terça-feira, dezembro 27, 2005

A Loira Virou Speacker da Rua 48

No dia seguinte ao do Natal, a Loira da Rua 48 saiu de casa com um escadote numa mão e na outra um megafone. Escolheu um sítio bem alto da rua, subiu o escadote.

À sua volta já estava parte dos habitantes da 48. Pela primeira vez, o velhinho que aparece rua acima rua abaixo, a passear um cão com ar enfesado deixou o animal em casa e os olhos brilhavam-lhe de contentamento. "Que mais iria fazer aquela loira...? - interrogava-se ele e todos os demais.

O pássaro prisioneiro ralhou porque a família lá de casa se tinha esquecido de lhe dar comida e ele se recusava a comer a que estava no chão.

O chinês da loja do chinês cometeu um pecado mortal e saiu do estabelecimento. Aquela loira - que sempre ralhava com ele e lhe imitava o linguajar - fascinava-o.

Em volta do escadote ia crescendo a multidão: a velhinha franzina e linguaruda lembrou-se que aquele megafone talvez lhe servisse para, finalmente, dizer a toda a gente o que pensa da nora.

O marido que estava à janela a fumar, veio a correr escadas abaixo e, assim que viu a mulher, já entre os espectadores, deitou o cigarro fora.

Aos tropeções chegou a senhora alta e um pouco disforme que sempre chega a casa de taxi. Tinha um ar meio alheado, de quem não sabe bem onde está.

E até aquela velhinha simpática que todos os dias desce a rua carregada de sacos com comida e depois, a custo, arrastando uma perna, volta a subir para casa, se aproximou, meio assustada.

Ouviu-se então a voz da loira, amplificada pelo megafone:

- "Fiquem a saber que, a partir de hoje, esta rua tem uma speaker, tal como em Londres, onde toda a gente pode dizer o que quiser - desde que tenha alguma coisa para dizer - aqui estou eu para vos falar de vocês... sim de vocês e daquilo que vos acontece".

Pequeno murmúrio entre os circunstantes...

- " Olhai uns para os outros.... assim, de frente, olhos nos olhos. Há quantos anos vivem juntos, paredes meias ? Há quantos anos se cruzam todos os dias uns com os outros?.. Acham que se conhecem?

Uns quantos abanaram a cabeça, que sim, outros ficaram atentos, para ouvir mais e nem sequer olharam para o lado.

- "Então se se conhecem porque não conseguem fazer desta rua um sítio onde se possa viver em paz, em harmonia, com todos a ajudarem-se uns aos outros. Se se conhecem, porque não conseguem convencer o presidente da junta a arranjar espaços de convívio, onde os mais velhos possam estar com os mais novos e as crianças aprendam com todos, incluindo umas com as outras?"

Quem é o presidente da junta ? - perguntou alguém.

- "Estão a ver?... nem sabem quem é o presidente da junta, mas, seguramente foram votar nas últimas eleições que o elegeram.. Votam...votam, mas nunca sabem o que estão a fazer. Aposto que nas próximas eleições para presidente não conseguem libertar-se do que as televisões vos impingem... "

Alto lá!... disse uma mulher que se aproximou do escadote.

- "Alto lá o quê?" - interrogou a Loira da Rua 48 - "Para falar, primeiro tem que fazer as raízes e, depois, comprar um escadote e um megafone. Isto aqui não tem vox populi. A speaker sou eu e acabou-se. Portem-se bem, deixem de olhar uns para os outros como se estivessem num campo de batalha. Olhem para as minhas filhas, como estão lindas, maravilhosas...simplesmente porque são bem tratadas..."

Como não podia deixar de ser, começou o concerto de buzinas dos automobilistas bloqueados pelo discurso da speaker. A seguir, ouviram-se as sirenes da polícia. Estava instalado o pandemónio.

- "Estão a ver?...estão a ver?... a polícia só aparece para nos desmobilizar e proteger os automóveis que tomaram conta de tudo. Quando é que vocês despertam, bando de carneiros...?

Foi a debandada.

- "Oh! sr. agente, faça-me um favor: segure-me aqui no megafone para eu descer do escadote... e já agora, se não se importa, leve-me o escadote até ali a minha casa, porque eu tenho que tomar conta das minhas filhas. Com tanto automóvel aqui, nunca se sabe o que pode acontecer..."

O polícia ficou meio surpreendido, sem saber o que fazer ou dizer, mas agarrou o escadote... " Que loira!- foi pensando..."

"- Marilú, Francisa, vamos, minhas filhas..."

E lá foi a família, com o polícia atrás, carregando o escadote e o megafone.

1 comentário:

Anónimo disse...

a fulaninha que sai do táxi a cambalear é advogada e apanha com cada "pirua" que não é brincadeira