domingo, outubro 18, 2009

VIDAS

Eu e o foot somos antigos. É comum, nestas alturas, ter saudades e recordações. Não se trata, vou avisando, da lamechice do dantes é que era bom. Era bem diferente, lá isso era, mas impos-se-nos e no que me toca comecei pelas Amoreiras. Fui lá uma ou duas vezes, não mais. E nem vi a bola. No peão, em pé, não me dava para ver mais que pernas e costas...
Depois, mais giro, foi o «campo grande», o «campo do Benfica» a «ilha da madeira», o que se quisesse, menos «Campo 28 de Maio», isto nunca, nem nos jornais, imagine-se!
O Benfica era (eu ainda não percebia disso) malquisto do Poder de então, mas na bancada dos sócios -- e o meu pai era sócio -- via bem o jogo e fui aprendendo a gostar. Gostava do Gaspar Pinto. Era um senhor defesa, matreiro.
Peyroteo um belo domingo deu-lhe um soco que o estendeu. Foi «pr'á rua» e o Benfica chegou ao empate. Era um jogo de Taça e, portanto, em fim de época. Na terça (ou quarta?) o Sporting acabaria por eliminar o Benfica (cheio de azares, pois claro!) e ganhar a final, nas «Salésias», creio que ao Olhanense.
Por esses tempos não havia ainda subidas e descidas de divisão. Eram os «regionais» que qualificavam para o «nacional». Foi por isso que levei alguns anos para conhecer o Barreirense que foi perdendo para o Vitória de Setubal. Nem havia Braga; era sempre o outro Vitória, o de Guimarães, a qualificar-se.
Sá havia jogos ao domingo. O defeso era comprido, o que tornava os inícios de época verdadeiramente festivos. O meu tio mais novo ia para o campo do Benfica pelo meio dia. Via um pedaço das segundas categorias, o jogo de reservas e o da divisão principal.
Antes dos jogos começarem os jogadores das duas equipas perfilavam-se diante dos camarotes para saudar ou excelências excelentisssimas ou dirigentes
federativos , erguendo o braço direito, para a continência!
Havia uma Cuf em Lisboa. Jogava no Lumiar-A. Uma vez vi essa Cuf ganhar por 4-1 ao Benfica. Eu fiquei triste e o meu pai muito zangado. Tal Cuf nem sequer se apurava para o Nacional. Enfim, coisas da bola! Mas é bom recordar que a par de alguns veteranos experientes jogavam por lá um tal Felix, outro ignorado Travassos, então jovens desconhecidos!Esta Cuf finou-se de repente, dias antes de começar uma nova época. O dito Travassos e o mencionado Felix atravessaram o Campo Grande e foram oferecer-se ao Benfica, onde na ausência do treinador (Biri), o Xico Ferreira dirigia o treino dos mais jovens. Disse logo que sim a Felix, mas não quis o Travassos, por ser de pequena estatura! E o Travassos foi para o Sporting, onde fez uma carreira brilhante, e seria, aliás, o primeiro português, anos depois, a ser incluido numa selecção europeia!
Como se pode depreender, a xico-expertice já vem de longe!
Já devem ter percebido que estou ainda em tempo de guerra. Era gito ir à bola e comer castanhas à saída do campo do Benfica. E patinhar a pé até ao Campo Pequeno, por ser mais fácil apanhar, ali, o eléctrico para a Baixa.
O meu pai passsava sempre pelo Leão de Ouro, antes de subir o Chiado, a caminho de casa. Se o Benfica tivesse ganho haveria um prato de ameijoas, com as imperiais. Chegava-se a casa a tempo de ligar o rádio para ouvir Alfredo Quádrios Raposo efectuar o resumo da primeira e o relato da segunda parte do jogo. Algumas vezes do jogo a que tinhamos assistido! Bons tempos!
Quando comecei a ver a bola, o Espirito Santo não jogava e eu nem sabia que ele existia. Existia e era titular no Benfica, mas teve uma lesão grave e ficou pelo menos um ano parado. O Julinho era o avançado-centro, que substituira o lesionado, já então recordista do salto em altura. Não havia, portanto, Estádio Nacional. O que havia no futebol português, de então eram muitos campos carecas e um relvado nas Salésias, em Lisboa, e outro vagamente arrelvado, no Porto, o «estádio do Lima». Podia assistir-se aos jogos sentado em bancadas ou centrais ou laterais, conforme o taco de cada qual, ou no peão, que como a palavra indica, de pé. Por essa altura aconteceu um inverno tempestuoso, com cheias na Extremadura, que gerou o «socorro social», cinco tostões nos bilhetes de cinema e, claro, de futebol, Cinco tostões era o que custava o eléctrico do Rossio a Santos. O elevador da Bica custava dois tostões.
Já agora anotem que vi e me lembro do campeonato que o Belenenses ganhou.
O belenenses do Capela, que com Vasco e Feliciano contituiam as torres de Belém, além do Serafim, que trabalhava na oficina do irmão, na rua das Flores e com o qual eu costumava conversar sobre bola, no Porto de Abrigo. O ponta esquerda era o Rafael, esse já internacional.
Foi nas Salésias que assisti, em 44, à final da Taça, Benfica-Estoril. O Estoril acabara de vencer o campeonato da segunda-divisão e, como tal, subiria de divisão e estou em crer que essa foi a primeira vez de súbida por mérito, em vez das opções regionais. E duas semanas depois, a 10 de Junho (bem entendido) era inaugurado o Estádio Nacional. Houve alguns buracos. O comboio de Cascais não acabou a tempo o desvio para o estádio; nem a auto-estrada saída das Amoreiras chegou ao Estádio. Vivia-se, ainda, em tempo de guerra na Europa e tal servia para justificar muita coisa. O Sporting ganhou então a primeira das taças que passaram a ser disputadas entre os vencedores do Nacional e da Taça. Hoje nem sei se teria sido possível. O jogo começou bem mais tarde do que estaria previsto, Acabou empatado. Meia hora depois era quase noite cerrada. Desiludido, o meu pai comentou: «...é sempre assim... o Benfica joga e... o Sporting ganha!»...
(continua).

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem Vindo, Rafael. Já tinha saudades da sua prosa saborosa e da sua prodigiosa memória. Conto lê-lo mais vezes.