domingo, abril 15, 2007

ANTES DO DEPOIS

A RTP entretem-se e entretem-nos a rememorar os seus dela cinquentas.Podiam ter começado pelo milenário «era uma vez», porque surgiu como um conto de fadas. Vinha aí uma jovem rainha. Salazar aceitou abrir os cordões à bolsa e dar ao povo a televisão, de que se ouvia falar.
Era, bem entendido, a preto e branco.A emissão,se a memória não me falha,começava ao fim da tarde, depois do Sol posto, e prolongava-se até cerca da meia-noite. Não debitava publicidade. Alimentava-se da portagem, quer dizer, da licença. Licença era uma das predilecções do governo. Pagava-se licença para ouvir Rádio e, também licença para usar isqueiro ou por porte de arma.No caso da Rádio era preciso ter aparelho, como para os isqueiros e nem sei se por atavismo ou vergonha. Não é como agora, que se paga licença de Rádio, mesmo que se não oiça. Vem incluida na factura da luz e nem se dão ao incómodo de explicitar o valor da mensalidade. É certo que um sujeito pode ter uma porção de rádios, que só paga por um, mas paga à má fila, lá isso paga. Mas já lá vamos. Por agora vamos recordar a alegria de ver. Mas antes de muita gente ter aparelho, caro, para o nível de vida, podia ver-se sentado nos cafés de bairro e, depois, nas tascas da noite.Mas com o andar da carruagem os televisores entraram em casa das pessoas e os cafés começaram a perder pedalada.
Aos poucos a cidade, as cidades, vilas e aldeias, mudavam. Em vez de cafés viam-se, agora, bancos, muitos bancos. Quando o Royal fechou no Cais do Sodré foi como se um tipo tivesse enviuvado, meio perdido. O Rossio deixou e ter noite, virou uma aldeia.
E, de súbito, o profissionalismo do pessoal da televisão deu um sinal. Atarefados e voluntariosos apostaram a ser capazes de transmitir a final do campeonato do mundo de hoquei, a partir de Madrid. Tiveram que estender cabos e linhas e nem sei que mais, por campos e vales, mas conseguiram. Nessa noite, no restaurante, onde hoje a Caneças faz pão, sentei-me para jantar e ver o Portugal-Espanha, que os portugueses de Moçambique ganharam.
A par do arreganho surgiram outros apetites. A publicidade despertava e pressionava.
Colocava-se um problema: a taxa. Para o governo a taxa era coisa certa e segura a pub seria o quê?
A solução foi, como se sabe, criar um segundo canal, esse, sim, sem pub. Não que fosse novidade. Em França, ainda que não houvesse taxa, a TV, já a cores, não passava publicidade e a ideia de vir a fazê-lo alarmou a Imprensa e outros meios de comunicação. Foi preciso negociar e assumir restrições. Não se podia interromper um programa, para inserir pub, nem debitar anúncios mais do que xis tempo por hora e, claro, mais um canal,neste caso o terceiro, sem publicidade. Mas era, digamos assim, um canal saloio. Repartia-se por regiões, cada qual com programação regional própria. Apenas se unificavam para dois noticiários de âmbito nacional, enquanto a imprensa escrita beneficiou de tributação aligeirada.
E foi assim até à chegada de Mitterrand ao poder. A publicidade explodiu e os canais multiplicaram-se, com mais ou menos sucesso.Lá como cá,a Imprensa escrita emagreceu as tiragens e foi perdendo espaço.
Foi um pouco por tudo isto que apareceu a TV por cabo. Apareceu, não nos esqueçamos, para emitir programação e filmes, sem publicidade,mas com a santa taxa. Até eu fui na conversa e no fascínio de me livrar dos anúncios e deixei o Cabo instalar-se.
Se não fosse pelo Mourinho provavelmente já teria desistido...

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