quinta-feira, maio 19, 2005

VIAJAR NO TEMPO

Foi o Fernando Alves que escreveu a sua crónica no DN a falar de viajantes que trazem para o passado a manhã do futuro, que transitam de século em século, para a frente e para trás ao sabor do desejo. Só imagino um veículo capaz desses trajeto: o maximbombo do amor! O comum dos mortais viaja pelo tempo ido, às vezes com saudade mas não raro para mitigar as agruras do presente. Hoje, no mesmo matutino um cronista abalou de manhã para 45, o recomeço da normalidade depois da guerra. Evocou a ameaça que pairou sobre a Península Ibérica e o plano que previa a sua ocupação pelas forças nazis. Era um exercício de história e sublinhava a resistência possível ao salazarismo.
Recordo-me do efeito da guerra no meu dia a dia de outro modo que não o político. Em 44 houve exercícios que consistiam em saber o que fazer em caso de ataque. Em Lisboa, tivemos que colar fitas de papel nas janelas e saber como e quando seria necessário isolar a luzes nocturnas para o exterior ou mesmo apagar de todo.
Não mais que isso. Por essa altura o risco de invasão já seria improvável mas sobrava a probabilidade de ataques aéreos. À distância até disso duvido. Era no Inverno e, portanto, perto do final do ano e o cariz da guerra estava alterado. Penso, hoje, que podia ter sido uma forma de mostrar aos aliados que também nós temíamos a ameaça germânica...
O cronista não referiu, mas podia tê-lo feito para que se entendesse melhor o clima da época, que foi na Península que se testou a capacidade alemã de destruição aérea. Guernica foi arrasada desse modo e por essa razão.
E conheci o poeta desse tempo de contestação, de que fala a crónica. Pertenceu ao MUD juvenil.
Depois foi o Diabo. Fartou-se teimosamente depedir passaporte, teimosamente negado. Até que...
Até que teve o santo passaporte para concretizar o primeiro de todos os sonhos poéticos: ir a Paris!
O melhor que conseguiu foi chegar a Vilar Formoso. Na fronteira apreenderam-lhe o passaporte e mandaram-no de volta. De outra vez foi preso pela PIDE num café da baixa lisboeta, à hora do almoço. Teve outras, igualmente expressivas. Entrou para as bibliotecas itenerantes da Gulbenkian e foi colocado em Vieira doMinho. Num dos itenerários, ao chegar a uma aldeia os sinos tocavam a rebate. Nessa manhã, na missa, o padre tinha preconizado que os livros eram obras do demónio e estava a chegar uma camioneta cheia deles. A carrinha foi apedrejada.
Tempos depois foi um dos agentes da Polícia Política de Portalegre a denunciá-lo como perigoso comuna, de viver com uma preta e de só se dar com comunistas. Azeredo Perdigão quase despachou o sim, mas os responsáveis pela Biblioteca acharam melhor efectuar um inquérito preliminar. Concluiram que o denunciado vivia com a esposa, dra. Amélia (...) e que ao fim da tarde costumava tomar café no centro da cidade com o dr... (José Régio). O dr. Perdigão não achou graça e quis manter o poeta na Biblioteca de Portalegre. Foram os dois responsáveis a insistir que mais valia transferi-lo.
Por graça sempre revelo que o poeta, depois do 25 de Abril viajou para Moscavide, perdão Moscovo. Foi uma desilusão. Éramos amigos, mas ele nunca me falou da experiência viadante.
Soube por terceiros. Na última vez que falámos de política, e já vão poder imaginar quando foi, ele disse-me: "Se o Otelo só tiver um voto, não penses que foi ele que votou nele. Fui eu"...
Oh!Se ele regressou ao futuro, certamente estará com o Virgílio, velho camarada do Gelo, os dois a rir-se de nós e, quero crer, à minha espera...

1 comentário:

Toix disse...

Não li a história do Fernando Alves no DN,e aqui também não fiquei a saber quem era o tal poeta. Perdoem a minha ignorância.