Pronto para o funeral. Fica-se assim no fim, inevitável. Nem sei quem foi que disse que a morte é a única certeza da vida. A vida, sim, a vida é um mistério. Depois de ter feito milhares de quilómetros de avião, de barco e de comboios, de tantos e tantos nos autocarros e eléctricos da Carris e de patinhar a pé tanta e tanta rua de tanta parte do mundo, descanso tranquilamente em casa, sem pensar nos mistérios nem no inevitável, ainda sem pressa, mas sem ilusões. No entretanto, com natural desgosto fui perdendo os antecedentes familiares e numerosos amigos.
Com mais ou menos surpresa, com mais ou menos desgosto.
Mas esta naturalidade, do nascer, crescer, casar, ter filhos e depois netos e por fim morrer, já não vai sendo muito comum. Cada vez há mais excessos de velocidades ou de mau humor. Cada vez há mais armas com mau uso, extremismos sanguinários ou alcoolismo desordenadado. Em nome de tudo, da liberdade, da fé ou da esperança se mata e se morre. Tanto se mata por ciúmes como para almejar uma carteira.
Mas se, efectivamente houvesse uma vontade divina de pôr termo à violência, de nos privar do desejo pelo fruto proíbido e encher de beatitude e desportivismo os adeptos do futebol, mesmo assim, todos nós acabaríamos de igual modo, na hora que nos estivesse (esteja) determinada. De facto é justamente para isso que viemos e por cá vamos andando.
É por isso que o mediatismo pela morte do Papa me exasperou. Não havia jornal e ainda menos telejornal que se pudesse suportar. Não havia notícias, nem intrigas, nem chegadas e partidas, nem jogadores lesionados ou cheios de saúde. Só a morte de um ser humano, de há muito preparado para o desenlace.
Para as TV's foi, vai sendo, uma festa. Um explorar entre o mórbido e o excessivamente comercial e sem contemplações por quantos querem saber como é que o mundo vai pulando e avançando.A resposta do outro lado era a esperada:quem quiser, que espere. Notícias só depois da pub, dos quilos e quilos de pub.
Pelos jornais tem sido o mesmo. Notícias e comentários, como se definitivamente a oeste nada de novo. Bom, se estás em Roma, sê romano.O problema é que não posso. Não sou crente e tudo quanto sei sobre papas foi o que li de Roger Peyrefitte, pouco recomendável para citar nesta altura. E do que me recordo de João Paulo II é das viagens, de o ver nos noticiários a descer de aviões e beijar o chão das aerogares. Retive de memória (e a minha já não é o que era) que ele
ficou a dever e muito a Less Walesa a nomeação, embora do sindicalista polaco já não reze muito a História
A saltitar de canais, à pesca de algo e como via o mesmo, dei por mim a cair no fado e trautear como Carlos do Carmo "por morrer uma andorinha, não acaba a primavera". Valeu que, finalmente, deparei com a TVI a dar o Benfica-Marítimo e lembrando-me da opção devota de Cavaco Silva pela TVI, senti-me no dever de concordar com a crença popular que assegura que Deus é bem capaz de escrever direito por linhas tortas...
Mas foi já bem à noite, quando fui ler a entrevista deliciosa de Cruzeiro Seixas, num dos suplementos do DN, que me reconciliei com a vida. Um dos raros sobreviventes do movimento surrealista, trazido para Portugal, que está, agora, a trazer a lume a sua poesia, tantos anos escondida, dizia: "Eu já não tenho futuro. O meu futuro é o cemitério. Com oitenta e quatro anos
já não há futuro. Agora, gostava de me ir embora com uma visão melhor das coisas e do mundo"...
Quem é que não gostava?
Com mais ou menos surpresa, com mais ou menos desgosto.
Mas esta naturalidade, do nascer, crescer, casar, ter filhos e depois netos e por fim morrer, já não vai sendo muito comum. Cada vez há mais excessos de velocidades ou de mau humor. Cada vez há mais armas com mau uso, extremismos sanguinários ou alcoolismo desordenadado. Em nome de tudo, da liberdade, da fé ou da esperança se mata e se morre. Tanto se mata por ciúmes como para almejar uma carteira.
Mas se, efectivamente houvesse uma vontade divina de pôr termo à violência, de nos privar do desejo pelo fruto proíbido e encher de beatitude e desportivismo os adeptos do futebol, mesmo assim, todos nós acabaríamos de igual modo, na hora que nos estivesse (esteja) determinada. De facto é justamente para isso que viemos e por cá vamos andando.
É por isso que o mediatismo pela morte do Papa me exasperou. Não havia jornal e ainda menos telejornal que se pudesse suportar. Não havia notícias, nem intrigas, nem chegadas e partidas, nem jogadores lesionados ou cheios de saúde. Só a morte de um ser humano, de há muito preparado para o desenlace.
Para as TV's foi, vai sendo, uma festa. Um explorar entre o mórbido e o excessivamente comercial e sem contemplações por quantos querem saber como é que o mundo vai pulando e avançando.A resposta do outro lado era a esperada:quem quiser, que espere. Notícias só depois da pub, dos quilos e quilos de pub.
Pelos jornais tem sido o mesmo. Notícias e comentários, como se definitivamente a oeste nada de novo. Bom, se estás em Roma, sê romano.O problema é que não posso. Não sou crente e tudo quanto sei sobre papas foi o que li de Roger Peyrefitte, pouco recomendável para citar nesta altura. E do que me recordo de João Paulo II é das viagens, de o ver nos noticiários a descer de aviões e beijar o chão das aerogares. Retive de memória (e a minha já não é o que era) que ele
ficou a dever e muito a Less Walesa a nomeação, embora do sindicalista polaco já não reze muito a História
A saltitar de canais, à pesca de algo e como via o mesmo, dei por mim a cair no fado e trautear como Carlos do Carmo "por morrer uma andorinha, não acaba a primavera". Valeu que, finalmente, deparei com a TVI a dar o Benfica-Marítimo e lembrando-me da opção devota de Cavaco Silva pela TVI, senti-me no dever de concordar com a crença popular que assegura que Deus é bem capaz de escrever direito por linhas tortas...
Mas foi já bem à noite, quando fui ler a entrevista deliciosa de Cruzeiro Seixas, num dos suplementos do DN, que me reconciliei com a vida. Um dos raros sobreviventes do movimento surrealista, trazido para Portugal, que está, agora, a trazer a lume a sua poesia, tantos anos escondida, dizia: "Eu já não tenho futuro. O meu futuro é o cemitério. Com oitenta e quatro anos
já não há futuro. Agora, gostava de me ir embora com uma visão melhor das coisas e do mundo"...
Quem é que não gostava?
1 comentário:
Excelente texto e excelente homenagem (a Cruzeiro Seixas); sem pranto!
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