quarta-feira, agosto 10, 2005

DISSE QUE NÃO DISSE

Foi em tempo, quando escrevinhava no Jornal Novo e o dr. Soares chegou pela primeira vez ao governo. Ele saía com frequência do país, com frenesim próprio de quem queria entrar na CEE. Buscava apoios. Procurava vender o seu produto e fazia-o com empenho e determinação. Não raro metia os pés pelas mãos e dizia incongruências ou inconveniências, que desmentia nas calmas, no regresso, à chegada. Habituei-me (o dr. Vitorino ainda não tinha assentado praça no PS) a um ante-título que utilizei amiude: «Soares disse que não disse».
De uma vez, no regresso de uma dessas viagens, ele explicou que algumas falhas (inverdades) se deviam à frequência com tinha de mudar de idioma e se enganava nas expressões. Nunca me esqueci, depois, de inserir nas pequenas notas sobre «o disse que não disse» a referência ao «linguajar estrangeiro do dr. Soares».
Foi uma época e era um estilo de governar, arrumado, pensei eu, na gaveta da democracia recém chegada.
Parece que voltou. Hoje foi a vez do DN usar parangona na 1ª página, atribuindo Carrilho críticas à candidatura de Mário Soares. O candidato socialista à Câmara de Lisboa desmentiu prontamente a manchete do matutino da av. da Liberdade. Dias antes fora o «Público» a endossar ao secretário-geral do PCP o aviso a Alegre sobre a deselegância de Marocas. Manuel Alegre desmentiu o teor da notícia e o líder comunista também.
Os diários aderiram ao estilo dos telejornais: manchete forte e feia e quanto mais quente melhor, tanto faz que seja honesta como não, preciso é que seja chamativa e que desperte ódios e paixões.
No caso do «Público» foram formulados dois desmentidos e o jornal não tugiu nem mugiu, que é como as televisões costumam fazer, mas não era hábito nos jornais impressos. As coisas mudam.
Hoje pensa-se que tudo se pode fazer, seja improvisar ou mentir e, avaliar pelo silêncio do «Público», nem se importe de passar por mentiroso.
Quem aceitar isto como natural, pode habituar-se e continuar a comprar o pasquim.
Quanto ao caso desta manhã, o jornal ainda não teve tempo de se pronunciar sobre o desmentido, a não ser que eventualmente tenha prestado esclarecimento a outro meio de comunicação social alheio. Vou esperar. Seja como for a expressão, repetida, «fulano disse ao DN» é difícil de desmentir, se for verdade, ou de justificar, se não for.
Em geral escuto alguns noticiários breves, na Rádio, em geral de manhã, um ou outro Sic-notícias, pela tarde e uns cinco minutos de Telejornais, à noite. Não deu para ter eco.
Hoje choveu para os meus lados e por isso não tenho que regar as plantas e até vou poder lavar as mãos mais duas vezes. Nem tudo é mau, afinal de contas. Amanhã se verá. Naquelas folhinhas que nos dão imagem do passado, já lá tem vindo com regularidade a marca do Estado Novo: Visado pela comissão de censura. E hoje deu-se conta da eleição de Roosevelt. Por este andar, segunda-feira rebenta a guerra na Europa, mas só lá para terça-feira teremos notícias disso. Que pena não podermos ouvir Fernando Pessa, em directo de Londres...

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