terça-feira, janeiro 10, 2006

A Loira da rua 48 no Bairro Fiscal

-... Oh! senhor, eu já não lhe disse que estou aqui para falar com o seu chefe?... Porque é que está sempre a perguntar se me pode ajudar... Parece que está a vender óculos ou cuecas num shopping... não estou aqui para comprar nada. Diga lá ao seu chefe que eu quero falar com ele.
- ... " E quem é a senhora?" - perguntou o senhor por detrás do balcão, com barba de dois dias, roupa descuidada, enquanto tirava umas fotocópias.
A assistência, composta por três funcionárias - todas com um computador à frente, tal como noutros tempos tinham máquinas de escrever - despertou, desejosa de ver o espectáculo...
- " Oh! moço, vá lá dentro e diga ao seu chefe que está aqui uma loira que lhe chamou, primeiro, senhor, depois, moço e que quer falar com ele... ande, despache-se... não tenho tempo a perder, porque o meu tempo é dinheiro e o seu nem para fazer a barba chega... vá...vá...
As espectadoras ficaram espantadas. O galifão da repartição, considerado o mau do pedaço, que punha todos os fregueses na ordem, não dissse nada e avançou para o gabinte do chefe.
Dois minutos depois o mesmo rapagão com barba mal feita e roupa pouco cuidada, apareceu ao balcão, desfazendo-se em mesuras...para que a senhora entrasse: "....por aqui, faz favor... à esquerda...
Correu a abrir a porta e, logo à entrada, lá estava o chefe: casaco à moda mas a sobrar(" o pronto a vestir é uma chatice"... ia pensando... "logo hoje que a loira resolveu vir à repartição...")
A Loira da Rua 48 entrou no gabinete do chefe, olhou de soslaio para a bombazine, de novo na moda, do casaco do pobre homem, fez um sorriso compreensivo, olhou o empregado de balcão com uma ordem nos olhos: desaparece!
E ficou, frentre a frente com o homem grande da repartição, que ameaçava, que mandava cartas, que assinava coimas, juros e estava ali, a olhar para ela, feito trapo, homem da rua, como que a dizer: "eu não tenho a culpa... são eles que mandam, eles querem cobrar..."
Não precisou falar, a Loira da Rua 48 percebeu o discurso só de olhar para os olhos daquele gordo, empaturrado com um bom almoço que alguém - não ele - pagou.
"... Olhe lhá, seu gordo embombazinado, estou aqui para lhe dizer que eu vou pagar. Tudo. Mas quando puder, quando os seus chefes puserem este país a funcionar! Quando o Estado resolver pagar os seus compromissos a horas, quando o Estado, que você e os seus chefes representam, pagar as suas contas a tempo e horas....
O chefe da repartição de finanças esboçou um gesto, ia dizer qualquer coisa. A Loira da Rua 48 silenciou-o com um dedo sobre os lábios: "... já sei o que vai dizer e não me interessa... Da próxima vez que me mandar uma carta a dizer que me vai penhorar não sei o quê, eu vou mandar aqui o pessoal da minha rua perguntar quando é que prendem os banqueiros que andam a lavar dinheiro de negócios esquisitos..."
- "Isso náo é comigo..." balbuciou o coitado.
- " Então deixe de fazer serviço de macaco e faça com que esses assuntos também sejam, consigo! E agora mande aquele seu lacaio mal lavado e mal vestido ensinar-me o caminho de regresso à rua, para ver se respiro algum ar puro..."
A loira da Rua 48 passou pelas secretárias das três "doutoras" olhando cada uma nos olhos, perguntando com um sorriso: " já descobriram hoje mais um devedor, daqueles que se sujam apenas veêm o carimbo da repartição de finanças...?

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