sexta-feira, dezembro 31, 2004

Os Céus e os Infernos do Nosso Tempo

Vamos entrar, dentro de algumas horas, no sexto ano do sec. XXI da era cristã. As comemorações da passagem atravessam o Mundo, independentemente do tipo de civilização vigente nas diversas latitudes e toda a gente formula votos de que os próximos 365 dias sejam melhores do que os anteriores.
São já desejos formulados mecanicamente, porque, no fundo, as práticas do chamado mundo cristão, que define as datas e os ritmos de crescimento, não auguram nada de bom. O que aí vem é mais descriminação, mais exclusão, mais miséria, mais fome. E também mais riqueza acumulada, mais desigualdade, mais arrogância, mais hipocrisia.
E mais pilhagem.
Ao longo de todos os últimos vinte séculos desta nossa era se registaram acções de pilhagem, feitas em nome dos mais variados desígnios: a expansão da fé foi um dos mais evocados e também o que deu origem à maior acumulação de riqueza e, em consequência, à criação de grandes polos criadores de pobreza e exclusão.
Por isso, o Mundo ainda se divide - em primeiro lugar - em ricos e pobres. Uns são tão ricos que é impossível, sequer, imaginar como vivem, onde vivem, que rosto têm; outros são tão pobres que só os podemos ver descendo aos infernos que a nossa civilização foi criando.
Com o feroz abandono de alguns dos valores que classificavam pela positiva o cristianismo, como o amor pelo próximo e a caridade; com o atropelo permanente das regras que ao longo dos séculos se foram definindo para a convivência entre os homens, tais como a liberdade, igualdade, fraternidade; com tudo isto, assistimos à edificação de um Mundo em que os mais fortes esmagam os mais fracos, umas vezes em directo, à vista de todos, outras às escondidas, sem vergonha e também sem ética.
O sistema capitalista, que tomou conta do mundo cristão, no começo regido por princípios da ética protestante, foi perdendo referências e hoje tomou o freio nos dentes: não tem regras e executa a maior pilhagem de todos os séculos, apropriando-se de toda a capacidade de produção que a Humanidade foi criando, sempre na esperança de melhores dias para todos os Homens.
A verdade é que a riqueza criada pela capacidade tecnológica do nosso tempo, pertença da humanidade, pelo trabalho de milhões e milhões de homens e mulheres está a ser apropriada por meia dúzia de criadores de céus e infernos, gente que já não tem rosto nem nome
São eles que determinam o futuro, pelo que os desejos dos simples mortais, como eu, são apenas pequenos instantes de ilusão, desfeitos nas pequenas bolhas de um espumante, a fingir de champanhe, que partilhamos com os que nos rodeiam.
Para os portugueses, em especial, o futuro não é tranquilizador: porque, sem conseguirmos ver o tamanho da nossa Nação, continuamos a achar-nos pequenos e a confiar numa elite sem capacidade, sem imaginação e sem coragem para fugir aos desígnios da globalização da pilhagem.
Por cá também existem os pequenos pilhadores, os criadores de céus e infernos, gente sem rosto, que molda as ambições das novas gerações.
Uma nova geração de dirigentes políticos está a chegar ao poder. Na perspectiva da gestão do poder dos próximos tempos, seja o lado para que se olhe, não se vislumbra nada de bom ou de novo. Não há sequer a perspectiva de alguém anunciar a intenção de romper com o actual estado de coisas: o sistema político vai continuar a ser gerido em círculos fechados, dentro da lógica dos compadrios e amiguismos.
Esta nova geração vai ajudar à criação de mais céus e muitos mais infernos.
De qualquer modo, e porque estamos a poucas horas das borbulhas do espumante, não quero deixar de formular o meu desejo: que estas novas gerações de políticos reconheçam que precisam de introduzir na sua prática alguns dos valores que se foram perdendo e tenham a coragem de defender alterações no nosso sistema político: por exemplo, redução do número de deputados e a criação de um Senado, uma espécie de Conselho de Sábios, com as competências necessárias para garantirem que a República não se afunda num grande inferno.

2 comentários:

Alexandra Moreira disse...

Tenho perseguido, amiúdo os teus textos. Alguns conseguem arrancar-me um breve sorriso, mas a maioria mais não me provoca que a sensação de perda de tempo: muita estalada em faces que nem o primeiro plano deveriam merecer, tão fraco é o grão.Hoje cumpriste um gesto genuíno de guerra a esta mediocridade além fronteiras: apontaste o canhão ao mundo.Não deu para sorrir, thanks God.Touché. Mantém a objectiva assim apontada à larga panorânima.Nós que te lemos, agradecemos. E Portugal já era.

Alexandra Moreira disse...

Tenho perseguido, amiúde, os teus textos. Alguns conseguem arrancar-me um breve sorriso, mas a maioria mais não me provoca que a sensação de perda de tempo: muita estalada em faces que nem o primeiro plano deveriam merecer, tão fraco é o grão.Hoje cumpriste um gesto genuíno de guerra a esta mediocridade além fronteiras: apontaste o canhão ao mundo.Não deu para sorrir, thanks God.Touché. Mantém a objectiva assim apontada à larga panorânima.Nós que te lemos, agradecemos. E Portugal já era.