quinta-feira, abril 26, 2007

GOSTOS E DESGOSTOS

A princípio foi quase com comoção que dei pela quantidade de portugueses a participar nas eleições francesas, dividindo-se pelos diferentes partidos, em contraste com o que na matéria se passa cá por casa. Depois deixei-me disso.Diverti-me mais com os resultados, confrontados com as previsões e análises. É sempre a mesma festa. Mas se a leitura, que se faz por cá, do que acaba de acontecer faz algum sentido, a caseira, as dos meios de comunicação franceses deixam alguma coisa a desejar...
Mas faz sentido misturar, afinal somos muitos por lá e de algum modo,já no passado meio recente, tivemos alguma interferência, alguma responsabilidade no resultado de eleições gaulesas.Lembram os jornalistas que já aconteceu antes o ganhador da primeira volta não vencer as eleições. A primeira dessas situações ocorreu em 74.Ano histórico, não apenas para nós portugueses de cá, mas para a França, que vivia o momento especial: a esquerda aparecia definitivamente em condições de triunfar e as querelas à direita pareciam insanáveis. A perspectiva de mudança empolgou os franceses e o facto de não ser já o desgastado partido comunista a comandar a oposição, mas sim o PS, com Mitterrand à frente, inebriava grande parte do eleitorado.Mas...
Mas as notícias alarmadas que chegavam de Lisboa, sobre o Portugal revolucionado, com a muito estridente viragem à esquerda, a par do afundamento de economia, foi pesado e badalado e surtiu efeito:a direita, em França,reunificou-se, Giscard passou uns pinguinhos dos 50%!
Mitterrand iria esperar sete anos para entrar na História. Da vez seguinte, Chirac ficou surdo aos apelos e Giscard caiu. Pelo contrário, Mitterrand acabou por aceitar um discreto acordo com o PC.
Por essa altura, andei por lá e diverti-me. Em casa dos outros tudo tem graça.Houve, bem entendido, nacionalizações mais a torto que a direito, mas, sobretudo, muito paleio festivo e a promessa de que tudo ia mudar.Como jornalista,o que me divertiu mais foi vendaval na comunicação social. Havia,por essa altura, três canais televisivos. Dois com pub e um limpinho, sem muita graça, mas sem a pub. Quase tudo eram discuções infindáveis sobre política e políticos. Aventou-se que era preciso um canal só para cultura «pró povo». O povo precisava. A Esquerda ia dar.
O que acabou por aparecer foi um canal comum, mas codificado, quer dizer: a pagar! Foi quase um escândalo. Então o povo, a cultura? Como é isso?, diziam os descrentes desconcertados. Bom, vai haver cultura e isso em sinal aberto. E houve: 15 minutos por dia!
Houve mais, muito mais. O governo inicial não durou muito.O PC depressa tomou conta
da administração pública, dificultando a acção do governo. Mitterrand foi aguentando o barco, até às eleições governativas. O esquerdismo morreu, com a chegada de Chirac. Fez-se a desnacionalização das nacionalizações, privatizou-se a maioria dos canais televisivos, criaram-se novos e manteve-se na posse do Estado o canal-2.
Mitterrand manteve-se tranquilo, à espera que Chirac arrumasse a casa. E nem precisou de nenhum veneno para se livrar do primeiro ministro: o crash da Bolsa esvaziou a euforia renovadora. Nas presidenciais que se seguiram, Chirac ficou a quatro pontos e o seu governo foi à viola. Finalmente, Mitterrand «reinava». Seguiram-se alguns ajustes de contas, entre iguais, com ministros sonantes a ir à vida. Para o fim, o Presidente arrumou os seus assuntos pessoais e familiares e deve ter-se divertido a assistir ao desvario do destroçado PS para arranjar um candidato.
Lionel Jospin foi quase inventado. Não havia nome que aceitasse gerir o partido.
Quase desconhecido e com o partido nas covas, Jospin entrou na corrida e obteve uma inesperada supremacia na primeira volta, face a Chirac, que viria a ganhar a segunda volta. Mas o líder socialista recuperou o partido e impôs-se na cena política. Chirac acabou por imitar Mitterrand,para evitar ser arranhado pelos seus pares: demitiu o governo e convocou novas eleições. Jospin chegou assim à segunda cohabitação. Mas acabou por ter um fim inglório, quase caricato: foi derrotado pela comunicação social de esquerda!
Também assisti e custou-me a acreditar. Mas foi simples:as eleições eram muito participadas, com os partidos do costume, mais os pequenos partidos, mais os grupelhos e de que é que se foram lembrar os jornalistas e os afins? «Bom, meus senhores, todos sabemos que Chirac e Jospin vão à segunda volta. Agora o que é preciso é aproveitar para referendar os outros. Vamos ver de maneira clara o que é que vale cada um deles, sem preocupações, sabendo todos que Chirac e Jospin vão à segunda volta!» Isto,sim, isto foi explicado até à exaustão pelos jornais e semanários! Foi, sim senhor. E nesse domingo, quando cheguei a casa do Yanne,para ver com ele a noite eleitoral, levei com a bomba, dez minutos antes das oito o canal do cabo furou o esquema e anunciou: Jospin está de fora!E estava! Nenhum jornal, nenhum jornalista, entendeu explicar ou justificar.Brincar com o fogo queima, lá isso queima! Mas, enquanto queimar os outros,que se lixe...

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