.
O segundo caso, mais recente e mais próximo, ocorreu no aeródromo de Espinho: uma avioneta embateu num automóvel. A história em si é horrenda e inadmissível, mas aconteceu e aconteceu porque numa pista que foi militar e já não é mas que possui a peculariedade ser atravessada por estrada. São absurdos que restam do passado e hoje em dia já não se aceitam. Por isso mesmo, o acidente é da responsabilidade do Estado. Claro que o Estado tem que olhar para o senhor culpado e ralhar com ele. Ora o que o estado permitiu é que alguém tido por responsável pela aeronáutica interna falasse não para explicar fosse o que fosse, mas para dizer barbaridades dignas de qualquer interno do Júlio de Matos. Dizia o senhor que a pista de mil e quinhentos metros só tinha 460 metros. A estrada que atravessava a pista não atravessava nada, porque a pista já tinha acabado. Vejamos: a ideia era explicar que a passagem da pista militar para a parte civíl, retirava um quilómetro e assim sendo o aeroclube ficava com 460 metros de pista, uma
estrada e outra pista, ainda maior, sem utilização. Dizia a criatura do Estado que a estrada, sim senhor, os aeroportos também têem estradas no fim das pistas. Foi ele que disse, e não tinha ar de estar a brincar. O Estado ficou a saber (e nós também) que tem um tipo a mais e que devia começar por ele a redução do défice. Este artista ainda foi pior que a ministra, que quis riscar os Açores do mapa lusitano. Um lapso de linguagem pode corrigir-se, é mais discutível quando se pretende ostensivamente tapar o Sol com a peneira...

2 comentários:

Toix disse...

Bem pertinente este post, e para não ocupar aqui muito espaço fiz o comentário lá no meu sítio.(lusofolia)
Um Abraço.

Graza disse...

Felismente que há mais gente a dizer o mesmo que também tenho dito. É preciso ampliar este eco...
É um dos principais problemas de Portugal. Muito do nosso mal começa aqui.
Veja: ...E a Ética no "Arroios"
Força neles...