sexta-feira, dezembro 09, 2005

A Loira na Loja do Chinês da Rua 48

É uma loja apertada. Não chega a perceber-se se o espaço é grande ou pequeno. Só se veêm mercadorias. Penduradas, expostas em mesas pequenas,espalhadas a esmo, mesmo pelo chão; apitos dourados, ao lado de cachecóis de chachemira, chaleiras misturadas com soutiens. Cuecas por aqui e por ali. Com rendas, de gola alta, de tudo.
Por detrás de toda aquela confusão está a família do chinês e o chinês plópiamente dito.
A Loira da Rua 48 entrou na loja do chinês e foi afastando a mercadoria para tentar descortinar entre toda aquela quincalharia, um chapéu de chuva. Tinha sido surpreendida por uma chuva não anunciada pelos serviços de meteorogia, a caminho do autocarro. As amigas já a esperavam impacientes...
O chinês, meio escondido por detrás de um roupão cheio de figuras assustadoras, dragões que deitam fogo, olhava com curiosidade aquela figura exuberante, cabelos loiros, compridos, a cairem sobre os ombros, óculos escuros e um jeito desafiador.
O chinês estava a atender uma senhora de alguma idade, que lhe contava os seus próprios achaques para o tentar convencer a vender-lhe um chá que lhe curasse a prisão de ventre e ajudasse a aliviar as dores provocadas pelos bicos de papagaio.
No momento em que a loira entrou, a senhora, pequenina e franzina, insisitia que ele - o chinês - também podia vender comida para os gatos e para os pássaros. Para os cães não, porque engordavam muito.
A loira da Rua 48 ia sorrindo a ouvir a conversa, que o chinês já não ouvia. Só olhava a Loira. Veio a mulher do chinês e mais dois filhos e até aquela miúda mais pequenina, que parecia uma boneca para venda, se levantou e veio a correr a olhar aquela senhora que mexia em tudo.
Finalmente encontrou um chapéu de chuva. Abriu-o, voltou a olhar e atirou-o para o lado - não dava com o casaco verde que levava naquela manhã para o autocarro chamado desespero.
Deu mais umas voltas e não sei quantos pares de olhos seguiam-lhes os movimentos. Apenas a velhota continuava a falar: que a nora era uma malvada, não comprava comida para o gato e não deixava a filha sair à noite e até a obrigava a fazer a cama. A Loira gargalhou. Não pelo que a senhora velha tinha dito, mas porque, finalmente tinha encontrado o guarda-chuva da cor certa: verde musgo, verde-tropa, verde, verde...
O chinês aproximou-se, a medo e disse: "chinês não tloca..."
E a loira da Rua 48 respondeu: "...chinês tloca senão não complo!
"...chinês tloca..."
Com a cabeça loira protegida pelo verde musgo do seu novo guarda-chuva foi ter com as amigas.
"...Encontrei na loja do chinês uma velha chata só a falar de cães e gatos...eu acho que conheço aquela cara e aquela conversa, mas há muito tempo que a não via nem ouvia..."
"E que nos interessa isso?" - perguntou a vizinha.
"Que foste fazer ao chinês?"- acrescentou a brasileira. " Não se consegue comprar lá nada... é uma confusão..."
"Vocês é que são umas atadas. Olhem para o meu guarda-chuva novo. Verde. Verde musgo, verde-tropa, verde pila-jovem, porque é verde..."
O autocarro estava a chegar. Vinha a abarrotar e a vizinha começou logo a protestar: " vamos outra vez ser prensadas..."
O motorista sorriu, mas nenhuma delas o cumprimentou. Ninguém está interessado na amizade de um tipo que conduz uma carroça daquelas.

1 comentário:

Rita disse...

Genial este relato!!!! Ai como gosto da sua forma de contar histórias... : )