O tema da democracia em Portugal está na ordem do dia - de resto, nunca deveria ter deixado de estar - não porque o presidente da República chamou a atenção para eventuais atitudes de abuso do poder e evidentes carências dos partidos da Oposição, mas porque o nosso sistema não é um sistema democrático.
Eu explico: a estrutura de poder saída de eleições que, segundo tudo indica, decorrem dentro das regras democráticas vigentes em grande parte dos países europeus (pelo menos), regra geral, não cumpre o programa com que se candidatou às eleições.
Esta verdade, verificada desde o 25 de Abril, representa uma fraude insanável, com repercussões catastróficas em toda a vida nacional, a primeira das quais é representada pela desconfiança generalizada dos cidadãos em relação a todos os políticos.
Quando um povo, na sua quase globalidade, não acredita nos dirigentes que escolhe para o governar, está tudo errado, sobretudo porque esta desconfiança cria, primeiro, o descrédito das alternativas e, depois, afasta os cidadãos da pouca participação que o sistema lhes permite.
Este alheamento permite, por outro lado, que os sucessivos governos saídos de eleições, cada vez menos participadas, esqueçam facilmente os grandes problemas das populações em geral e dispensem especial atenção à satisfação dos interesses dos mais variados lobies, como a banca, os petróleos, os automóveis, os construtores, etc. etc.
A certeza de que o programa com que os partidos concorrem às eleições não vai ser cumprido, transformou, de resto, as eleições legislativas, não na escolha de um programa de governo, mas na votação numa figura para primeiro-ministro e as campanhas trasnformaram-se na "venda" de um leader.
Por isso, a população, de uma forma geral, não lê, não compara os programas dos diversos partidos concorrentes e guia o seu voto pela simpatia que tem por determinada figura, pela "necessidade" que sente em desalojar quem está no poder ou porque, assim como é do Benfica ou do Sporting, milita neste ou naquele partido.
O resultado é uma tensão permanente entre oposição e governo, tendo como único objectivo a disputa do poder e uma instabilidade social perigosa, que coloca em causa os fundamentos da ordem e da legalidade.
A continuidade da mentira não deveria poder continuar. Os programas apresentados ao sufrágio popular deveriam ser rigorosamente cumpridos, pelo que deveria existir uma instância constitucional com a possibilidade, diria mesmo, com a obrigação, de demitir o governo que não cumprissse o programa sufragado.
Esta possibilidade/obrigação poderia ser partilhada pelo presidente da República e pelo Conselho de Estado, cuja composição não poderia continuar a seguir o actual sistema.
Este modelo poderia ser substituído pela existência de um Senado, que partilharia tal responsabilidade com o presidente.
Ou uma outra solução, ou qualquer outra mais elabora e eficiente. O que é importante é acabar com a enorme mentira a que chegamos através de um processo aparentemente democrático.
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