sábado, maio 28, 2005

POEIRA

Hoje nem precisei de nostalgia. Bastou-me uma bica e começar a ler o jornal. Lá vinha: «e a noite
inventou-se assim». Li um bocado atravessado e acho que estes de hoje descobriram que sair à noite começou a ser prática nos anos 80, até aí não era normal. Fala-se, bem entendido de Lisboa, duma Lisboa meio saloia e perdida no tempo. Não é inteiramente justo. Lisboa foi bem animada nos anos pós guerra, por exemplo, embora a guerra não tivesse afligido ou impedindo
os lisboetas de se divertir noite fora. Não era a movida, como era em Madrid, e hoje já não é, mas era animada. Os café comuns fechavam às duas da manhã, as cervejarias idem, idem, e as tascas começavam a fechar à meia-noite. Os teatros exibiam-se em duas sessões nocturnas e não lhes faltava público. A cidade estava repleta de cinemas. O parque Mayer era um bem animado centro de diversão, onde se cruzavam casais burgueses com libertinos. Nas instalações da Gulbenkian funcionou durante alguns anos a Feira Popular, que enchia de luz os olhos das famílias lisboetas. Ainda não havia «Metro», mas os eléctricos e autocarros circulavam sem levantar queixas.
Para o pessoal topo de gama também não faltavam cabarets com barulho de luzes e com mais ou menos requinte. Os mais discretos abalavam para os Estoris e por lá davam largas ao seu poder de sedução. Em Lisboa era o que não faltava: poder de sedução para todos os gostos e preços.
Também se ia ouvir o fado, aos retiros de Alfama, Mouraria e Bairro Alto. A ramboiada tinha por onde se estender!
A animação nocturna de grupos por afinidades, como os dos artistas plásticos, poetas, actores, também encontraram, nos finais de 50 as boites ruidosas, para onde se ia depois do café ( ler depois da meia-noite)! Um dos primeiros e um dos mais notáveis foi «A Mansarda», na D.PedroV, ao Príncipe Real. Era uma festa. Foi um espaço «roubado» à loja das tintas para telas e outros apetrechos de belas artes. Foi uma lufada na Lisboa estroina. E fez escola. Apareceria
depois, na Rua do Século, outra, que ainda lá mora. Também animada e cheia de jornalistas noite fora. Muito festejada foi também uma em Cascais. Bom, depois banalizou-se.
E, no Verão, com os festejos dos santos populares, os bairros enfeitados com arcos e balões,
as noites eram de festa. Não era ainda o tempo das bandas, mas havia um Clube de Jazz.
Que diabo aconteceu, que «matou» a cidade?
Primeiro que tudo a Economia. Os cafés a vender bicas a quinze tostões já não se safavam. E para isso tinha contribuido a chegada da Televisão. Primeiro como novidade e depois como hábito. A Banca foi adquirindo os café para filiar. Os cinemas e teatros cada vez menos visitados.
Lisboa começou a deitar-se cada vez mais cedo.
Por essa altura abalei para África. Que bom, que bom! Não havia Televisão...

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