Com as duas filhas pela mão - Marilú na direita e Francisquinha na esquerda - tem sido sempre assim, desde que as crianças chegaram da Suécia, a Loira da Rua 48 entrou no grande átrio da Estação de Santa Apolónia e foi directa aos guichets de venda de bilhetes.
- "Quero um bilhete para o Porto..."
-"Em que combóio? Para que horas " - perguntou a senhora do outro lado.
-"Olhe, no que ande mais depressa e saia mais cedo..."
- "As meninas também têm que pagar..."
- "Isso é que era bom!... as minhas filhas têm este ar robusto, mas são novinhas, não têm idade para essas coisas... Vá, vá, um bilhete rápido, que estou com pressa... quero apanhar o major antes de ele sair de casa para a Câmara...
Do outro lado do guichet a funcionária da CP abriu os olhos de espanto.
-" Sim. Quero fazer umas perguntas áquele senhor que aparece na televisão todos os dias a dizer que é inocente de não sei quantos crimes de que é acusado, por causa do futebol..."
- "Então e vai meter-se nessa confusão, com as meninas... coitadas"
- "As minhas filhas têm que aprender como defender-se destas coisas, além disso elas gostam de viajar..."
A Loira da Rua 48, já na posse do seu bilhete, ultrapassou as portas da estação e dirigiu-se para a linha nº2, onde estava estacionado o pendular - aquele que vai para cima e vem para baixo.
Sentou- no meio das duas filhas e foi apreciando a paisagem. Reparou que a maior parte dos campos estão vazios, que há casas e rotundas por todo o lado, que em Coimbra já quase não se vê a torre da Universidade. Até que chegou ao Porto. Campanhã. Chamou um Taxi e disse ao homem: "leve-me por favor e rápido, a casa do major".
O taxista nem perguntou a identidade do tal major. Pensou logo que se tratava do capitão batata. Ainda se lembrava do escândalo, andava na tropa por essa altura...
O mais rápido que poude, despejou a senhora loira, altiva e bonita, mais as duas crianças, junto à vivenda de muros altos e portões metálicos, que naquele preciso momento começaram a abrir. Houve um movimento inusitado: homens com câmaras às costas e mulheres de microfones nas mãos aproximaram-se...
A Loira da Rua 48, com as duas crianças pela mão, postou-se à frente daquele bruto automóvel preto. Lá dentro, o major agitou-se. O motorista buzinou e ameaçou avançar com a máquina. As câmaras filmavam e os microfones esticaram-se. O major saiu do automóvel.
- "Então e a senhora quer o quê, mais essas criacinhas tão lindas?...Sabe que a campanha já acabou, agora já não estou a dar frigoríficos, nem televisões, nem coisa nenhuma, agora estou a ver se ganho para poder, daqui a alguns anos, voltar a oferecer uns electrodomésticos..." disse o major com aquele sorriso irónico que se lhe conhece dos tempos de antena de que usufrui.
- "Eu sei...eu sei disso tudo... -disse a loira, afinando a voz por causa dos microfones - eu e as minhas filhas viemos da Rua 48, de Lisboa, e estamos aqui para lhe dizer o seguinte: não apreciámos particularmente que se tenha dirigido ao Presidente da República em termos menos respeitosos... não estamos a gostar dessa estória de corrupção por causa do Gondomar... o que nós queremos saber é das outras, com o Boavista, com o Porto, com o Benfica...Andam a enganar-nos ou quê?..."
As câmaras continuavam a filmar e havia já uma multidão de microfones à frente da Loira da Rua 48. A Marilú e a Francisquinha estavam um pouco assustadas, mas a mãe, enquanto falava, puxava-as mais para si.
- "Então, a senhora vem de Lisboa, da célebre Rua 48, para ralhar comigo por causa do Gondomar...?
- "Não se faça desentendido, homem... não é por causa do Gondomar... é por causa de todas as outras trafulhices e, sobretudo por uma outra razão: então o senhor movimentou influências políticas para levar o tal Pnto não sei das quantas com o Durão Barroso a Moçambique. Oh! senhor, foi por isso que o homem ficou maluco. O Barroso sempre foi má companhia, nem em Moçambique ele perdeu esse mau hábito..."
Dito isto, a loira voltou as costas ao automóvel e encaminhou-se para o taxi, que, entretanto, perante tal aparato, tinha ficado à espera. Os pés de microfone vieram todos a correr e as câmaras colocaram-se à frente da loira da Rua 48, que, de repente, parou. " E vocês, querem o quê? porque é que não aprendem a fazer perguntas a estes sujeitos e estão sempre a perguntar o mesmo: como se sente?.... E se me deixassem passar?
Entrou no Taxi e seguiu para a estação da CP. Um combóio haveria de a trazer de volta a Lisboa.
Quando ao fim da tarde regressou à Rua 48, o pessoal começou a juntar-se para a receber em apoteose, porque as televisões todas tinham passado na íntegra a sua intervenção junto do major.
Um dos vizinhos, aquele que tem sempre sacos de lojas "in", perguntou: " porque é que a senhora não falou do Sporting?"
-" O Sporting é um clube honesto, ouviu?". Uma grande salva de palmas sublinhou a afirmação. Ficaram todos contentes.O pessoal da Rua 48 é todo- ou quase - do Sporting.
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