domingo, fevereiro 12, 2006

O Bloco Central dos Interesses

A notícia não podia ser mais clara: o governo prepara-se para vender o património da Casa Pia, avaliado em mais de mil milhões de euros. Todavia, uma avaliação feita há uns tempos atrás baixa substancialmente o valor para 220 milhões, valor com que a chamada comissão instaladora está a trabalhar.
Não sendo estas as principais questões que o eventual desaparecimento da Casa Pia de Lisboa - porque é para lá que caminhamos - levanta, vale, todavia a pena analisá-las antes de tentarmos perceber as razões por que um ministério governado por um homem aparentemente sério, de um governo socialista, cuja ideologia tem que ser profundameente marcada pela solidariedade com os mais desfavorecidos, decreta a venda de um património que vem sendo acumulado desde 1780, sendo que muito dele é produto de dádivas de cidadãos, preocupados com a educação dos desprotegidos.
Este esquema, agora concretizado em Decreto Lei, começou a ser gizado no tempo do governo de Durão Barroso, que nomeou a tal comissão para avaliar a situação da Casa Pia, na sequência do escândalo da pedofilia.
E o que fez tal comissão? Nada! Trabalhou em cima de uma realidade que já não existe há anos na instituição,como por exemplo as camaratas, não ouviu os agentes de ensino e educação dos vários colégios e, depois de muitos euros gastos, em estudos, viagens, contratos espúrios, tirou da cartola a solução: há que reduzir o número de alunos, logo há que reduzir a estrutura, em consequência, há que vender.
Tudo muito lógico para quem, percebendo a extensão do património existente vê nele uma fonte de rendimentop e não um instrumento para melhorar cada vez mais as condições de educação das crianças cujas famílias não sabem ou não podem proporcionar aos seus filhos as mesmas oportunidades dos outros , que vão, normalmente, às escolas ou frequentam os colégios privados.
A intenção da realização de mais valias com a venda do património também é evidente na subavaliação do património. Por exemplo, diz o Conselho dos Ex-Alunos, entretanto extinto pelo Decreto Lei que cria uma comissão chamada instaladora, mas que é, de facto, uma comissão liquidatária, o Colégio Pina Manique, junto ao Mosteiro dos Jerónimos não vale apenas os seis milhões de contos mas, pelo menos 60 milhões!!!
O interesse dos negócios sugeridos por toda esta trapalhada une, mais uma vez PSD e PS, tendo pelo meio alguns membros do CDS, como Roberto Carneiro, presidente da Comissão técnico-científica para a reestruturação da Casa Pia e donde saíu a ideia da redução de alunos.
As pessoas que têm acompanhado este processo esperavam do actual titular do Ministério da Solidariedade, Vieira da Silva, uma outra atitude: que não fosse pressionável pelo bloco central dos interesses e avaliasse a Casa Pia como uma instituição com um potencial de crescimento impressionante, no seu objectivo de garantir a todos os jovens desprotegidos uma real protecção do Estado.
Mas não, numa altura em que se assiste à degradação acelerada da família e ao aparecimento de crianças pobres, sem protecção, sem perspectivas futuras que não sejam a marginalidade, um governo socialista apadrinha os intentos mais egoístas de uma direita troglodita, interessada apenas em sacar o mais possível ao Estado.
E os portugueses - mais uma vez mal informados ou completamente desinformados, porque quando ouvem falar da Casa Pia só se lembram da pedofilia - vão assistir ao desmantelamento de uma instituição que pode, muitas vezes, ter sido mal governada, mas que, se obrigada a cumprir os seus objectivos, pode ser motivo de orgulho para todos nós.

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