É uma seca pegar num jornal, nos dias que vão correndo. O défice esmaga ou, como disse o Fernando, primeiro estranha-se, depois entranha-se, quero dizer é uma chatice. Depois vem a repetição das lições de Marcelo (o afilhado), depois o défice e mais défice. É um problema. A dra. Fereira Leite está pasmada. O meu vizinho, que me espeitava o jornal por cima do ombro concluiu que se tivermos sorte estamos todos lixados. E como o Benfica já não ganha desde domingo ia ficando sem assunto, quando esbarrei, de repente, ao canto da página, muito,muito interior: Nikias vence prémio
de artes plásticas. Em boa verdade não o conheço pessoalmente, mas vi-o algumas vezes e espreitei ocasionalmente alguns dos seus quadros, para além do Painel na Brasileira,e faz parte das minhas recordações de Lisboa, pelos fins dos anos 50, quando os pintores passavam, obrigatoriamente por Paris, com bolsa da Gulbenkian ou sem ela, que calcorreavam Saint Germain e frequentavam a casa de Vieira da Silva. Era uma espécie de curriculo.
De súbito, lembrei-me de, uma noite, ter sido inesperadamente convidado, por Cesariny, para tomar um café. Descemos do Chiado para o Cais do Sodré. Um pouco antes,viramos à esquerda e entramos no bar.
Tomei o café e não tardei a perceber o motivo do convite:o poeta queria que eu visse Nikias no bar da rua do Ferregial. Na descida, pelo Alecrim, ele tinha feito algumas referências a pessoas que eram uma coisa em Paris e outra em Lisboa.Era disso que se tratava e ele quereria, pensei, que eu contasse noutro café o que tinha visto naquele bar.
De algum modo "cumpri" ao falar do convite a João Rodrigues e a Ernesto Sampaio. Rimos bastante e ainda rimos mais quando o Ernesto contou à Fernanda Alves, a maroteira, com a maldade refinada que só ele era capaz. A actriz não queria acreditar: «ou não!O Mário não fez isso»...
Voltei a ouvir novas do pintor (Skapinalis, Cesariny ainda não pintava para expor)outra noite, após um dia agitado de turbulência política, quando o noticiário da EN da meia-noite revelou que alguns dos manifestantes arruaceiros tinham sido presos(sem referir a Pide), com pormenores um tuda nada insidiosos. Era assim: fulano de tal, pedreiro,outro tal, marceneiro, outro ainda, servente, outro, sei lá, serralheiro, Nikias Skapinakis, pintor, e por aí fora. Nem sei,hoje, se a ideia era baixar o nível da contestação abaixo da burguesia, ou se uma habilidade de quem elaborou a notícia para chamar a atenção. Claro que não era vergonha nenhuma ser contestatário ou anti-fascista, pelo contrário, um atestado de qualificação e de coragem. E foi também, por essa altura, o fim dos carros da água a jorrar sobre manifs. Vieram depois os carros de tinta. Não só encharcavam as gentes como lhes estragavam o fato...
E por essa altura já havia mais que contestação.Em Goa esperava-se pelo fim. Uma noite, pela Rádio, aflita, porque não havia sinal de heroismo, dava-se conta da invasão. Este país ia mudar. Faltavam 15 anos.Sei bem. Vivi-os com intensidade.
de artes plásticas. Em boa verdade não o conheço pessoalmente, mas vi-o algumas vezes e espreitei ocasionalmente alguns dos seus quadros, para além do Painel na Brasileira,e faz parte das minhas recordações de Lisboa, pelos fins dos anos 50, quando os pintores passavam, obrigatoriamente por Paris, com bolsa da Gulbenkian ou sem ela, que calcorreavam Saint Germain e frequentavam a casa de Vieira da Silva. Era uma espécie de curriculo.
De súbito, lembrei-me de, uma noite, ter sido inesperadamente convidado, por Cesariny, para tomar um café. Descemos do Chiado para o Cais do Sodré. Um pouco antes,viramos à esquerda e entramos no bar.
Tomei o café e não tardei a perceber o motivo do convite:o poeta queria que eu visse Nikias no bar da rua do Ferregial. Na descida, pelo Alecrim, ele tinha feito algumas referências a pessoas que eram uma coisa em Paris e outra em Lisboa.Era disso que se tratava e ele quereria, pensei, que eu contasse noutro café o que tinha visto naquele bar.
De algum modo "cumpri" ao falar do convite a João Rodrigues e a Ernesto Sampaio. Rimos bastante e ainda rimos mais quando o Ernesto contou à Fernanda Alves, a maroteira, com a maldade refinada que só ele era capaz. A actriz não queria acreditar: «ou não!O Mário não fez isso»...
Voltei a ouvir novas do pintor (Skapinalis, Cesariny ainda não pintava para expor)outra noite, após um dia agitado de turbulência política, quando o noticiário da EN da meia-noite revelou que alguns dos manifestantes arruaceiros tinham sido presos(sem referir a Pide), com pormenores um tuda nada insidiosos. Era assim: fulano de tal, pedreiro,outro tal, marceneiro, outro ainda, servente, outro, sei lá, serralheiro, Nikias Skapinakis, pintor, e por aí fora. Nem sei,hoje, se a ideia era baixar o nível da contestação abaixo da burguesia, ou se uma habilidade de quem elaborou a notícia para chamar a atenção. Claro que não era vergonha nenhuma ser contestatário ou anti-fascista, pelo contrário, um atestado de qualificação e de coragem. E foi também, por essa altura, o fim dos carros da água a jorrar sobre manifs. Vieram depois os carros de tinta. Não só encharcavam as gentes como lhes estragavam o fato...
E por essa altura já havia mais que contestação.Em Goa esperava-se pelo fim. Uma noite, pela Rádio, aflita, porque não havia sinal de heroismo, dava-se conta da invasão. Este país ia mudar. Faltavam 15 anos.Sei bem. Vivi-os com intensidade.
2 comentários:
Ainda um dia espero ouvi-lo falar da época e dos "símbolos de um fracasso".
Nem de propósito! Tenho lá um post que me foi sugerido por aí, que vos convido a ler.
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