sexta-feira, dezembro 24, 2004

Défice e Produtividade

Ouço políticos, economistas e professores de uma e outra coisa e não posso deixar de ficar surpreendido. A conversa de uns e outros é sempre a mesma. Alguns jornalistas da área económica (os tais, que, por determinação da Comissão Europeia deveriam fazer declaração de património) dizem que sim, abanando a cabeça. As soluções apresentadas traduzem-se sempre na necessidade de reduzir trabalhadores da função pública, subtrair gastos à saúde, à educação, na obrigação de fazer os cidadãos pagar mais pelos serviços, pelas auto-estradas, mais impostos, etc.
Como nunca aparece ninguém a defender outra saída, já que os meios de comunicação foram tomados de vez por gente clonada de algum cifrão, fico com a certeza de que é isso mesmo que vai acontecer. Num futuro não muito longíncuo vamos pagar mais por tudo. Teremos mesmo alguma sorte se não aparecer ninguém a inventar um imposto que cubra os desvarios de governantes e autarcas, tipo ex-presidente da Câmara da Figueira da Foz, que, com os quilómetros que debitou durate o seu mandato teria dado várias voltas ao Mundo.
Todavia, a desgraça, a calamidade, a fatalidade não está, seguramente, no excesso de trabalhadores e nos "baixos" impostos que pagamos.
Atente-se neste facto: os CTT, por exemplo, há trinta anos, ou menos, tinha um complexo sistema de selecção de correspondência, com centenas de trabalhadores que se ocupavam dessa tarefa - para só falar desta. Hoje - uma das televisões apresentou há poucos dias uma reportagem sobre o tema - a selecção das cartas é toda automatizada. Quantos trabalhadores desapareceram com o sistema?
Qual é o índice de produtividade entretanto atingido? Nesta e noutras actividades - em todas elas (indústra, comércio, serviços, etc., etc.) ?
O resultado desse aumento espectacular - inimaginável há trinta anos - de produtividade está aonde? porque é que temos um Estado miserável, governado por parolos que se fazem transportar em viaturas de topo de gama, protegidos por um pelotão de seguranças e por um sistema de emergência médica complicado?
Para onde(foi) vai o produto desse aumento de produtividade? Voltando ao exemplo dos CTT: não foi para melhorar a qualidade dos serviços ou para os embaratecer.É que, por exemplo, uma carta enviada de Lisboa para a Finlândia, em correio azul, custa 1,30Euros. O mesmo tipo de serviço, da Finândia para Lisboa custa 0,65 Euros.
A Finlândia é, como se sabe, o primeiro país do Mundo em matéria de satisfação dos seus cidadãos.
Insistindo ainda nos CTT: a transferência do respectivo fundo de pensões, levada a cabo por Manuela Ferreira Leite e tão criticada agora por Bagão Felix, retirou à respectiva administração um enorme encargo, transferindo-o para o Estado. Esse facto vai aparecer reflectido nos resultados e, seguramente, permitir a Carlos Horta e Costa mandar rezar mais uma missa de acção de graças.
Fugindo da anedota: porque é que os homens da chamada comunicação social não aprofundam estas questões e se ficam a pontuar as conversas dos "sábios"?- tão sábios que já nem conhecem a realidade dos pobres mortais.
Será que os "pontos" da chamada comunicação social também se identificam com os problemas dos administradores, que fazem as empresas pagar todas as suas despesas, incluindo as do super-mercado e depois anunciam "ambiciosos projectos de reestruturação", que, no essencial, consistem na redução de mais uns milhares de trabalhadores?
A verdade é que, ao ouvir alguns directores de jornais, temos a sensação de estar a ouvir directores comerciais. Isto para já não falar dos auto-intitulados jornalistas e que são presidentes e vice-presidentes de empresas e comunicação social e de jornalistas que colaboram com as entidades patronais em mais do que uma função, sendo que a de jornalista é claramente prejudicada pelas outras.
Concluindo: é necessário levar a discussão sobre o défice do Estado para outro nível, escolher outro patamar e outros interlocutores e deixar de atormentar o cidadão que vive (mal) do seu trabalho, que tem que pagar tudo e ainda se preocupa com as asneiras dos governantes. Asneiras, isto é, descaminhos, porque quando se trata dos seus interesses e dos respectivos amigos só há operações de sucesso.

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